A morte da jovem Jéssica Canedo, que foi alvo de ataques na internet após a divulgação de um suposto romance com o humorista Whindersson Nunes, reacendeu o debate sobre a responsabilização de perfis que cometem esse tipo de agressão ou divulgam informações falsas. Em vídeo publicado nas redes sociais, depois do falecimento da mineira, o humorista lamentou o ocorrido e defendeu a criação de uma lei que gere punição a páginas que não conferem a veracidade antes de publicar os fatos.
De acordo com especialistas, já existem legislações que visam o combate à intimidação sistemática e regulamentam o ambiente virtual, entretanto, na prática, não conseguem ser céleres e efetivas como necessário.
— (Pensei em) iniciar um movimento para ver se contribui para a gente criar uma lei chamada Jéssica Vitória, para aprimorar a legislação brasileira com esse “jornalismo não oficial”, que é muito perigoso. Tem gente que tem muito seguidor e diz que não é uma coisa oficial, mas é uma coisa que impacta de verdade — disse Whindersson, acrescentando que a lei deve trazer uma sanção civil ou criminal para quem posta conversas sem ir atrás da veracidade dos fatos.
José Paulo Schneider, mestre em Direito e advogado criminalista, ressalta que há uma lei de 2014, chamada Marco Civil da Internet, que regulamenta o ambiente virtual. Contudo, essa legislação carece de alguns pontos e precisa de complementações, como a responsabilização das plataformas.
— Esse caso traz à tona, mais uma vez, a regulamentação da internet e das condutas abusivas e até criminosas na internet. Isso passar por uma regulamentação cível, de ajustar os direitos e deveres dentro do ambiente virtual, sobretudo das plataformas, mas também acaba desaguando na criação ou não de tipos criminais que venham a ampliar a gama de tipos penais que já protegem a paz e a honra — afirma.
Outra lei importante nesse tipo de situação é a 13.185, de 2015, que implementou um programa de combate à intimidação sistemática e ao bullying. Conforme Fernando Santana, advogado especialista em direito privado do escritório Wilton Gomes Advogados, essa legislação já se mostra superada, diante dos avanços tecnológicos e do desenvolvimento das redes sociais. Além disso, destaca que a própria Constituição Federal e o Código Civil preveem a proteção da imagem das pessoas.
Schneider acrescenta que há uma série de tipos penais estabelecidos no Código Penal que podem ser aplicados para a proteção dessas pessoas, responsabilização dos autores e prevenção de novos casos — entre eles, cita os crimes de calúnia, difamação e injúria. Mas concorda que as legislações existentes precisam ser adaptadas à realidade, sobretudo diante do aumento das condutas criminosas no ambiente virtual:
— Nesse contexto de necessidade de atualização, complementação e adaptação, podemos verificar no Congresso Nacional uma série de projetos de lei buscando penalizar, regulamentar e criminalizar essas condutas que podemos chamar de fake news ou propagadas e cometidas nas redes sociais. A exemplo disso é possível citar o PL 6321 de 2020, que busca penalizar as autoridades públicas que divulgarem fake news. Temos também o PL 3813 de 2021, que tornaria crime contra a paz pública aquela conduta de criar e divulgar notícia que se sabe falsa.
Responsabilização e possíveis ações
De acordo com Santana, há duas ações possíveis nesses casos: uma delas é o indenizatória, que ocorre a partir da comprovação da divulgação de informações ou ataques que geraram abalo para a vítima; a outra é criminal, que envolve a responsabilização dos autores desses atos, a partir da comprovação do dolo da pessoa.
— Ou seja, é possível buscar o judiciário para que ele fixe uma indenização para ressarcir a vítima, compensar pelos danos causados. Isso é muito comum e fazemos bastante para políticos e famosos, que são pessoas que de alguma forma conseguem acessar mais facilmente o judiciário. Mas o ideal seria que perpetuasse em toda a sociedade — comenta o advogado.
O especialista acrescenta que é possível identificar os responsáveis pelos ataques, apesar de ser um processo burocrático e demorado. Isso porque precisa mover uma ação contra as empresas por trás das redes sociais para que elas informem as contas envolvidas. Santana aponta que tanto o judiciário quanto as bigtechs colocam algumas barreiras para essa identificação, porque, para as companhias, gera um grande custo de responsabilização:
— Tem que responsabilizar individualmente a conduta de cada um dos envolvidos. Tem que ter acesso a documentos, endereços. Então, a parte burocrática é bem complicada. É uma coisa bem trabalhosa para os advogados, então imagina para a pessoa que está sendo vítima. E é demorado também, porque o judiciário é lento.
Santana acrescenta ainda que o principal problema é a falta de celeridade, ou seja, não há uma forma de fazer com que as vítimas sejam amparadas de forma imediata:
— A lei tem uma finalidade boa, que é combater esse tipo de conduta, mas na prática não se mostra célere — enfatiza.
Conforme Schneider, as leis atuais não estabelecem responsabilizações e obrigações às plataformas e aos portais, o que causa uma grande dificuldade de acesso aos dados necessários para identificar os envolvidos e prosseguir com a investigação.
— Então, não é nem um pouco fácil conseguir realmente identificar e responsabilizar a pessoa que se esconde atrás de um perfil falso. Isso porque a lei traz uma brecha muito grande que protege essas plataformas e que faz com que elas dificultem o trabalho policial ou do Ministério Público e até mesmo dos advogados e advogadas que fazem as ações penais privadas contra esses crimes contra a honra. É muito complicado identificar e responsabilizar esses perfis fakes quando nós temos uma defasagem legislativa que, de certa forma, autoriza que esses provedores e plataformas deixem de fornecer os dados cruciais para o segmento da investigação e da responsabilização criminal dessas condutas.
Ao passar por esse tipo de situação, é preciso que a vítima guarde todos os links e prints das mensagens e postagens difamatórias, comunique as empresas responsáveis pelo armazenamento dos perfis envolvidos e faça uma denúncia formal, registrando boletim de ocorrência em uma delegacia. Depois, é necessário procurar um advogado para mover as devidas ações.
Procure ajuda
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Você também pode buscar atendimento na Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no telefone 192, ou em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado. A lista com os endereços dos CAPS do Rio Grande do Sul está neste link.