A derrocada das últimas décadas de Minas do Camaquã em nada lembra o passado glorioso da localidade da região central do Estado, iniciado no fim do século 19. O fazendeiro João Dias foi o primeiro a vislumbrar na paisagem natural o futuro próspero. Proprietário das terras, encontrou uma pedra esverdeada, que levou para o então imperador Dom Pedro II, em passagem por Caçapava do Sul. O material foi parar na Inglaterra, onde análises indicaram tratar-se de cobre.
Em 1865, teve início a exploração do minério, que ocorreu em diferentes fases. Primeiro, foram os ingleses, seguidos de alemães e belgas – para abastecer a produção, os últimos construíram uma das primeiras usinas hidrelétricas em área privada do país. Com a queda no preço internacional do minério, as extrações foram suspensas por volta de 1910.
A história do vilarejo começou a ganhar contornos cinematográficos a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o uso de metais para moldar o arsenal dos Aliados impulsionou uma nova corrida pelo cobre gaúcho. Em uma reunião a portas fechadas, o então presidente Getúlio Vargas convidou o multimilionário Francisco Matarazzo Pignatari, famoso pelo comportamento bon vivant e por acumular conquistas ao redor do mundo, para tocar o negócio na região.
Em 1939, foi criada a Companhia Brasileira do Cobre (CBC), uma sociedade mista que tinha como principais acionistas o governo e Pignatari, cada um com 33,33%. A exploração do minério recomeçou em 1942 e deu início à fase mais marcante.
Neto do Conde Matarazzo – migrante italiano que construiu um império econômico no Brasil –, Baby, como era conhecido o empreendedor nascido na Itália, chegou a Minas do Camaquã dando pistas do que viria a ocorrer no vilarejo nos anos seguintes. Ao avistar um empregado construindo uma casa de pau a pique parar morar com a família, mandou que suspendesse o trabalho. Rumou para seu escritório, onde hoje funciona um restaurante, e ordenou que erguessem um imóvel em alvenaria para o homem.
— Ele já chegou fazendo alvoroço. Não admitia desigualdade social — diz a empresária e ex-funcionária da CBC Guacira Pavão, que pretende erguer uma estátua em homenagem ao milionário.
Não demorou para que a área isolada no interior do Rio Grande do Sul ganhasse cara de cidade, construída com base na hierarquia da empresa. A casa de Baby foi erguida no topo mais alto da vila _ é das poucas que seguem preservadas. Ostentava piscina térmica no tempo em que o recurso era novidade e um sistema de calefação com uma chaminé gigante, forjada em cobre, no meio da sala. Os diretores ganharam imóveis nos terrenos mais elevados e centrais, enquanto empregados intermediários ficaram um pouco mais afastados. As áreas periféricas abrigavam os mineiros, em casas geminadas.
As visitas do empresário eram marcadas por eventos festivos e fartos churrascos em praça pública. Havia festas religiosas e, no Natal, todas as crianças ganhavam presentes. Ele incentivou ainda a criação do Minerador Atlético Clube, time de futebol patrocinado pela CBC, que disputou campeonatos regionais. A comunidade se mobilizava para recepcioná-lo: um grupo de crianças uniformizadas agitava bandeirinhas na pista de pouso do avião, por vezes pilotado por ele mesmo.
Apesar de ser lembrado como um homem generoso, especialmente com os mais pobres, Baby era reconhecido também por ser exigente e pouco tolerante a erros. Aqueles que descumpriam as regras de convivência ou o decepcionavam eram prontamente expulsos da vila.
"O novo rei do mundo dos playboys"
Entre as idas e vindas a Minas do Camaquã, Pignatari colecionava episódios insólitos que lhe renderam destaque internacional. No fim da década de 1950, a revista norte-americana Life dedicou oito páginas ao seu perfil, intitulado "O novo rei do mundo dos playboys". Segundo a publicação, seu temperamento forte suscitava contradições: tinha mesa cativa nos melhores restaurantes, mas também bebia e brigava em clubes noturnos.
A fama veio a reboque de um rumoroso caso com a atriz de Hollywood Linda Christian, primeira Bond girl em uma adaptação televisiva da clássica história do espião 007. O rompimento foi pouco convencional. Cansado da namorada, o milionário contratou um grupo de pessoas para desfilarem com cartazes diante do Copacabana Palace, hotel em que Linda estava hospedada no Rio. Neles, lia-se a frase "Go home, Linda!" (Vá embora, Linda!).
Após o fim do romance, Baby foi preso no México depois de se envolver com a princesa italiana Ira de Furstenberg, à época casada com o príncipe espanhol Alfonso de Hohenlohe-Langenburg. O homem acusou a esposa de adultério, o que motivou uma perseguição policial. Baby foi detido, e deixou a prisão depois de pagar fiança.
Ira tornou-se a terceira esposa de Pignatari — haveria ainda uma quarta, Regina —, à época já acionista majoritário da CBC. O casamento durou três anos, e a separação logo lançou o milionário novamente às páginas de revistas, por seu envolvimento com famosas como Kim Novak e Jill St. John.
O ímpeto de se divertir e promover diversão parecia imune às convulsões políticas e sociais que marcaram os anos 1960. Em 31 de março de 1964, meses após o fim do casamento com Ira, Pignatari deu uma festa em sua mansão no bairro do Morumbi, em São Paulo. Durante o evento, revelou aos convidados uma piscina oculta e distribuiu roupas de banho para todos. Os trajes, que pareciam de tecido, mas eram feitos de papel, desmancharam-se na água. A festa seguiu até a madrugada, quando um telefonema alertou o anfitrião sobre o golpe militar que se avizinhava.
No fim, edificações foram à venda por R$ 500
A despeito da fama de boa vida, o italiano naturalizado brasileiro era considerado um fenômeno nos negócios. Começou a atuar aos 20 anos, quando herdou uma empresa com 400 empregados. Em apenas seis anos, contava com 10 mil trabalhadores, atuando em áreas como laminação, mineração e fabricação de aviões.
No interior gaúcho, tinha quase 1,5 mil empregados. A relevância econômica da região levou o presidente Emílio Garrastazu Médici ao local para inaugurar, na década de 1970, um novo engenho. Os governadores Amaral de Souza e Walter Peracchi Barcelos também estiveram na vila.
Mas a conjuntura se modificou e, em 1974, Baby devolveu a CBC ao governo e deixou Minas do Camaquã. Em uma carta de despedida, disse lamentar que a circunstância fosse privá-lo "do convívio dos amigos e colaboradores" e agradeceu as "provas de amizade" da comunidade. Morreu três anos mais tarde, devido a uma leucemia.
Nos anos 1980, após um leilão fracassado, cerca de 30 empregados se ofereceram para assumir a companhia. O pagamento se daria pelo que fosse produzido, e o grupo se comprometeu em encerrar as atividades da empresa quando o minério escasseasse.
A exploração do cobre terminou em 1996, e a maior parte dos trabalhadores foi embora — vários migraram para as fábricas coureiro-calçadistas do Vale dos Sinos. O maquinário foi rapidamente vendido, mas os imóveis quase não tiveram interessados.
— A gente ofereceu para as pessoas daqui, mas acharam que não tinha futuro porque era distante da cidade e já não tinha mais hospital, correio, essas coisas — conta Rui Ferreira, que participou do processo.
Em 2002, um empresário da região comprou as ações restantes e tornou-se acionista majoritário da CBC. No ano seguinte, a companhia colocou casas e terrenos à venda a preço de banana: havia construções a partir de R$ 500. Foi quando se aproximaram os forasteiros, muitos interessados em imóveis para passar os finais de semana. Moradora do local há dois anos, a jornalista Sandra Porciúncula adquiriu casas e terrenos nessa época _ e distribuiu uma parte entre amigos. A infraestrutura já era precária.
— Fazia tempo que eu queria um lugar para plantar flores e verduras. Fui visitar e me apaixonei. Me chamou atenção a natureza, porque as casas estavam em ruínas. As vacas entravam e dormiam dentro delas — recorda.
Também compraram imóveis ex-mineiros saudosos dos tempos áureos. Morador da Capital, Sisinato Quadros, 75 anos, passa as férias com a esposa, Denise, no local onde viveram até o fim da década de 1970.
— Teve casa que foi um pecado desmanchar. Mas eu gosto daqui ainda... Agora tem um silêncio — sorri.
Após o fim do desmembramento dos imóveis, Minas do Camaquã, até então uma propriedade privada, tornou-se um distrito de Caçapava do Sul. Os prédios do hospital, do centro esportivo, o terreno da escola e o cinema, com lugar para 680 pessoas, foram doados ao município.
A integração pouco contribuiu. Hoje as vias carecem de manutenção, e a praça ostenta equipamentos enferrujados e lâmpadas quebradas — segundo a prefeitura, dois funcionários são responsáveis pela limpeza, roçada e por indicar pontos problemáticos, como bueiros obstruídos. Ícone da área central, o Cine Rodeio apodrece em meio a um jogo de empurra: o município cedeu o imóvel a uma associação comunitária hoje inativa, que por sua vez atribui a responsabilidade dos cuidados à prefeitura.