Veraneando ao longo das últimas três semanas na praia do Cassino, em Rio Grande, a manicure Ana Cerqueira, 48 anos, viu de perto a lama que tomou ínfimos dois quilômetros de um total de 200 quilômetros da beira-mar em janeiro. Passado um mês, ela observa a melhora no cenário.
— Chegava a ficar um quadrado de lama bem alto — afirma.
A lama está restrita a um trecho de 700 metros (0,35% da extensão do Cassino), entre as guaritas 19 e 20, constatou GaúchaZH ao visitar Rio Grande nesta semana. O trecho é como um parênteses melancólico no Cassino: aqui, não há guarda-sóis coloridos nem crianças brincando no mar. Placas indicam o perigo de banhar-se.
Fora do pequeno trecho com lama desponta novamente a típica paisagem de verão: frequentadores sentados em cadeiras, chimarrão na mão, carros estacionados na areia.
— Agora, está só 20% de lama em relação ao que estava antes. As guaritas que ficavam na zona com lama foram movidas para onde estão os veranistas e o banho é seguro — afirmou um guarda-vidas, que não quis ter seu nome divulgado.
Para evitar a lama, banhistas passaram a frequentar a praia mais ao Sul, em direção aos cata-ventos, diz o major Marcelo Soares, comandante da Companhia de Guarda-Vidas do 3º Batalhão de Bombeiros e responsável pelos salvamentos aquáticos no Litoral Sul.
— A praia não está desguarnecida. Recomendamos que o pessoal evite a área com lama e procure banhar-se onde há guaritas, porque assim fica sob o olhar dos guarda-vidas — afirma.
Fenômeno já aconteceu outras vezes
A redução da área com lama nas últimas semanas ocorreu porque o material é coberto pela própria areia graças à ação do vento que sopra de Nordeste, explica o oceanólogo Henrique Ilha, diretor de Qualidade, Saúde, Meio Ambiente e Segurança dos Portos do Rio Grande do Sul.
— Esse fenômeno é recorrente. Se fizer um furo de investigação na praia, vai se encontrar (uma camada de) lama, depois areia, depois lama e areia de novo. No mar, ainda tem lama em bolsões mais profundos, mas não é perigoso. Em caso de grandes tempestades, eles podem ser dispostos na areia de novo, no outono ou na primavera. Mas são ciclos naturais — pontua.
De fato, desde 1901, o aparecimento de lama na praia já ocorreu outras 33 vezes. Segundo Ilha, o material não faz mal à saúde e é formado por uma mistura de sedimentos levados por diferentes rios do Estado que desembocam na Lagoa dos Patos e chegam a Rio Grande.
Os sedimentos são restos de terra de lavouras e pecuária que não aplicam técnicas para proteger o solo. Também há um pouco de esgoto doméstico — diluído no mar, diz o oceanógrafo, não faz mal à saúde quando chega ao Cassino.
— Essa lama desce a Lagoa dos Patos, se deposita no Porto em Rio Grande e, em tempos de ressaca muito grande, também deposita entre os bancos de areia e chega à praia. Acho que em mais duas semanas a areia cobre tudo — diz Ilha.