É melhor rever suas expectativas antes de entrar na Fruteira do Pelé. Quem cruza a porta do estabelecimento localizado na Estrada do Mar, em Torres, pela primeira vez, pode não deparar com o que procura. Mas dificilmente irá se esquecer do que vai encontrar.
Para começar, a despeito do que sugere o nome, o local não tem frutas. Quer dizer, procurando bem, até dá para achar uns abacaxis perto do caixa. Essa, contudo, está longe de ser das razões que fazem com que os cerca de 200 lugares mantenham-se ocupados – por vezes disputados – em boa parte dos dias da semana.
Na fruteira sem frutas que é considerada parada obrigatória para muitos veranistas do Litoral Norte, o convencional é quase sempre secundário, e as peculiaridades, múltiplas. Carros-chefe da casa, o pastel e o misto quente colonial são bem recheados. A alegria da clientela, porém, começa bem antes da primeira mordida, quando chega à mesa a "degustação", um prato com salame e queijo colonial picadinhos, por conta da casa.
Todos os sucos são naturais, preparados com pouca água e muita fruta – raríssimos são os clientes que pedem outra coisa para tomar. O de abacaxi é o mais pedido entre os seis sabores disponíveis, seguido do caldo de cana e do suco de laranja. Diante do dilema recorrente dos frequentadores para decidirem entre os mais populares, a casa criou o sabor Labacana, que transforma os três em um só.
O valor pago por um copo de refresco, R$ 8, dá direito a um chorinho, o que, na linguagem da Fruteira do Pelé, é sinônimo de suco infinito. Não é modo de dizer. Enquanto restar gente à mesa e copos meio vazios, haverá um garçom para deixá-los bem cheios até alguém tentar dar um basta, e receber de volta o olhar malicioso do funcionário:
– Só mais um, dez – emenda, deixando claro que a saideira nunca chegará.
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Senso de humor é fundamental para ter uma boa experiência por lá, seja como cliente ou empregado. Se os exames cardíacos estiverem em dia, melhor ainda. Situações recorrentes no local, assobios, gritos, bandejas vazias indo ao chão repentinamente e cobras de brinquedo saindo de caixas de "balas” podem surpreender desavisados.
– Esse dias teve um brigadiano que caiu no chão, assustado. As mesas todas lotadas, e ele com as pernas pra cima – lembra o garçom Paulo Hendler, 54 anos, guardião das caixas de madeira que arrancam risos – depois dos gritos de susto – da clientela.
Quem é o Pelé?
Tudo é pretexto para piada na babel com open suco do Litoral Norte. Cliente pede um pastel de carne, ouve que só tem de camarão ("é o nome do boi", dirão, após a expressão decepcionada). Solicita um sanduíche sem alface e recebe um não ("não tem problema" virá após uma pausa dramática). O queijo usado nos lanches, explicam, é do "leite da vaca da minha tia, que mora na zona" (rural, complementam em seguida).
Quem quiser conhecer o Pelé provavelmente sairá confuso. Quase todos os funcionários, ao serem questionados, respondem:
– O Pelé não veio hoje. Sou o irmão dele, o Pelado.
O que muita gente não sabe é que a pegadinha pode partir do próprio dono. José Fernando Monteiro, 49 anos, é o famoso oculto, o mentor da Fruteira do Pelé, onde atua nas mais diferentes posições, de atendente a caixa.
Natural de Torres, ele começou o negócio como vendedor de bergamotas que pegava no mato, em campos de futebol do Interior, cerca de três décadas atrás. A atividade comercial, um sonho de infância – que mais tarde agregou butiá, abacaxi, banana e abóbora, dando origem à fruteira – veio depois do apelido que ele próprio escolheu, na juventude, em homenagem ao Rei do Futebol.
– O Pelé era muito famoso na época, né. Eu só dava balãozinho – brinca.
Nos anos 1990, depois de montar e ampliar a tenda, já na Estrada do Mar, começou a construir o imóvel que hoje abriga a lancheria, onde também são vendidos produtos coloniais, panelas de ferro e artesanatos. Os lanches e os sucos surgiram a partir das demandas dos clientes.
– De vez em quando vinha um e pedia um sanduíche. Aí íamos lá fazer, com umas fatias de pão colonial dessa largura (mostra um espaço de cerca de dois centímetros com os dedos), pediam para colocar na prensa. No fim, o pessoal não queria mais fruta. Queria lanche – conta.
A degustação e o "chorinho", duas marcas do local, surgiram a partir de uma espécie de ideia que teve ao frequentar, anos atrás, uma lancheria famosa de Torres – o local já fechou as portas. Inclinado a repetir o pastel e o suco que havia lanchado, frustrou-se ao tentar, sem sucesso, chamar a garçonete. A situação ficou mais dramática quando viu a moça pegar uma jarra com o restante do suco de outro cliente e despejar no ralo da pia.
– Fiquei pensando: "Pô, quantas pessoas não gostariam de tomar um chorinho…" – recorda.
O trauma passado foi convertido em foco no bom tratamento de sua clientela. As piadas e truques que vêm de brinde surgiram por acaso e, aos poucos, entraram na rotina da casa. Hoje fazem parte do treinamento dos funcionários.
Embora haja quem tenha cunhado seus próprios bordões, a maioria das pegadinhas é criada por José Fernando. O festival de singularidades do local, porém, parece saltar aos olhos apenas dos visitantes. Na visão modesta do proprietário, o segredo do sucesso é simples:
– Um pouco, é pelo choro. Mas a gente também é muito preocupado com o atendimento.