Era só uma hora a mais, depois uma hora a menos, mas as discussões sobre o tema ficavam tão acaloradas quanto as de um pós Gre-Nal. O horário de verão nunca foi assunto unânime e a extinção dele, que ocorria ininterruptamente desde 1985 no Brasil, foi motivo de comemoração para alguns e de lamentação para outros. Com isso, algo começou a chamar a atenção de quem cai da cama mais cedo: se os ponteiros não mudam mais duas vezes por ano, agora são os amanheceres no Rio Grande do Sul que estão adiantados.
Esse "amanhecer mais cedo" — assim, entre aspas, porque se trata de uma percepção e não de um fenômeno — mudou a rotina de Stéphanie Perrone, 32 anos. Em abril, a atleta lamentou o decreto de Jair Bolsonaro que pôs fim ao horário de verão. Ela, que corre desde 2007, aproveitava a claridade estendida para treinar ao fim do dia, depois do trabalho. Mas o que começou como consternação se transformou em novos hábitos. Professora de Gastronomia em um curso na Restinga, em Porto Alegre, ela começou a treinar bem cedo pela manhã. Às segundas e sextas-feiras, sai para correr perto das 5h.
— Mudou meus treinos (o fim do horário de verão). Isso que eu faço hoje, fazia de noite até o ano passado. Agora, acaba escurecendo mais cedo, mas 5h já é dia claro. Comecei reclamando, mas hoje até estou gostando. Com a claridade, me sinto mais segura, enxergo bem as calçadas. Além disso, o dia está rendendo bem — conta Stéphanie, que se prepara para a Maratona de Porto Alegre do ano que vem e para um mundial de Aquathlon (prova que combina natação e corrida) em setembro.
Já para quem sempre viu o sol se pôr antes das 18h, o horário de verão era uma vantagem em Porto Alegre. A doutoranda em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Eutalita Bezerra, 32 anos, é de Recife e mora na capital gaúcha desde 2014, quando veio fazer o mestrado na federal. Em Pernambuco não havia horário de verão porque não fazia diferença no Estado — quanto mais perto do Equador, mais os dias se igualam em duração com as noites, por isso, a mudança era adotada apenas em Estados mais centrais e ao sul do país.
— Eu vim em pleno janeiro (para o Rio Grande do Sul). No início, eu estranhava muito que, às 19h, ainda tinha bastante sol. Na minha terra, antes das 18h já é noite nessa época — relata. — Aqui a gente tendia a ficar mais na rua, aproveitar a noite.
Eutalita vai a Bagé visitar seu companheiro sempre que pode aos finais de semana. Uma das coisas que mais lamenta é que não conseguirá mais ver uma cena que considerava linda: o pôr do sol na Campanha visto da estrada:
— Saía às 17h e conseguia ver ali em Caçapava. Era tão lindo. Hoje, saindo nesse horário, acho que não vou conseguir ver mais.
A mesma rotação de sempre
"Amanhecer mais cedo" soa estranho porque nada foi alterado no movimento da Terra em torno do Sol. Na prática, a duração dos dias segue padrões iguais em todos os dezembros, com particularidades em cada região do planeta. Mas, em razão do horário de verão em vigência, quem precisasse acordar às 5h30min nesta época, em 2018, estava na verdade acordando às 4h30min.
O que ocorre é que a ausência do horário de verão só deixou mais evidente que os hemisférios da Terra recebem diferentes quantidades de luz, conforme o planeta gira ao redor do Sol ao longo de um ano. Isso explica por que, no mesmo período em que é verão no sul do planeta, é também inverno na parte norte.
— No hemisfério sul, o tempo de iluminação dos dias vai ficando maior conforme vamos nos aproximando do solstício de verão. Isso também é influenciado pela latitude do local. Mais ao Sul, o Rio Grande do Sul é o Estado que vai perceber mais ainda os dias ficarem mais claros — explica João Braga, chefe da Divisão de Astrofísica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A entrada da nova estação é o dia mais longo do ano, ou seja, que recebe a maior quantidade de luz. Em 2019, o verão começa em 22 de dezembro, à 1h19min. Neste dia, o sol nasce às 5h21min e se põe às 19h25min, segundo a Somar Meteorologia.