Enquanto observa o drone da reportagem sobrevoar a degradada praça central de Minas do Camaquã, a cerca de 300 quilômetros de Porto Alegre, Denise Oliveira Quadros, 77 anos, aproxima-se a passos lentos. Para ao lado da equipe e repousa o olhar em um pequeno campo de futebol com goleiras enferrujadas, sem redes, o capim crescendo no meio do concreto. Sua mente voa longe:
— Vocês pensam que sempre teve mato assim? Nada. Era tudo roçadinho. Aqui tinha muita festa. Churrasco com vacas, ovelhas, tudo de graça para os funcionários. Enfeitavam a cruz com luzes... O cinema tinha filme sexta, sábado e domingo. A gente não perdia um.
Filha, irmã e esposa de mineiros, ela recorda um passado hoje impensável para quem circula pelo 3º distrito de Caçapava do Sul, na região central do Estado. Por mais de um século, entre 1865 e 1996, uma jazida de cobre colocou a pequena vila no centro dos acontecimentos do Rio Grande do Sul. Celebridades, governadores e até um presidente da República visitaram o local, que fez fortunas graças à exploração do metal.
No auge da mineração, a vila se tornou um microcosmo utópico, administrado por um dos maiores playboys que o mundo já conheceu. Todos os cerca de 5 mil moradores tinham casa, água, luz e transporte gratuitos. Os atendimentos médicos ocorriam em um hospital com bloco cirúrgico e laboratório de exames. A comida era vendida a preço de custo, e o lazer sequer era cobrado. Um cinema com arquitetura estilo saloon exibia os mesmos filmes das salas da capital gaúcha. Além das festas religiosas e de um grande evento anual do Dia do Trabalhador, eram realizados churrascos e campeonatos de futebol patrocinados pela Companhia Brasileira do Cobre (CBC). Nos anos 1970, foi construído um clube com sauna e piscina.
Daquela época, a única coisa que se manteve foi o isolamento. Distante 25 quilômetros de Caçapava do Sul, Minas do Camaquã ainda tem de ser acessada por estrada de chão. Com o fim da mineração, em 1996, a população debandou. Hoje, pouco mais de 500 pessoas residem no local, onde predominam prédios desocupados ou em ruínas.
A história definha a céu aberto. A praça ao redor do Cine Rodeio, com a porta vaivém lacrada, as janelas quebradas e o letreiro caindo aos pedaços, tornou-se um campo minado de fezes de gado, cavalos e porcos que hoje circulam soltos pela área. Uma das vilas onde viviam parte dos trabalhadores conta apenas com carcaças de imóveis, tomadas pela vegetação. O hospital foi resumido a um posto de saúde com enfermeira e motorista, que recebe a visita de um médico esporadicamente. Os pequenos comércios passam a maior parte do tempo às moscas.
Na última década, investidas para reestruturar a economia da região resultaram inócuas. Na esperança da retomada do ciclo de mineração, negócio que entrou na mira da Nexa Resources (ex-Votorantim) e aguarda por licenciamento ambiental, moradores tentaram valer-se do que restou das minas e da exuberante natureza local — onde formações rochosas isoladas conhecidas como guaritas chamam atenção à beira da estrada —como alternativa turística. Mas a empreitada durou pouco.
Atividades de mergulho em uma das minas terminaram em 2017, após o local ser interditado pela Fepam. No ano seguinte, uma empresa que operava o chamado turismo de aventura, com trilhas, arvorismo e tirolesa, abandonou os equipamentos na mata e encerrou as atividades sem aviso prévio —um outdoor que divulga o serviço segue fixado em frente à praça.
Houve adversidades climáticas também. Em 2015, um tornado danificou casas e derrubou a cruz metálica instalada no topo de uma pedra, um dos pontos emblemáticos da vila. Sem chuvas desde dezembro, a região perdeu outro atrativo: o Arroio João Dias, utilizado para banho, agora ostenta bancos de areia cercados por água barrenta.