Por Gunter Axt
Doutor em História Social pela USP, autor de “Gênese do Estado Moderno no RS (1889-1929)
Quando, em 1929, começou escolha dos candidatos à sucessão do Presidente da República Washington Luís, Getúlio Vargas governava o Rio Grande do Sul, sendo considerado um sopro de ar fresco na densa atmosfera oligárquica. Após o longo mandato de Borges de Medeiros, que entregara o poder a contragosto (por determinação da reforma constitucional provocada pela Pacificação da Revolução de 1923), Getúlio e seu vice, João Neves da Fontoura, uniam na Frente Única os partidos que se digladiavam desde o século 19.
No Brasil, a economia diversificara-se, camadas populares pressionavam e revoltas explodiam – Arthur Bernardes (1922-1926) governara sob estado de sítio. Com a quebra da bolsa de Nova York, em 29 de outubro, desencadeou-se a Grande Depressão: o mundo se tornou menos liberal e mais intervencionista.
O sistema de escolha do presidente por meio de acordo de cúpula entrou em colapso com a insistência de Washington Luís, paulista, de impor o sucessor. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba uniram-se na Aliança Liberal, que trouxe a candidatura alternativa de Getúlio. Desferido o pleito, com as fraudes usuais, e confirmada a eleição de Júlio Prestes, começaram as articulações revolucionárias.
O assassinato do presidente da Paraíba, João Pessoa, pelo advogado João Dantas, em Recife, em 26 de julho de 1930, pôs lenha na fogueira. Sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, vice na chapa de Getúlio, foi vitimado por questões pessoais e locais, mas o caso foi transformado em um atentado armado por Washington Luís. Velado por duas semanas e sepultado no Rio de Janeiro, surgiu o mártir, atraindo para os revolucionários setores reticentes do Exército.
Enquanto Getúlio iludia, sobre o muro, o Secretário do Interior Oswaldo Aranha conspirava nos bastidores. Convidou para a chefia do Estado maior rebelde Luís Carlos Prestes, no exílio desde 1927, que preferiu lançar manifesto comunista. A segunda opção recaiu no coronel Góes Monteiro, que em 1924 combatera em São Paulo os rebeldes tenentistas e, depois, perseguira a Coluna Prestes. Insuspeito legalista, estava, contudo, descontente com a transferência para São Luiz Gonzaga, considerada um castigo, embora o governo precisasse monitorar os tenentes emigrados. Foi, assim, atraído por Aranha.
Góes prometeu dominar o Estado em três dias, romper a fronteira com Santa Catarina e se estabelecer na divisa com São Paulo. Enquanto isso, as forças de Juarez Távora agiriam no Norte e as do coronel Aristarco, irmão de João Pessoa, em Minas. Um anel sufocaria o Rio de Janeiro em três meses. Foi mais rápido.
Em 3 de outubro, o quartel-general em Porto Alegre foi assaltado. Manobra da guarda civil, executada diariamente, serviu de distração. A pretexto de realizar obras no encanamento, valas que serviram de trincheiras foram abertas. Dos prédios do entorno, como da cúpula do Hotel Majestic, franco-atiradores disparavam.
O ataque foi coordenado por Aranha e Flores da Cunha. Contaram-se cerca de 20 mortos. A cidade acordou com os jornais estampando um manifesto de Getúlio: “Rio Grande, de pé pelo Brasil!”. Era o anúncio da década de maior influência da política gaúcha.
Washington Luís foi deposto no dia 24. Getúlio assumiu o governo em 3 de novembro. Alguns gaúchos, gaiatos, amarraram cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, desconcertando os cariocas. Garantias constitucionais foram suspensas, parlamentos, fechados e interventores, nomeados nos Estados.
A revolução desencadeou forças ambíguas. Trouxe reformas democráticas, modernizantes, mas fomentou autoritarismo. A Constituição de 1934 procurou conciliar doutrinas liberais, socialistas e corporativistas: garantiu salário mínimo, jornada de trabalho de oito horas diárias, descanso semanal remunerado, férias anuais e indenizações trabalhistas. Houve reforma de cursos jurídicos, voto feminino, instauração de concurso para a administração pública e criação das Justiças Eleitoral e Trabalhista. O projeto enfrentou inquietude nos quartéis, a Revolução Constitucionalista de 1932, a Intentona Comunista de 1935 e o Levante Integralista de 1938, quando Getúlio já havia, em novembro de 1937, desferido um autogolpe e proclamado o Estado Novo. A revolução que começou liberal terminou, assim, em ditadura. O ciclo se fechou em 1945, com a queda de Getúlio e convocação de eleições gerais.