Maria Luísa chorou ao receber uma folha protegida por um plástico, um dos presentes da festa de 15 anos, no último dia 29. O papel era a certidão de nascimento, que indicava uma nova filiação: Jovane Rodrigues de Oliveira Silva e Fabiano Feijó Afonso, moradores de Alvorada, na Região Metropolitana. O documento era esperado desde 2021, quando a menina foi adotada pela família.
— Eu não tinha tido essa experiência, nunca tive (festas de) aniversários, então nem sonhava em fazer a festa de 15. Com o tempo, meus pais me convenceram a fazer e foi muito bom. Nem pensava que seria adotada — contou a estudante, que ficou três anos à espera de um lar.
A história de Maria Luísa é rara no Estado: desde 2019, apenas 167 adolescentes – 12 anos ou mais – encontraram uma nova família nessa fase da vida. Isso representa 6,3% das adoções no período, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).
A história de uma adoção
Juntos há uma década, Jovane, 57 anos, e Fabiano, 50, têm quatro filhos biológicos de outros relacionamentos. Em 2016, decidiram que queriam mais uma menina. Segundo eles, havia dois empecilhos para aumentar a família: a idade da costureira, perto dos 50, e a vasectomia do motorista.
Entraram na fila da adoção e optaram por uma criança com idade entre seis e 12 anos. Conheceram Maria Luísa por uma chamada de vídeo em meio à pandemia.
— Muitos acham que a criança que passou por um abrigo não tem limites e respeito. Não é assim que funciona. São pessoas humildes, sofridas, que querem uma vida melhor. Nossa experiência é ótima: antes éramos só nós dois, agora ela completou a família — disse Jovane.
Questionado sobre o comportamento da filha, Fabiano relutou para citar os “deslizes” da menina, mas cedeu: dias antes, a adolescente havia cortado o cabelo de madrugada, sem avisar os pais.
— Na hora fiquei bravo, conversei com ela, disse para falar com a gente quando quiser fazer alguma coisa. Depois passou, sou muito “doce” para a filha: quando me chama de pai, vou nas nuvens.
As barreiras para adotar
Não existe, no Brasil, uma definição legal para a idade que configura uma adoção tardia; especialistas costumam defini-la quando ocorre depois dos seis anos. Além da questão etária, indivíduos portadores de doenças ou deficiências e com irmãos integram os chamados grupos de difícil colocação.
— Há uma preferência por meninas e crianças brancas. Meninos, irmãos que precisam ser adotados juntos e crianças negras, pardas, com necessidades especiais e histórico de traumas enfrentam maiores desafios para encontrar uma família — afirma Gilberto Luis Prigol, presidente do Instituto Amigos de Lucas, um grupo de apoio à adoção da Capital.
Dados do SNA indicam que há 4,8 mil crianças e adolescentes à espera de um lar no país; no Estado são 512, o que representa a terceira maior fila – atrás de Minas Gerais (602) e São Paulo (1,2 mil).
A plataforma recebeu melhorias no último mês, com investimento na parte técnica – carregamento de documentos, laudos, certidões, fotos dos pretendentes. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o objetivo é deixá-la mais “intuitiva e fácil para o usuário”.
Espera depende da faixa etária
Desde 2019, 69% das adoções no RS (1,8 mil) foram de crianças de até seis anos – 41,1% tinham até dois anos. Nesta quinta-feira (18), o Estado tem 3,6 mil pretendentes disponíveis: 80,2% deles desejam crianças da faixa etária.
— A maioria dos habilitados à adoção quer adotar criança de zero a seis anos; depois dessa idade, diminui o interesse. Acontece, por exemplo, de ingressar no sistema de adoção criança com 10 anos e não ter pretendente. Se tivesse interessados, a pessoa habilitada não ficaria na fila. Quanto menor a idade pretendida, maior o tempo de espera — comenta Cinara Vianna Dutra Braga, promotora de justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre.
Segundo ela, o tempo do processo costuma ser menor para quem opta por adotar crianças com doenças, deficiência e irmãos. A fila de espera é de cerca de cinco anos na Capital, no caso de crianças saudáveis.
Cinara qualifica esse tempo como “absurdo” – ainda que no passado a fila tivesse chegado a 10 anos, nas contas dela. Demora no ajuizamento e tramitação de ações de destituição do poder familiar explicam o cenário:
— As ações de destituição do poder familiar deveriam tramitar em 120 dias, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto, muitas vezes, demoram anos, o que faz com que a criança perca oportunidades — afirma a promotora.
Porto Alegre tinha 103 crianças e adolescentes para adoção e 321 pretendentes no dia da publicação desta reportagem.
Adoções no RS, segundo o SNA
- 2019: 452
- 2020: 331
- 2021: 426
- 2022: 621
- 2023: 597
- 2024: 250
*Até esta quinta-feira (18)
Como é o processo
Não há um prazo mínimo nem máximo para adotar uma criança no Brasil. O pretendente deve se cadastrar, reunir documentos e enviá-los à Vara da Infância e Juventude da comarca onde mora.
As etapas seguintes envolvem acompanhamento da Justiça e do Ministério Público, avaliação psicológica e social e um curso preparatório. Por fim, é concedida a habilitação para a adoção, que tem validade de três anos. Mais informações podem ser acessadas neste link.
— As avaliações garantem que as crianças sejam colocadas em lares seguros e adequados. Embora essas etapas sejam necessárias para garantir a segurança e o bem-estar das crianças, podem ser vistos como um empecilho por alguns pretendentes. Em muitos casos, pode levar anos desde a inscrição até a efetivação da adoção — acrescenta Prigol.
Desde 2018, o Estado tem o “Adoção”, um aplicativo para celular que reúne informações das crianças que buscam um lar. A plataforma está disponível apenas às pessoas habilitadas à adoção, mediante cadastro e solicitação de acesso, fornecido pela Justiça.
A ferramenta é uma iniciativa do Poder Judiciário, em parceria com o Ministério Público do Estado e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).