
Casamento homoafetivo, barriga de aluguel, famílias "multiparentais": são oito horas da noite e, no pátio de uma escola de Havana, os cubanos são convidados a opinar sobre o novo Código de Famílias, que renovará a lei em vigor há 47 anos.
Quase 20 pessoas participam desta reunião local na escola Camilo Cienfuegos, localizada em San Agustín, um bairro operário do oeste da capital. Uma bandeira de Cuba foi pendurada para a ocasião. Todos se levantam no início da sessão para cantar "La Bayamesa", o hino nacional.
Atrás de uma mesa, junto a três representantes do Conselho Nacional Eleitoral, dois juristas se revezarão para explicar o texto do projeto que compreende 11 capítulos em 117 páginas. Os participantes poderão tomar a palavra para propor uma modificação, uma remoção, adicionar algo ou expressar dúvidas.
Há 78 mil pontos de encontro como este planejados até o final de abril. Os cubanos no exterior também estão convidados a se expressar, mas não poderão votar no referendo que validará o texto.
O código, que substituirá o vigente desde 1975, pretende revolucionar o conceito de família introduzindo a possibilidade de reconhecer vários pais e mães, além dos pais biológicos e a "gestação solidária", contando com que não implique lucro. Outra grande novidade é a definição do casamento como uma união "entre duas pessoas", o que abre as portas para o casamento homoafetivo.
Para Maykel González, diretor e repórter da revista digital LGBT Tremenda Nota, "este código das famílias também é resultado do nosso trabalho (...) de pressão" nos últimos anos como ativistas, mas chega no momento justo para o governo comunista, "em meio à crise política do país", após as manifestações históricas de 11 de julho.
"O governo está concedendo direitos há muito tempo exigidos" e "é uma forma de ser visto no mundo como garantia dos direitos humanos, quando na verdade estão violando mais direitos do que nunca", com centenas de manifestantes presos, alguns condenados a 20 ou 30 anos.
"É claro que estamos apoiando" o texto porque "esses espaços aos direitos humanos, de igualdade, que também são, afinal, espaços de liberdade, valem a pena sempre, independente do contexto em que são produzidos".
Essas questões são sensíveis em uma sociedade ainda preconceituosa e cujo governo perseguiu e marginalizou os homossexuais nos anos 60 e 70. As autoridades já tentaram antes incluir o casamento igualitário na nova Constituição em 2019, mas a rejeição das igrejas evangélica e católica as obrigou a recuar.
* AFP