No alto da guarita 49, na pacata praia de Santa Rita, próximo a Arroio do Sal, quatro olhos observam despreocupadamente o vaivém das ondas. É no sossego de um mar quase sem banhistas que trabalham os salva-vidas mais "boas-vidas" da temporada. Segundo dados da Operação Golfinho, o local é um dos poucos pontos do litoral gaúcho com índice zero de salvamento neste verão.
Com semblante sério, o policial militar de Tupanciretã Gerson Moraes, 51 anos, conta que dedicou duas décadas de sua vida a salvar pessoas no mar. Agora, pretende pendurar a boia e o pé de pato.
- Já trabalhei em Arroio do Sal, Torres e, durante 15 anos, na área central de Capão da Canoa. No meu último ano na ativa, pedi a meu superior para vir a uma guarita mais tranquila, até para dar uma descansada e fechar com chave de ouro a minha história com o litoral - diz o terceiro sargento.
Gerson divide o chimarrão e as responsabilidades com seu irmão, Luís Sandro Moraes, 44 anos, também um salva-vidas experiente que já trabalhou em Tramandaí e Capão da Canoa. Os manos, que, juntos, têm mais de 600 salvamentos no currículo, não precisaram se molhar sequer uma vez neste verão.
- Aqui é uma praia muito tranquila. Em dias de semana, o número de banhistas durante o dia não chega a 50. Molhamos os pés no mar apenas quando puxamos o apito para alertar os banhistas e chamá-los para áreas mais seguras de banho. Nadar, mesmo, só depois do expediente, para manter a forma e o fôlego - diz Luís.
Dupla investe na prevenção, o que inclui uma série de orientações e recados pintados na guarita | Foto: Bruno Alencastro
Mesmo com o índice zero, a rotina da dupla é a mesma de qualquer salva-vidas: às 8h, as boias devem estar cirurgicamente posicionadas em frente à casinha piramidal; o monte de areia, que serve para amortecer o salto dos socorristas na hora do salvamento, precisa ser refeito.
- Neste ano, não precisamos utilizar o monte nenhuma vez. Mas temos de refazê-lo todas as manhãs porque as crianças brincam nele e o desfazem - ri Luís.
À primeira vista, a tranquilidade de Santa Rita pode ser tachada de monótona quando comparada ao ritmo frenético das grandes praias. Mas os irmãos salva-vidas encontram virtudes nesse lugar com ares de cidade de interior: o senso de comunidade.
- O mais legal de trabalhar em uma praia assim é que conhecemos quase todos os veranistas e eles nos conhecem. Ao contrário de Capão da Canoa e Tramandaí, em que estamos sempre atentos em cima da guarita e mal paramos por causa do alto número de salvamentos, aqui é outra dinâmica. O menor número de pessoas faz a relação do salva-vidas e do banhista ser mais próxima. Nos sentimos parte da comunidade, somos abraçados por ela - destaca o sargento Gerson.
Gerson divide o chimarrão e as responsabilidades com seu irmão, Luís Sandro Moraes | Foto: Bruno Alencastro
De acordo com a dupla, o índice zero de salvamento não se dá apenas pelo diminuto número de veranistas da praia - é mérito, também, do trabalho de prevenção.
- Usamos o apito e indicamos aos banhistas os melhores locais para banho. Esses alertas previnem afogamentos e diminuem os riscos - conta Gerson.
O imperativo da prevenção está registrado com tinta preta na parte de trás da casinha laranja. "Respeite o intervalo entre as refeições", "Não ingira bebidas alcoólicas" e "Não leve pessoas que não sabem nadar para locais profundos" são algumas das 11 orientações expostas na lista "Cuidados no mar e na praia", pintada pelos socorristas para servir de alerta à população.
- Nosso lema é prevenção.
O melhor de tudo é ver que a comunidade segue à risca - orgulha-se Gerson.
*Zero Hora