
* Por Daniel Galera, escritor
Na década de 90, Daniel Galera viveu boa parte da adolescência em Capão da Canoa, onde fez amigos, viveu algumas das primeiras noitadas e, claro, aprontou várias peripécias. Um eclético festival de música é uma de suas lembranças mais divertidas
No desafio de ontem, apenas a leitora Lucía Castañeda acertou que a criança da página 31 de Zero Hora era Daniel Galera.

Nos anos 90, minha família teve um pequeno apartamento em Capão da Canoa. Passei boa parte da adolescência veraneando lá. Lembranças afetivas não faltam: pegar jacaré na bandeira preta, assistir a Romeu + Julieta no cinema comendo galinha com polenta, pedalar até Imbé, vestir a camiseta do bloco Os Borrachos, ir ao Carnaval da Saba, entrar cedo no Rocky Point para não pagar, percorrer a madrugada digitando nos orelhões um código secreto que os deixava tocando até que fossem atendidos.
Mas se eu precisar escolher um único episódio marcante, serei obrigado a falar do maior festival de música já visto no planeta: o M2000 Summer Concerts, patrocinado pelo seminal tênis dos amortecedores piramidais.
Aconteceu em janeiro de 1994, e eu tinha 14 anos. O festival foi insólito em todos os sentidos. Para início de conversa, foi realizado na isolada Praia do Barco, num descampado arenoso à beira da rodovia Capão-Capão Novo (ERS-389), sei lá por que cargas dágua. A entrada era gratuita e a lista de atrações era de um ecletismo surreal: Cidadão Quem, Dr. Sin, Robin S., Deborah Blando, Fito Paez e Helmet. Absolutamente imperdível.
Se a memória não falha, eu, meu pai, meu irmão e meu amigo W. fomos de carro. O pop rock do Cidadão Quem e o eurodance de Robin S. não faziam muito minha cabeça, mas a guitarreira virtuosística do Dr. Sin me convenceu. Não lembro bem do show da Deborah Blando, que meu amigo EGS alcunhou de "Madonna do Mampituba", porque os brados de "gostosa!" só cessaram na execução do tocante hit A Maçã. O palco gigante no meio do nada e o crepúsculo tingindo a areia deixaram uma sensação inesquecível de mundo paralelo.
A massa adolescente metaleira não estava preparada para Fito Paez, que foi vaiado sem parar durante uma apresentação interminável. Meu amigo W. quase apanhou de um fã argentino de Fito e alguém jogou um saco de areia nos teclados do artista, que continuou tocando como se nada tivesse acontecido.
A apoteose se deu com o Helmet. O som pesado dos americanos liberou a fúria represada dos metaleiros presentes e uma roda de pogo assustadora se formou em frente ao palco. Folgo em dizer que participei dela.
Meu pai tinha ido embora mais cedo com meu irmão menor, portanto eu e W. voltamos a pé, completamente destruídos, misturados ao que parecia uma massa de refugiados se estendendo por quilômetros na alvorada da Estrada do Mar. Lembro vagamente de ter sido atropelado no caminho. Às oito da manhã, estávamos no centrinho de Capão, cheios de hematomas, comendo crepes com um sorrisão na cara.
Sabe quem é a pessoa da foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na Zero Hora de amanhã.
