O total de pedidos de demissão no Rio Grande do Sul atingiu o maior número em três anos. Em maio, o Estado anotou 460,5 mil desligamentos a pedido do funcionário no acumulado de 12 meses no emprego formal – o maior montante para o período desde 2020. Os dados são da LCA Consultores com base em informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). De acordo com especialistas, normalização do mercado de trabalho após a pandemia e mudanças comportamentais impulsionam essa alta.
O fenômeno está concentrado em uma fatia da mão de obra muito qualificada de setores aquecidos e atinge parcela menor dentro do total de desligamentos — a maior parte deles não ocorre a pedido do trabalhador —, consequentemente, não provoca impacto tão significativo no mercado de trabalho e na economia do país.
O balanço leva em conta o período de 2020 a 2022, que reúne dados do Novo Caged. Antes de 2020, o Caged utilizava metodologia diferente para divulgar dados do emprego formal, por isso, explicam analistas, não é recomendável a comparação dos dados atuais com a série histórica anterior. Contudo, em números absolutos, o total de pedidos de demissão no RS também é o maior desde 2014.
Mesmo sem representar uma virada de chave robusta nos desligamentos, o número de trabalhadores que pedem demissão ocupa um terço dentro desse grupo. O total de desligamentos a pedido do funcionário é responsável por 37,7% do total de demissões nos últimos 12 meses no Estado, levando em conta dados sem ajuste.
O economista da LCA Bruno Imaizumi, responsável pelo levantamento, afirma que o aumento dos pedidos de demissão faz parte de processo de normalização do mercado. Esse movimento ocorre de acordo com a melhora do quadro sanitário e da reabertura das atividades econômicas, segundo o economista. No período mais crítico da pandemia, parte dos trabalhadores aceitou empregos com menor remuneração diante de uma economia dominada pela incerteza. Conforme esse cenário vai mudando, ocorre migração, na avaliação de Imaizumi:
— As pessoas se demitem de lugares onde não estavam satisfeitas para serem admitidas em outros lugares.
O responsável pela pesquisa destaca que esse grupo é formado por trabalhadores privilegiados, com maior formação e que atuam em tarefas que possibilitam sistema de teletrabalho e outras flexibilizações. Nesse sentido, também entram aspectos comportamentais, como troca de emprego para melhorar a qualidade de vida e otimização do tempo.
Ápice da curva foi em março
Olhando mês a mês, é possível observar avanço com maior tração nos pedidos de demissão na virada de 2021 para 2022. O ápice dessa curva ocorre em março. O economista da LCA afirma que o retorno das pessoas para as atividades presenciais ou ao sistema híbrido nas empresas pode ter parcela de contribuição nessa oscilação.
O economista e especialista em mercado de trabalho Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), ressalta que esses dados englobam uma parcela dos trabalhadores com maior proteção, pois atuam no âmbito formal. Por isso, ainda é um contingente pequeno para causar grandes mudanças na dinâmica do emprego no país, que conta, por exemplo, com trabalhadores informais e por conta própria.
Esse grupo de pessoas que pedem demissão reflete um pouco desse mercado de trabalho aquecido, mas não sugere que o mercado de trabalho está no melhor dos mundos.
RODOLPHO TOBLER
Economista e especialista em mercado de trabalho
— Se olhar os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE), a gente vê cerca de 40% de informalidade. Então, já é uma boa parte da população que não entra nesse grupo. Esse grupo de pessoas que pedem demissão reflete um pouco desse mercado de trabalho aquecido, mas não sugere que o mercado de trabalho está no melhor dos mundos — observa Tobler.
A coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, afirma que a busca por abertura de negócio por conta própria pode ocupar espaço dentro dos pedidos de demissão. No entanto, destaca que o saldo positivo entre contratações e demissões no emprego formal reforça que o aumento nos pedidos de demissão não altera significativamente o emprego no país:
— Por essa variável, dá para ver que esse impacto imediato não está acontecendo. Possivelmente, está ocorrendo esse movimento de troca de vínculos.
Cenário nos próximos meses
O economista Bruno Imaizumi destaca que a maior parte dos pedidos de demissão está ligada aos setores que atuam com tecnologia. Segmentos que permitem trabalho remoto, como os de informação, comunicação, imobiliário, financeiro, técnicos e científicos.
— É um trabalhador que consegue achar outras oportunidades porque é mais qualificado do que a média dos brasileiros — pontua.
O especialista afirma que o total de pedidos de demissão deverá seguir avançando no acumulado de 12 meses no segundo semestre. Isso porque o recorte de tempo ainda vai substituir meses de 2021 que contavam com menos desligamentos nesse modelo. No mês a mês, Imaizumi projeta desaceleração:
— A gente deve observar patamares maiores do que observou nos últimos anos. A tendência é de que pode ter desaceleração, mas os números continuarão altos.
É um trabalhador que consegue achar outras oportunidades porque é mais qualificado do que a média dos brasileiros.
BRUNO IMAIZUMI
Economista da LCA Consultores
O especialista em mercado de trabalho Rodolpho Tobler estima estabilidade nas demissões a pedido do funcionário nos próximos meses. E atribui essa projeção a alguns fatores que impactam a economia, como os efeitos da alta de juro e o peso das eleições no ambiente de negócios. Tobler afirma que essas condições tiram o apetite de parte dos empresários.
— Os empresários não podem fazer uma contratação e, no dia seguinte, desfazer. Tem um custo. Esse período um pouco mais incerto e a expectativa de uma atividade econômica mais fraca no semestre devem frear um pouco e dar uma estabilizada.