— Eles são uma lição de vida. Então, quando a gente achar que tem muitos problemas, é bom olhar para os lados — sugere a bancária Helena Ayub, após participar de uma caminhada às cegas pela beira da praia de Capão da Canoa.
Guiada pela amiga, a médica Daniela Manzke, ela aproveitou a experiência para sentir na pele como é a rotina das pessoas que não enxergam. Depois de percorrerem um pequeno trajeto na areia, elas trocaram os papéis: Daniela colocou uma venda e se deixou guiar por Helena.
— Foi uma vivência muito interessante. A gente tem que confiar totalmente no guia — comentou a médica.
Essa ação fez parte do primeiro Dia de Inclusão do Estação Verão Sesc que promove, ao longo do sábado (18), uma série de atividades de acessibilidade e inclusão para pessoas com deficiência. A iniciativa surgiu da observação do aumento na demanda pelas cadeiras anfíbias - aquelas adaptadas com rodas grandes para levar cadeirantes ao mar -, conta a coordenadora estadual do Estação Verão, Melissa Stoffel.
Segundo ela, no primeiro ano em que a entidade disponibilizou as cadeiras especiais, há oito anos, foram atendidas 174 pessoas. Em 2019, o número ultrapassou os 1,7 mil.
— Então, percebemos que não é que não existiam essas pessoas, mas faltava acesso. E hoje, quisemos reunir uma soma de parceiros para mostrarmos essas boas práticas — explica.
Há quatro anos sem frequentar a praia, a aposentada Anajara Carbonell Closs veio de Porto Alegre só para aproveitar o evento. Com um problema congênito, ela passou por 28 cirurgias ao longo da vida e teve uma piora em 2016. Sentindo muitas dores e com dificuldade para caminhar, ela precisou se afastar dos veraneios no Litoral e dos banhos de mar energizantes, como ela mesma diz.
— Quando minha amiga ligou contando da ação e perguntou se eu queria ir eu disse: “tô dentro”!
Radiante e com um sorriso de orelha a orelha depois do banho de mar - com direito a alguns caldos e tudo -, Anajara não arredou o pé da areia. Aproveitou o momento pós-mergulho para comer petiscos típicos da beira de praia. E ela já avisa: se tiver outra edição da ação, ela pega a freeway e vem participar.
Quem também veio da Região Metropolitana só para curtir o dia especial com a família foi Luciano Prado Lousado Filho, de oito anos. O menino de Eldorado do Sul tem paralisia cerebral, mas nem por isso deixou de demonstrar seu interesse pelos brinquedos do playground adaptado. Um balanço, uma gangorra e um gira-gira com espaço para cadeirantes fizeram a felicidade do guri.
— Se ele vê o brinquedo, grita que quer ir — conta a mãe, Adriana Cleza.
SuperCaetano em ação
De um lado para o outro, o pequeno “SuperCaetano”, de três anos, andava agitado pelo calçadão. De óculos escuros e boné, o menino que tem Síndrome Sjogren Larsson, que provoca alterações na pele e neurológicas, não parecia se importar em zanzar em um andador. Fazia pose para fotos e adorou o equipamento de PVC, produzido pelo projeto Tampinha Legal.
— Moramos em Torres e ele adora ir à praia, mas não pode frequentar muito em função da síndrome — comenta a mãe do pequeno, Gislaini Dalpiaz, que distribui até um cartão de visitas com o perfil no Instagram do menino. A página é usada para encontrar pessoas com o mesmo diagnóstico e compartilhar experiências.
Mobilização é a palavra
Colocar-se no lugar do outro e auxiliar aqueles que precisam são os combustíveis para uma turma que se mobilizou para tornar o evento realidade. Arino da Silva, morador de Capão da Canoa, encontrou um novo sentido para suas caminhadas diárias depois de receber um incentivo da neta, que é colaboradora do Sesc.
O aposentado passou a juntar tampinhas de garrafas por onde andava. O gesto simples, iniciado em março do ano passado foi tomando proporções maiores. Amigos e conhecidos começaram a recolher o plástico e encaminhar para Silva. O resultado? Uma doação que ele estima em 60 mil tampinhas.
— Eu tinha um vazio quando me aposentei. Não tinha o que fazer. Então, a caminhada de pegar as tampinhas foi muito boa, eu tinha uma meta — fala, emocionado.
Os resíduos plásticos que ajudaram o aposentado a desenvolver novos objetivos são encaminhados para o projeto Tampinha Legal, que tem como objetivo estimular o recolhimento desses itens em entidades assistenciais e repassá-los a recicladores, que pagam pelo material. O dinheiro é repassado para essas instituições.
A partir do Tampinha Legal, o Instituto Sustenplást criou um novo projeto: o PrAIA, ou Protótipo de Andadores Infantis de Areia, que usa resíduos da construção para fabricar andadores de PVC.
— Queremos mostrar que dá para fazer com pouquíssimo custo. Um andador desses custa R$ 30. Só as rodinhas que não são fruto de reciclagem. O restante é resíduo de obras —comemora o presidente do Instituto, Alfredo Schmitt.
A ONG Caminhadores RS, que é quem conduz as pessoas nas cadeiras anfíbias, também marcou presença. Criada em 2003 com a ideia de oferecer opções de lazer para pessoas com deficiência, a ONG foi crescendo até que, em 2009, iniciou um projeto para levar esse público para o Litoral. Dois anos mais tarde, quando ganharam cadeiras anfíbias, deram um gás nas ações e, hoje, promovem passeios no Litoral Norte, na Costa Doce e até em cachoeiras.
— É importante tirar essas pessoas de dentro de casa e promover a qualidade de vida através do lazer — pontua o presidente da ONG, Rotechild Prestes.
Além das atividades voltadas para acessibilidade, o Dia de Inclusão ainda contou com a presença de pessoas com deficiência intelectual, que ajudaram na distribuição de mudas de plantas, organizada pela Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para PcD e PcAH no RS (Faders). Também rolou oficina de skate adaptado para cadeirantes.