Olhar, conversar e acenar apenas a distância. Neste domingo, Dia das Mães, serão estes os gestos possíveis para filhos e mães que puderam optar pelo distanciamento social no combate à pandemia da covid-19.
Depois de quase dois meses de um afastamento necessário, surgem as lembranças de como os encontros ocorriam antes da atual situação e como serão quando o mundo se estabilizar.
A reportagem de GaúchaZH ouviu quatro filhos e quatro mães sobre a separação forçada e os planos para ali na frente. E a distância não foi capaz de afastar o que está conectado pelo coração. Mesmo com cada um na sua própria casa, seguirão unidos nesta data especial.
Com o número de infectados e mortos pela covid-19 crescendo a cada dia no Brasil, ainda é impossível fazerem planos mirabolantes para um futuro longe da doença. Quando os fazem, porém, acalentam desejos agora valorizados e que em outros tempos eram considerados comuns, como dar um abraço apertado, fazer um cafuné no cabelo, um carinho no rosto ou, simplesmente, dar a mão ou o braço e caminhar um ao lado do outro livremente pela rua.
Vontade de darem as mãos
Foi durante um passeio a São Paulo, em 6 de março, que a especialista em compras Graciela Guadagnini, 34 anos, de Porto Alegre, percebeu algo diferente na maior capital do país. As ruas e o aeroporto já estavam com menos circulação de pessoas, cenário contrário ao que naquele momento se via na capital gaúcha. A covid-19 começava a assustar os paulistas – 10 dias depois, tiveram anunciada a primeira morte pela doença no Brasil.
Era a primeira viagem de avião da mãe de Graciela, a comerciante aposentada Ivani Guadagnini, 63 anos. Entusiasmada com a oportunidade, ela não fazia ideia da mortalidade do vírus. Só percebeu a gravidade da situação quando a filha adiantou o retorno de ambas para Porto Alegre. A viagem de três dias durou apenas um e meio.
Na volta, Graciela explicou à mãe o que estava começando a ocorrer no Brasil. Ivani, hipertensa e diabética, assustou-se ao saber que seriam 14 dias isolada dentro de casa e longe da filha, que mora a sete quilômetros da mãe. Porém, as duas semanas em que ficaram distantes acabaram se tornando meses. Na sequência, Porto Alegre também adotou o distanciamento social e as duas, que costumavam andar de mãos dadas pela rua a cada encontro, não se tocam desde então. O máximo de aproximação é no portão da casa de Ivani, que permanece isolada por estar em grupos de risco. Em 20 de março, aniversário da aposentada, a celebração acabou sendo dolorida para as duas.
— Nos chocou muito o meu aniversário. Ela mandou me entregar um bolo. Depois, passou na frente do prédio para me ver e disse "mãe, não posso te dar um abraço". Nunca havia passado longe dela. A data acabou sendo ruim para mim — confessa, em lágrimas, Ivani.
A aposentada não controla a emoção ao lembrar do que mais sente saudade: dar as mãos à filha. Graciela também.
— Morei com ela até os 28 anos de idade. Temos uma relação ótima. Somos muito próximas. Então, só quero poder voltar a abraçá-la, como fazíamos antes — comenta a filha.
Apesar da situação, a aposentada tem consciência de que o afastamento é temporário e necessário.
— Não é porque a gente quer, mas para proteger a minha saúde. Este distanciamento surgiu para nos unir ainda mais. Tenho dito para ela: "vamos aguentar mais um pouquinho porque vai passar" — explica Ivani.
— Quando isso acabar, sairei correndo para abraçar a minha mãe. Falei brincando que a gente vai fugir de casa — comenta Graciela, aos risos. — Fazer as malas e ficar uma semana longe de casa para sentir saudade de voltar. Vamos comer em outros lugares, dormir em outros lugares, ver outras pessoas, passear, fazer a rotina que a gente estava acostumada e nem dava tanto valor — completa a especialista em compras.
Além do aniversário de Ivani, Graciela não pôde celebrar a Páscoa ao lado da mãe. Este domingo será a terceira data especial nos últimos 50 dias em que estará longe de Ivani. Mas a filha tira lições:
— Acho que em todos os momentos ruins a gente tem que ver o lado bom das coisas. E o bom é esta reflexão do quanto é importante a relação interpessoal. Darei valor às coisas que antes eram consideradas normais e pequenas, como caminhar pela rua, almoçar com a mãe...
Espera pela volta
É com um suspiro profundo que o técnico em enfermagem Cristiano Moreira da Rocha, 41 anos, de Porto Alegre, responde ao ser questionado sobre o que fará quando puder se aproximar da mãe, a funcionária pública estadual aposentada Vanilda Moreira da Rocha, 69 anos.
— Vou dar muito aperto nela — diz, depois de um tempo com o pensamento em Viamão, onde Vanilda mora.
O maior desejo de Cristiano é que o pico da pandemia de covid-19 no Estado ocorra até junho. E o motivo é único: a mãe completará 70 anos em 1º de julho. Funcionário da UTI de um hospital da Capital, Cristiano já lidou diretamente com pacientes atingidos pela covid-19. E isso o fez se afastar da mãe, que é ex-fumante e tem doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
— Lembro exatamente do último abraço, há 45 dias, quando a coloquei num táxi depois de uma revisão médica. Naquela semana, retornei ao trabalho depois de 10 dias afastado e tomei um susto, a covid-19 estava entre nós — recorda.
Desde então, Cristiano conversa com a mãe somente da janela da casa dela. E toda a vez que arranca com a moto, emociona-se ao vê-la acenando a distância.
— Todos vão tirar um aprendizado disso tudo. Só quero abraçar muito a minha "véia" de novo e ficar mais próximo do meu irmão, Sandro, da minha cunhada e da minha sobrinha para agradecer por estarmos juntos — resume Cristiano.
— Não sou de fazer planos. Tenho vivido um dia de cada vez. É o que tenho hoje. Isso me ajuda a permanecer confiante de que vamos voltar a nos abraçar — diz Vanilda, engolindo o choro.
Todos na mesa
Um jantar em família. É o principal desejo dos Pavan Passos quando a covid-19 se tornar apenas parte da história mundial recente. Acostumados a reuniões com mesa farta e muitas risadas, o arquiteto Rafael, 40 anos, e a mãe, a servidora pública Lucinda, 63, sentem saudade de estarem juntos e próximos do outro irmão dele, Luiz Fernando, 37, e de José Luiz dos Passos, 75, pai dos dois e ex-marido de Lucinda.
Distante de Rafael desde 16 de março, quando participou de um jantar na casa dele e da nora Luciane, Lucinda não esconde o choro e admite preferir não recordar as datas festivas distante da família até agora, como o aniversário do ex-marido, no final de março, e a Páscoa.
— Não nos preparamos para ficarmos sozinhos, cada um na sua casa. Para não pensar, me envolvo com outras atividades, como yoga e o home office. Mas não é fácil — admite Lucinda.
Para o arquiteto, o WhatsApp tem sido a forma de reduzir a distância da mãe. É pela rede que trocam impressões sobre o que está ocorrendo no Brasil e no mundo, posições políticas e questões culturais. Os encontros mais próximos têm ocorrido no térreo do prédio onde a mãe mora.
— Fizemos máscaras de pano para ela. Cuidarmos um do outro, mesmo a distância, mantém a relação — acredita Rafael.
Lucinda ainda considera anormal a atual situação:
— É muito estranho chegar ao portão segurando um lenço descartável, cada um num canto, olhando apenas um rosto sob a máscara. Sozinha em casa, não sinto o impacto, mas quando deparo com a pessoa e não posso me aproximar dela, me dá um baque mesmo.
Um futuro repleto de projetos deixou de ser idealizado por Rafael e Lucinda desde que a pandemia surgiu. Para ele, o mais importante será voltar a confraternizar no entorno da mesa com toda a família.
— Sinceramente, depois de tudo isso, só quero viver o aqui e agora com meus filhos e minha família com saúde. Quando abraçar os dois novamente, será a mesma sensação de quando eu os abracei ao nascerem — confidencia a mãe, emocionada.
Abraço de dois meses
O primeiro aniversário em 50 anos que a empresária Lucia Porto não pôde abraçar a mãe, Mabel Porto, 73 anos, ocorreu há menos de duas semanas. Mesmo morando no mesmo condomínio, em Viamão, as duas preferiram manter a distância acordada ainda em março.
— A mãe me enviou a minha torta favorita, de chocolate, e eu assoprei a velinha sem os pais comigo. Ela e o pai até vieram comer um pedaço da torta, horas depois. Teve um parabéns rápido, todos bem distantes, eles comeram uma fatia e foram embora em seguida. Foi um aniversário diferente — conta Lucia.
Duas ou três vezes por semana, a empresária visita os pais. A conversa ocorre com ela na rua e eles, no pátio. Nos outros dias, são longas conversas por vídeo.
— Com esta distância que não imaginávamos, a gente percebe como é bom estar perto das pessoas que gostamos. Como faz falta não poder estar junto, mesmo falando em chamadas de vídeo. Quando puder, quero dar um abraço de dois meses na mãe e no pai — comenta Lucia.
Para se manter próxima dos filhos, mesmo a distância, Mabel fez incursões no mundo digital neste período, descobrindo como usar as redes sociais pelo celular. Paulo, 45 anos, o outro filho, mora em Gramado, e também fala com os pais por meio da tecnologia. Mas não tem sido tarefa fácil para Mabel estar longe dos dois em datas importantes, como o aniversário da filha e a Páscoa. E será o mesmo no Dia das Mães e no próprio aniversário, no próximo dia 14.
— A falta de proximidade física com os filhos deixa qualquer mãe triste. Fico desejando que esta situação acabe logo. Quando reencontrá-los de verdade, será a minha maior felicidade. Vou enchê-los de beijos e abraços um dia inteiro! — almeja Mabel.