— Está na moda — justificou Juliana Vanzetto, nove anos, enquanto recebia suas convidadas em um quarto conjugado de hotel, no comecinho da noite de um sábado em que os termômetros acusavam 9°C em Porto Alegre.
A menina recepcionou oito amigas para uma noite de muitas brincadeiras, filmes, conversa e, claro, pouco sono. Todas participariam de uma festa do pijama, modalidade que vem sendo adotada nas comemorações de aniversários infantis.
O toque do telefone no quarto em que a consultora de viagens Maureen Cabral, mãe de Juliana, dormiria era o sinal de que as convidadas estavam na recepção aguardando para subir rumo ao 12° andar. Entre beijos, abraços e entrega de sacolas de presentes, as gurias entravam, só de passagem, pelo cômodo com cama de casal e seguiam para o quarto ao lado, onde a mágica aconteceria. Os olhares eufóricos e as reações na chegada sintetizavam o sentimento do grupo ao avistar a estrutura montada: cinco barracas de tecido delicadamente decoradas com unicórnios de pano no topo.
— Uaaaaaaau — exclamou uma.
— Tem até lanterna, que chique! — disparou outra.
– Isabela, vamos ficar aqui! – gritou uma terceira.
Minuciosamente decorado, o quarto do hotel Quality, no bairro Moinhos de Vento, virou acampamento. Além das cabaninhas, equipadas com colchonetes, lençóis, travesseiros, cobertores e lanternas, o cenário ainda contava com almofadas espalhadas pelo chão, balões com luzes, bandeirinhas com o nome da aniversariante e cordão de lâmpadas. Como em uma boa festa de aniversário, não poderia faltar uma mesa repleta de doces e guloseimas coloridas.
Bastaram alguns minutos para que as gurias começassem a discutir: quem dormiria com quem? Quem dividiria o mesmo “teto” com a aniversariante, recompensa sonhada por qualquer uma das presentes? Depois de diversas possíveis formações, finalmente chegaram a um veredito. Ufa!
Era a hora de abandonar a roupa e vestir as estrelas da noite: os pijamas. Acomodadas nas barracas, devidamente “trancadas” por fitas de tecido amarradas, deram início à função. Unicórnios, pandas e estrelas estavam entre as principais estampas dos trajes de dormir, comprados especialmente para a ocasião.
Como presente de aniversário de duas amigas de Maureen, Gabriela Brando e Aidelc Neves, a aniversariante recebeu mais um item condizente com a ocasião: um macacão de unicórnio de pelúcia, vestido quase que imediatamente.
— Queria (uma festa) de sereia, mas daí pensei que não teria muita coisa. Aí fui vendo imagens de unicórnio, fui pesquisando, vi temas e coisas bonitas, então decidi: quero de unicórnio! Festa do pijama está na moda, unicórnio ainda está, mas o que virá é o slime — disse Jú, já apontando uma próxima tendência.
Pela manhã, mais uma rodada de brincadeira
Com ansiedade típica da infância, as gurias não perderam tempo na hora de dar início à diversão. Enquanto um grupinho se juntou em uma barraca para contar histórias de terror – com direito a bonecas malignas como protagonistas –, outras sentaram-se sobre a grama sintética disposta no piso para brincar de mímica.
— Como eu vou fazer se tiver que imitar uma cebola? — questionou uma das pequenas.
Por sorte, nenhuma carta indicou a imitação de uma cebola.
A noitada seguiu com brincadeiras propostas pela recreacionista, mais jogos e customização do baldinho que, logo mais, serviria pipoca para a sessão de cinema. Com os acessórios devidamente personalizados – eles foram dados como uma das lembrancinhas da noite –, por volta das 23h enfileiraram os colchonetes no entorno da cama de Maureen e assistiram ao filme Zootopia.
— A maioria viu. Algumas dormiram ali mesmo — relembrou a mãe de Jú.
Toda a festa, diz Maureen, durou até a meia-noite, quando a turma se entregou ao sono. No domingo, às 7h, a primeira convidada já saltou da cama.
— Aí, uma acordou a outra e todas levantaram. Tomamos café no hotel e elas voltaram para o quarto, onde brincaram até umas 11h, quando os pais começaram a pegá-las — contou Maureen.
Pela praticidade, Maureen e o marido, Paulo Vanzetto, optaram pela festa no hotel, já disponível em algumas redes da Capital. No local escolhido pela família, o serviço incluiu, além das ocas temáticas, o lanche das meninas: batatas sorriso, hambúrgueres, cachorrinhos-quentes, docinhos e bebidas dispostas na bancada que, antes abrigara a televisão.
— Até teria espaço em casa, mas achei que seria muita bagunça. Claro que é mais caro, mas no outro dia era só sair, bater a porta e ir para casa descansar — justificou Maureen.
Também pesou na escolha o fator ineditismo. Afinal, elas nunca haviam ficado juntas em um hotel.
— Muitas ali já tinham feito festa do pijama, pois é muito comum agora. Mas ter sido em um hotel deu um “up” — afirmou a mãe, acrescentando que o retorno das famílias das convidadas em relação à festa foi superpositivo. — Todos adoraram e os comentários que recebi foram de que as meninas tinham amado — concluiu a consultora de viagens, que, como forma de agradecimento, mandou uma sacolinha com vinho e petiscos para os pais das convidadas.
Experiência de desenvolvimento infantil
Para a doutora em psicologia e neuropsicóloga Caroline de Oliveira Cardoso, festas do pijama são uma ótima experiência. As crianças podem ficar mais tempo com os amigos em um evento que, por ser mais enxuto, fortalece os laços de amizade, produzindo memórias positivas. Algumas têm a oportunidade de dormir pela primeira vez fora de casa.
— É um momento de independência dos pais e do desenvolvimento do senso de responsabilidade — comenta a professora da Feevale.
Especializada em infância e adolescência, a psiquiatra Cíntia Vasques Cruz Heidemann considera as festas “totalmente saudáveis” na faixa etária em que fazem mais sucesso (dos sete aos 12 anos). Ela valoriza os momentos de troca com aqueles que estão no círculo de amizade mais íntima. Também diz que funcionam como um “treino para o mundo adulto”:
— Não se é convidado para tudo na vida. Faz parte do amadurecimento humano a formação de grupinhos por afinidade. Quem vai à festa tem a chance de uma convivência mais rica entre os amigos, e pode ser um exercício de elaboração para os que ficam de fora. Em alguns grupos somos mais íntimos, em outros, apenas conhecidos.
Uma noite sem silêncio
Do hall de entrada do prédio situado no bairro Auxiliadora, já dava para ouvir a algazarra das 18 meninas que comemoravam com Martina Tombini seu oitavo aniversário. Ao ingressar no salão cuidadosamente decorado em tons de preto, branco e rosa, era almofada para cá, almofada para lá e muitas gargalhadas.
Com a fala acelerada, Martina deu uma pausa nas brincadeiras para conversar e explicar um pouco mais da festa. O tema, flamingos, fora escolhido depois de ganhar um presente da mãe, a endocrinologista Graciele Tombini, trazido do Exterior. O cardápio havia sido preparado por uma empregada da família.
— Estrogonofe de frango, massinha e carninha, que todo mundo gosta — disse Martina, esquecendo de acrescentar o sabor da torta, Marta Rocha, atípico para a faixa etária.
No evento, até o look da família foi combinado. Martina, Graciele e sua outra mãe, a administradora Paula Camila de Paula, vestiam um pijama apeluciado com estampa de cisne – a médica lamentava não ter encontrado um de flamingo.
Celebrar no conforto do lar, garantiu Graciele, saiu bem mais em conta do que em uma casa de festas.
— Fazer em casa de eventos é muito mais caro, pois se convida mais gente. Isso é interessante da festa do pijama, que é mais enxuta no número de convidados. Não é barato, mas já foi um sexto do valor do ano passado — avaliou.
Além disso, o fato de estar sempre por perto e participar efetivamente do evento contou pontos para a família. E como ficam os pais das crianças convidadas?
— Os pais devem saber que haverá adultos responsáveis e regras, e é importante deixar um canal de comunicação aberto caso o filho sinta medo ou queira voltar para casa — orienta Caroline de Oliveira Cardoso, doutora em psicologia, neuropsicóloga e professora na Feevale.
Spa com robe, pepino nos olhos e massagem
Domar a agitação das gurias não foi fácil. Desde o começo da semana, as convidadas só falavam do evento.
— Teve uma menina que pensou que a festa era às sete da manhã — riu Paula.
Para organizar as brincadeiras, as recreacionistas reuniram as convidadas no centro do salão para que se apresentassem. Depois das “formalidades”, foi dada a largada. Brincadeira da bomba-relógio e do segredo foram algumas das atividades antes do jantar ser servido. Em um dos raros momentos de calmaria, as pequenas sentaram-se nas mesas e saborearam o menu de Martina, seguido do Parabéns a Você.
Ao contrário das festas tradicionais, nas quais esse momento é o ponto alto, o aniversário de Martina teve como cereja do bolo um spa: cada convidada foi presenteada com um robe cor de rosa que trazia o nome bordado nas costas. Após vesti-los, as gurias deitaram-se sobre os tapetes, receberam um par de pepino cortado em rodelas para colocar nos olhos e aguardaram a massagem das recreacionistas. Houve mais uma onda de silêncio – mas durou pouco.
Terminado o relaxamento, enfim chegou a hora da balada. Paula providenciou uma caixa de som mais potente, trazida do apartamento, e colocou uma luz colorida sobre a mesa de doces. Enquanto as meninas se enfileiravam para pintar as unhas e o rosto com tintas coloridas, a dona da festa escolhia a playlist. Com Ariana Grande e Spice Girls, não demorou muito para os tapetes virarem pista de dança. Empolgada, até Graciele participou.
Das 18 presentes, apenas 10 passaram a noite na festa, que invadiu a madrugada. Segundo Graciele, as gurias só dormiram às 3h30min. Quatro horas depois, já estavam de pé, prontas para o café da manhã organizado pela família, repleto de frutas, iogurtes, bolo e leite.
— Estou cansada até agora — contou, rindo, Graciele.
Mercado em expansão
Organizadora das duas festas visitadas por GaúchaZH, a administradora Cristiane Debiasi tem uma agenda lotada aos finais de semana. Há três anos e meio, percebeu que as festas do pijama estavam em ascensão no centro do país e resolveu montar a Le Petit Château com uma sócia. Naquela época, faziam de 10 a 12 eventos por mês.
— Agora, são de 26 a 30 — diz Cristiane, que, hoje, toca sozinha o negócio.
Os clientes, conta a empresária, são crianças entre oito e 10 anos, que já se consideram “velhas” para casas de festas, não querem função com muitos parentes e preferem curtir com os amiguinhos.
— Atendo 65% de meninas e 35% de meninos. Elas têm essa coisa mais lúdica, mais fantasiosa. Eles preferem algo mais “acampamento”, com barracas camufladas — destaca.
Na maioria dos casos, as estruturas – todas da Le Petit – são montadas nas salas de casa das famílias, mas Cristiane tem parceria com os hotéis Quality e Plaza São Rafael. Uma barraca é equipada com colchonetes, lençóis e cobertores.
Em Porto Alegre, quem também oferece o serviço são os hotéis Radisson e Blue Tree Millenium. Outra opção são as casas de festas, que estão se adaptando à modalidade. Juliane De Carli, dona da Porto Alegria, realiza eventos há um ano.
— Iniciamos porque uma cliente pediu e isso nos surpreendeu bastante, principalmente no verão deste ano. Em março e abril, estávamos lotados quase todas as sextas e sábados —afirma.