O registro de uma criança filha de um casal LGBT+ foi parar na Justiça gaúcha. Moradoras de Canoas, as mulheres venceram uma ação judicial no valor de R$ 60 mil contra o Estado do Rio Grande do Sul por danos morais.
A sentença favorável ao casal foi assinada na última segunda-feira (1º), pela juíza de direito Silvia Muradas Fiori. A Procuradoria-Geral do Estado informou que vai analisar o caso e avaliar se recorre ou não da decisão no prazo previsto por lei, de até 30 dias.
O processo foi movido em 2018, quando o filho do casal nasceu e o cartório não autorizou que Ágata Vieira Mostardeiro, 28 anos, que é mulher trans e vereadora suplente de Canoas, fosse registrada como mãe biológica junto a sua companheira, Chaiane dos Santos Cunha, que gestou o bebê. Um processo de reconhecimento de filiação, que costuma levar de três a cinco minutos nos cartórios, acabou levando dois anos para a família.
O menino, hoje com três anos, foi fruto de uma concepção tradicional, sem necessidade de fertilização in vitro. O processo de transição de Ágata, que nasceu em corpo de homem mas identifica-se com o gênero feminino, iniciou ainda durante a gestação do filho, com o tratamento hormonal e a mudança de nome e identidade de gênero no registro civil. No momento de registrar o filho, Ágata inicialmente não foi registrada nem mesmo como mãe socioafetiva do menino, denominação normalmente usada quando não há vínculo biológico com a criança, o que foi feito posteriormente, em outro cartório.
— Falaram que precisaria ter um pai no registro. Fiquei meio em choque, não soube como lidar. Perguntei se eu poderia registrar com os meus documentos antigos (com identificação masculina) e disseram que também não dava. Aí pediram documentos que provassem a fertilização in vitro, o que era impossível, porque ela não aconteceu — relata Ágata.
No hospital, após o parto, Ágata conta que não pôde incluir o menino no plano de saúde da mãe dela. A criança contraiu bactérias hospitalares multirresistentes e precisou ser internada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Foi nessa época que a advogada da família, Gabriela Souza, entrou no caso e moveu duas ações: uma para o reconhecimento da dupla maternidade e outra pedindo indenização. A advogada diz que o caso fez com que a legislação fosse modificada.
— Isso é o mais importante desta ação. A busca pelos direitos alterou quase que imediatamente a legislação cartorária e possibilitou que isso não aconteça mais. Sabemos que ainda há muito preconceito, mas a legislação fruto do nascimento dessa criança foi algo revolucionário, porque levou ao Judiciário um problema que foi sanado — salienta Gabriela.
Em janeiro de 2020, foi publicada a nova Consolidação Normativa Notarial e Registral do Estado do Rio Grande do Sul, da Corregedoria-Geral de Justiça, que define que o cartório deve registrar filhos concebidos biologicamente por pessoas trans mediante apresentação de Declaração de Nascido Vivo e documentos de identidade dos genitores, que devem comparecer pessoalmente ao local ou enviar procuração. Antes, só havia possibilidade de nomear uma pessoa como pai e outra como mãe.
Ainda naquele ano, uma primeira sentença judicial reconheceu Ágata como mãe biológica do menino. Nesse caso, os campos “pai” e “mãe” foram suprimidos, constando apenas o campo “filiação”. Agora, com a decisão pela indenização da família, a jovem considera que a justiça foi feita.
— A indenização é muito importante, porque é o Estado reconhecendo o erro dele, de não ter uma lei que me reconheça e reconheça meu filho, causando toda essa violência ao longo desse período — avalia Ágata.
A vereadora suplente afirma que os últimos anos foram de muita angústia e que, hoje, é um alívio ver tudo se ajeitando.
— Tenho esperança de ter dado passos em busca desses direitos para todos. Espero que outras famílias não passem por isso e consigam ter acesso mais facilmente a esses direitos — ressalta Ágata.