Hertha Spier, sobrevivente do Holocausto, morreu na madrugada deste domingo (9), aos 101 anos, em Porto Alegre. Ela estava internada no Hospital Moinhos de Vento, e não resistiu a uma falência múltipla de órgãos.
Nascida em Bielitz, no antigo Império Austro-Húngaro, atual Polônia, a infância de Hertha foi marcada pela arte e pela música. O ano era 1934, e, à época, diziam que a jovem, então com 16 anos, teria futuro brilhante como bailarina.
Porém, a trajetória até então tranquila foi interrompida abruptamente pelas tropas alemãs alguns anos depois, quando se tornou prisioneira dos soldados nazistas e foi conduzida aos campos de concentração de Plaszow, Auschwitz e, finalmente, Bergen-Belsen, na Alemanha.
Depois de meia década vivendo sob o domínio de Hitler, acabou libertada aos 26 anos, desnutrida, órfã e pesando apenas 28 quilos. Após passar um ano em tratamento no Hospital da Cruz Vermelha, na Suécia, recebeu o convite para se mudar para o Brasil. Hertha decidiu o destino por meio de Thea, uma amiga da irmã. As duas acabaram se tornando grandes amigas.
Já em solo brasileiro, desembarcou no Rio de Janeiro em 1946, onde conheceu o marido, Siegfried – alemão e representante comercial que havia fugido do país natal antes que a guerra estourasse.
Casados, mudaram-se para Porto Alegre. O ano era 1948. Na Capital, Hertha teve os filhos Mario e Lucio. Durante um longo tempo, foi uma das mais célebres moradoras do bairro Moinhos de Vento.
Em 1963, após o falecimento do marido, assumiu o escritório da família. Nas horas vagas, dona Hertha, como era carinhosamente conhecida, gostava de trabalhar com pintura e escultura – um resquício do amor pelas artes difundido ainda nos tempos da adolescência.
"Ela não guarda ódio nem rancor, apenas tristeza"
A história de vida de Hertha inspirou o livro A Sobrevivente A21646, de Tailor Diniz , lançado em 2002. O número faz alusão a uma tatuagem que ela possuía no braço, feita pelos nazistas durante o tempo que permaneceu prisioneira.
Além de participar da série Histórias Curtas, da RBS, Hertha também foi uma das entrevistadas por um projeto patrocinado pelo diretor Steven Spielberg, que ouviu sobreviventes do Holocausto em todo o mundo.
Em 2018, na comemoração do seu centésimo aniversário, recebeu cerca de 200 convidados em um salão do hotel Plaza São Rafael. Á época, arrancou aplausos dos convidados por ser uma testemunha dos horrores da Segunda Guerra Mundial.
— O mais especial é que, deste período tão duro, ela não guarda ódio nem rancor, apenas tristeza. Minha mãe perdeu toda a família no Holocausto, viu fuzilamentos, viu sua família sendo assassinada. Mas, aos poucos, construiu tudo de novo, e hoje pode comemorar entre amigos e parentes — contou na ocasião o filho Lucio Spier.
No evento, também foi homenageada a sueca Kaisa Person, voluntária da Cruz Vermelha, que se tornou um dos pilares na recuperação física e mental da sobrevivente. As duas conseguiram se reencontrar em 2004, após Kaisa ter conhecimento da biografia de Hertha.
Além dos filhos, deixa as noras Sheila e Nara, os netos Lucia, Rafael e Mario Sobrinho, e o bisneto Otto.
O velório está programado para acontecer nesta segunda-feira (10), a partir das 11h, no Cemitério do Centro Israelita, na Capital. O enterro será realizado às 16h, no mesmo local.