Perfil de viajante que cresce atualmente, impulsionado pela flexibilidade do trabalho remoto, o nômade digital é aquele que cumpre suas obrigações profissionais enquanto viaja. Trocando de cidade - ou de país - conforme tem vontade, o nômade trabalha de qualquer lugar, sempre pronto para desbravar um novo destino sem que para isso precise pedir demissão. GZH contou histórias de quem escolheu viver sem ter um endereço fixo e também revela as mudanças e as oportunidades que esses viajantes trazem para os empreendimentos do segmento turismo.
Se antigamente um turista só queria se desconectar para aproveitar o curto período de férias, a pessoa que viaja grudada em um notebook representa um novo perfil de hóspede. Precisará de um aparato para exercer seu trabalho ao longo da estadia. E não vai dar uma data certa para fazer o check-out – pode partir em 15 dias ou daqui um mês.
Em busca de flexibilidade, os nômades digitais acabam alugando casas e apartamentos em aplicativos, mas hotéis e pousadas também podem conquistar esse novo público. Para isso, precisam oferecer ao menos dois serviços: internet potente e uma área de trabalho.
Localizado no Moinhos de Vento, em Porto Alegre, o hotel Swan Generation foi reformado em 2019 justamente para atender a esse tipo de hóspede. Antigamente, a unidade abrigava o Swan Molinos, voltado a viajantes que vinham à Capital para cumprir obrigações. Agora, o foco é a geração Z, que não larga dos tablets e dos smartphones porque precisa trabalhar, mas não dispensa o lazer.
Segundo a CEO da Swan Hotéis, Gabriela Schwan, a inspiração veio de Portugal, onde a rede tem quatro unidades, além das quatro no Rio Grande do Sul.
— Você caminha por Lisboa e vê todo mundo trabalhando fora das empresas, pelas ruas mesmo, nos cafés, com notebooks e fones de ouvido. Estava lá em 2019. Pensei: “Bom, o mundo vai funcionar assim”. Como CEO, comecei a projetar uma reestruturação da marca para atender a esse novo mercado — conta ela.
São dois andares de coworking, com escritórios e estações individuais para trabalho, além de cinco andares de hospedagens tradicionais. Quem prefere pagar mais barato e está aberto a conhecer novas pessoas pode ficar nos colivings, que são as moradias compartilhadas, distribuídas em dois pisos. Grafites pelas paredes dão um ar jovial ao hotel, que também passou a oferecer apresentações musicais.
— É um local onde dá para trabalhar, viver e fazer amigos. Os nômades digitais não são apegados à ideia de ter um imóvel próprio e criar raízes. Eles querem experiências. Precisam, apenas, entregar seu trabalho no prazo — observa Gabriela.
Mesmo hospedagens no Interior são desafiadas a se moldar a esse novo perfil, que nem sempre tem a forma exata de um nômade digital. O Parador Hampel, em São Francisco de Paula, na Serra, começou a receber hóspedes que desejam curtir os 21 hectares de mata nativa enquanto trabalham nos seus computadores. Não são, necessariamente, pessoas sem moradia fixa. Apenas desejam ir para a natureza sem precisar aguardar um feriado ou tirar uma reunião da agenda.
— Nós não éramos um hotel executivo. Não tínhamos essa vocação de receber pessoas que ficam trabalhando. Pelo contrário, tudo o que a gente queria era que o hóspede se desconectasse ao máximo. Mas esse é o desafio que o novo turista nos traz — reflete Marcos Livi, dono do Hampel.
Para garantir que o hóspede terá boas condições de trabalho, o hotel reforçou a rede de internet. Caso a fibra ótica falhe, a conexão se dá pela internet a cabo, e vice-versa. Tem sinal até mata adentro, já que Livi instalou pontos de acesso na lagoa, na área onde se acende a fogueira e nas três cachoeiras que circundam o hotel. Também leva uma escrivaninha retrô ao quarto de quem avisar o recepcionista que está ali para trabalhar.
O fluxo dos turistas sempre foi em janeiro e fevereiro, julho e agosto. Com o nomadismo digital, o fluxo ocorre em qualquer período do ano. E há aumento da permanência.
IVANE FÁVERO
Turismóloga e mestre em Turismo
Segundo a turismóloga Ivane Fávero, essa mobilidade permitida pela tecnologia traz um impacto positivo no turismo, que sempre sofreu com a sazonalidade. Agora, o movimento em pousadas e hotéis deve ocorrer ao longo de todo o ano, em vez de ficar concentrado nos tradicionais meses de férias.
— O fluxo dos turistas sempre foi em janeiro e fevereiro, julho e agosto. Com o nomadismo digital, o fluxo ocorre em qualquer período do ano. E há aumento da permanência. Não são estadias de 10 dias, são estadias de um mês, dois meses — diz.
Impacto econômico
Na avaliação do Ministério da Justiça, o visto especial criado em janeiro para facilitar a entrada de nômades digitais ajudará a engordar a economia do país. “A remuneração dos nômades digitais é de origem externa, e o consumo local desses imigrantes movimenta a economia nacional”, afirmou a pasta, em nota encaminhada à reportagem.
Atenta à oportunidade, a cidade do Rio de Janeiro criou, em 2021, um site para atrair nômades digitais. “O Rio está pronto para receber os trabalhadores remotos”, diz uma chamada logo ao acessar o portal. Há um guia com contatos de hotéis que garantem internet veloz e espaços para trabalho. Também oferecem pacotes mais baratos para estadias a partir de 15 e de 30 dias.
Responsável por ajudar a elaborar esse guia para nômades digitais, Fabiana Misse, diretora de marketing e planejamento da Riotur, diz que o objetivo é mostrar que o Rio pode ser um bom destino ainda que a pessoa esteja trabalhando.
— Nosso lema é que a pessoa pode trabalhar do Rio para qualquer lugar do mundo. Não é um destino só para estrangeiros. Uma família aí do Sul também pode vir aqui e curtir a cidade enquanto os pais trabalham. Trazendo a família junto, esse turista trabalhador movimenta o mercado. Vai gastar em hotéis, supermercados, restaurantes, lavanderia — diz.
Por aqui, não há estratégias parecidas sendo tocadas pelas secretarias de Turismo do Rio Grande do Sul ou pela de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Porto Alegre. Acionado por GZH, o secretário de Turismo do Estado, Raphael Ayub, informou, no entanto, que a rede hoteleira está preparada para receber esse novo tipo de viajante. Já o secretário de Turismo da Capital, Vicente Perrone, disse que a cidade tem bons atrativos, como excelente rede de fibra óptica e voos diretos a diversas capitais.
Na avaliação de Ivane, vários fatores fazem do Rio Grande do Sul um destino oportuno para nômades digitais. Além da rede hoteleira, há a gastronomia e os passeios em meio à natureza. Aqui, diz a turismóloga, a pessoa pode entrar em contato com as culturas alemã e italiana e até dar um pulo no Uruguai e na Argentina. Basta saber colocar essas atrações na vitrine.
– O nomadismo digital veio para ficar. E as cidades precisam se estruturar para esse novo tipo de viajante. É uma revolução na oferta turística, que precisa se adaptar para conseguir aproveitar dessas novas oportunidades – conclui.