Os caminhos do padre Paulo Müller, 85 anos, foram traçados com um propósito de Deus, garante o religioso. Isso porque, antes da batina, ele serviu ao Exército, foi casado e teve quatro filhos. Viuvou, 33 anos atrás, e por tal condição foi autorizado pelo Vaticano a retomar os estudos necessários para sua ordenação.
Recentemente, o padre foi responsável por celebrar o casamento religioso de um dos netos. A celebração ocorreu em Porto Alegre, e o dia 14 de maio vai ficar marcado na história da família por dois motivos (leia mais abaixo).
Antes do sacerdócio, veio o casamento e a família
– Era um desejo de infância, eu achava bonito ver a missa. Tentei aos nove, aos 14 e aos 19 anos, mas na época não fui apoiado. Tive que escolher alguma coisa na vida e escolhi a namorada, mãe dos meus filhos – afirma.
A companheira, Lizzete, apareceu na vida de Müller em uma confeiteira de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, sua cidade natal. Jovem, liberado do serviço militar, ele diz ter tido certeza da futura união logo de cara.
– Eu perguntei: “qual seu nome?”, e ela falou: “Lizzete”. Respondi: “dona Lizzete, a senhora vai ser a mãe dos meus filhos”. Isso causou um rebuliço. Eu não era o príncipe encantado dela, estava todo sujo de farinha – recorda, às gargalhadas.
O casamento dos dois ocorreu em 16 de maio de 1959, “de tarde, abençoado pela chuva”, detalha, com uma memória invejável. Foi realizado na Catedral São Luiz Gonzaga, no centro da cidade – coincidência ou destino, a mesma basílica na qual o idoso está atualmente, como vigário paroquial, uma espécie de auxiliar em missas e confissões.
A esposa morreu em decorrência de um ataque cardíaco, depois de 29 anos ao lado do marido. Três dias após o sepultamento, ele procurou a diocese e propôs se dedicar à igreja.
A proximidade com a comunidade da região, com a qual manteve contato frequente, foi primordial para a decisão tomada por ambos lados: Müller regressaria ao desejo de criança e o Papa João Paulo II autorizou o ingresso no seminário após o fim abrupto do matrimônio.
– Era um propósito ela estar na minha vida e depois Papai do céu carregar ela de volta. São os caminhos de Deus – define.
"Função exclusiva"
Sua ordenação ocorreu em 2 de junho de 1995. Na próxima quinta-feira (2), um culto em homenagem à data acontecerá no belo templo católico, adornado por afrescos e com um altar de pinturas que lembram Jesus e os anjos no céu.
O fato de o padre ter família além dos fiéis é encarado com bom humor.
– Não é comum né? Sou exclusivo – diz o religioso.
Uma das principais funções do vigário na igreja é a confissão, para a qual diz se sentir beneficiado pela experiência de tudo que já passou.
– Quando a esposa me procura com um problema, esse problema também está com o marido. Então eu chamo ele aqui. E se não vir, eu vou atrás – complementa.
Emoção em dose dupla
Dos quatro filhos, nasceram cinco netos. Um deles casou no último dia 14 de maio, na Igreja Santa Terezinha, bairro Bom Fim, em Porto Alegre. O engenheiro químico Ânderson Martins Müller, 31 anos, teve o enlace com a médica Rafaela Pilla Muccillo Müller, 30, abençoado pelo próprio avô.
O noivo conta que a festa foi planejada em 2019 e, devido à pandemia, sofreu adiamentos, aumentando a expectativa de ambos. O avô foi o primeiro a receber o convite com a nova data, e um pedido extra.
– Juntamente com o convite foi nosso pedido, que ele fosse o responsável pela união. Depois de casar com a Rafa, essa deve ter sido a decisão mais assertiva que já fiz – compara o engenheiro.
As imagens do fotógrafo Fernando Lacerda mostram a celebração, com o noivo de azul, a noiva com o tradicional vestido e véu brancos, e o padre de vestes amarelo claro. Na foto com o casal já ungido, em frente à mesa de doces, o padre veste as mesmas roupas do dia a dia na sacristia e o crucifixo no peito.
– O seu Milla, como chamamos ele por aqui, conversou conosco alguns dias antes da cerimônia, nos contou do seu próprio casamento e do que ele almejava que o nosso fosse. Foi uma conversa muito linda, ficamos todos emocionados no dia – admite a noiva.
Com o bom humor de sempre, o padre resvala e se emociona ao relembrar do casamento. E brinca ser esse um sinal de que segue firme e forte.
– Pra mim foi um esplendor. Chega a me vir água nos olhos, sinal de que não secou o poço. Pra eles (os noivos) eu perguntei se gostaram. Não reclamaram – se diverte mais uma vez o espirituoso padre.