Segundo dados apurados no relatório “Pobreza infantil no Rio Grande do Sul entre 2012 e 2022”, 244 mil crianças estavam na linha da pobreza, em 2022, o que representa uma taxa de 30,2%. Na extrema pobreza eram 37,9 mil crianças nesta faixa etária (4,7%). O estudo foi desenvolvido por pesquisadores do PUCRS Data Social: Laboratório de desigualdades, pobreza e mercado de trabalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Em valores mensais de 2022, a linha da pobreza é de R$ 636,52 per capita e a linha de extrema pobreza é de R$ 199,78 per capita. Crianças que vivem em domicílios com renda por pessoa até esses valores são consideradas em situação de pobreza e pobreza extrema, respectivamente.
Para obter os números, os especialistas utilizaram como fonte de dados a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O dado considera crianças de até cinco anos, 11 meses e 29 dias.
Segundo uma das pesquisadoras responsáveis pelo levantamento, a professora Izete Pengo Bagolin, que trabalha nos Programas de Pós-Graduação em Economia e Serviço Social da PUCRS, o maior percentual das crianças gaúchas nesta faixa etária se concentra nas áreas de menor renda.
— A taxa de fecundidade é bem mais alta na população menos abastecida — informou a professora. Segundo o estudo, mais de 60% das crianças moravam em domicílios que estavam entre os 30% mais pobres do Estado.
Além da pobreza monetária
De acordo com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), habitações superlotadas aumentam a probabilidade de doenças infecciosas e demais enfermidades físicas e mentais. O relatório cita uma “multidimensionalidade das privações sofridas por essas crianças”, ou seja, vários fatores além dos econômicos que precisam ser enfrentados em curto, médio e longo prazos.
As crianças negras apresentaram uma taxa de pobreza que é praticamente o dobro em relação às brancas, 50,5% contra 25,6%. Já sobre localização de moradia, a pobreza infantil em áreas rurais é maior (35%) se comparado aos 29,5% no ambiente urbano.
— São dados percentuais alarmantes e outras dimensões associadas à pobreza monetária, como o número de pessoas que moram em um mesmo domicílio, por exemplo, também estão relacionadas a esta dificuldade. Existe uma soma de desvantagens que colocam a primeira infância destas crianças em uma situação bastante precária — relata Izete.
Estes prejuízos levam a problemas no acesso ao ensino da população examinada, segundo o estudo. Crianças pobres tendem a frequentar menos a creche ou escola (45,7%), em relação ao número total do RS (57,7%). Da mesma forma, a escolaridade dos pais ou responsáveis influenciam no nível educacional. Entre as crianças abaixo da linha de pobreza, 48,9% dos responsáveis tinham apenas Ensino Fundamental.
Quanto à estrutura familiar, as crianças pobres apresentam maior tendência de viver em famílias monoparentais (somente uma pessoa exerce a função de pai e mãe), conforme a pesquisa: 29,3% entre as crianças pobres, contra 16,7% para o total de crianças gaúchas.
Futuro comprometido
Em termos de comparados, o RS apresenta a segunda menor taxa de pobreza infantil do país, sendo esta significativamente menor que a taxa nacional (49,9%). Do mesmo modo, os números do Estado em 2012 estão cerca de 5% acima de 2022. No entanto, o coordenador do PUCRS Data Social, o professor e doutor em sociologia André Ricardo Salata, não comemora:
Os efeitos da pobreza para pessoas até os seis anos de idade são acumulativos.
ANDRÉ RICARDO SALATA
Coordenador do PUCRS Data Social
— A taxa de pobreza na casa dos 30% é, praticamente, um terço das crianças, em um dos Estados de maior renda do país. É uma taxa que se mantém relativamente estável nas últimas décadas, com pouca variação. E isso é gravíssimo. Mesmo que se resolvesse a questão monetária, ainda seria preciso olhar para as desvantagens citadas antes.
Salata reitera que as famílias sem recursos, não só os financeiros, têm menos condições de oferecer os estímulos externos necessários ao desenvolvimento das crianças.
— Deste modo, crescem com suas capacidades e habilidades limitadas. Se não as adquirirem na primeira infância, será mais difícil de conseguirem no futuro. Os efeitos da pobreza para pessoas até os seis anos de idade são acumulativos — relata o sociólogo, pontuando ainda a existência de pesquisas que atestam a relação entre condições difíceis na infância com mais chances de evasão escolar, problemas de saúde e gravidez na adolescência, outras coisas.
O que pode ser feito
O estudo criou um cenário hipotético para verificar qual seria o recurso necessário para eliminar a pobreza e a extrema pobreza infantil do RS. A erradicação ocorreria com um investimento anual de R$ 2,3 bilhões (R$ 197 milhões por mês) para o primeiro caso e R$ 128,5 milhões para os segundo.
— Estes valores representariam, respectivamente, e de modo aproximado, 0,39% e 0,02% do valor do Produto Interno Bruto (PIB) do RS em 2022 — acrescenta André Salata, reconhecendo que o custo hipotético é elevado.