Isa Minatel já tinha planejado toda sua vida após o nascimento do filho, Petrus, em 2011. Tiraria a licença-maternidade de quatro meses, emendaria com um mês de férias e depois voltaria para sua rotina "louca" de trabalho na área de treinamento comportamental da HP. Mas as coisas escaparam ao controle. O bebê não parava de chorar. Disseram a ela que era uma fase, que em três meses estaria tudo bem, mas se passaram três, quatro, cinco, oito meses e Petrus continuou chorando.
— Pedi demissão por telefone. Eu, toda autoconfiante, a mulher que resolvia os problemas, não estava sabendo lidar com o negócio de ter um filho — Isa conta em um TED.
A partir daí, Isa mudou sua área de atuação. Passou a se dedicar à difícil mas deliciosa tarefa da criação dos filhos – o dela e os nossos. Psicopedagoga com mestrado em Programação Neurolinguística e pós-graduação em Educação e Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), ela é diretora pedagógica da MundoemCores.com, plataforma online de cursos para famílias e educadores, e palestrante da Brain, empresa que fomenta o empreendedorismo e a criatividade.
A "paranaxaba" (como ela se define por ter nascido no Paraná e se criado no Espírito Santo) de 35 anos também tem um canal no YouTube, onde posta vídeos sobre, por exemplo, a importância de não confundir limite com limitação, como dar bronca em seu filho – se for mesmo necessário –, como parar de gritar com as crianças e como, às vezes, nossas atitudes, feitas com as melhores das intenções, podem ensinar algo torto.
Você tem de ficar com a parte boa do limite, a orientação. Quando você diz 'Até aqui você pode ir, dali pra cá incomoda', você está orientando. Mas limite também remete a limitar, interromper, podar. Impedir que se expanda, que cresça, que tome o espaço. Nesse sentido, ele é bem prejudicial e acaba gerando pessoas, ora, limitadas.
— Quando uma criança pega alguma coisa perigosa, arrancamos da mão dela e falamos que "não pode". Como consequência, ela aprende que, quando quiser uma coisa, tem de arrancar da mão do outro — exemplifica.
Com esse olhar que vê o mundo sob a perspectiva das crianças, Isa Minatel é a próxima convidada do ciclo Escola de Pais. Na próxima terça-feira (2), no Instituto Ling, em Porto Alegre (Rua João Caetano, 440), ela falará sobre Crianças sem Limites: Educação Empreendedora na Primeira Infância. O bate-papo das 19h será mediado pelo casal de jornalistas Giane Guerra e Jocimar Farina, de GaúchaZH, pais de Atena, seis anos, e Gael, quatro. A procura foi tanta, que a Escola de Pais abriu uma nova sessão, às 17h, sob condução da empresária Scheila Vontobel. Os ingressos, a R$ 170, podem ser consultados neste link. Na segunda-feira, Isa concedeu a seguinte entrevista:
Você diz que passou por uma reviravolta quando nasceu o Petrus e ele não parava de chorar. Pais só sabem mesmo o que é ter filhos depois de tê-los, né?
"Pais só sabem mesmo o que é ter filhos depois de tê-los." Esta é uma afirmação interessante. Não sei se posso falar pela experiência de todo mundo, não sei se dá para generalizar, mas comigo foi. Até porque, no meu caso, eu não havia tido experiência com crianças pequenas, com bebês. Meu filho foi minha primeira experiência com bebês. Realmente, eu só soube o que era ter filhos depois de tê-los (risos). Mas existem profissionais que trabalham com pais e com crianças e que não têm filhos. E acho que a gente não deve invalidar a ação dessas pessoas.
Eu sou melhor mãe quando não sou 100% mãe. Trabalhar me faz bem, me deixa realizada. Se der para diminuir o ritmo de trabalho nos três primeiros anos para se dedicar à criança, é muito legal, porque esses três primeiros anos são fundamentais para a formação do caráter, dos princípios, dos valores. Depois, é bom retomar a carreira, porque, se a gente não faz esse retorno, acaba se ocupando demais da criança e atrapalhando, obstaculizando seu desenvolvimento.
Você também disse, em um TED, que tinha "tudo planejado" quando engravidou: licença-maternidade, um mês de férias e depois o retorno à rotina intensa de trabalho. Mas precisou mudar os planos. É possível conciliar a dedicação ao trabalho com a maternidade?
Acho que é super possível conciliar trabalho e maternidade. Aliás, acho que é necessário. Tem uma frase que digo: "Eu sou melhor mãe quando não sou 100% mãe". Porque trabalhar me deixa feliz, me faz bem, me deixa produtiva, me deixa realizada. O que hoje tenho de consciência sobre isso é que, se a gente conseguir nos três primeiros anos diminuir o ritmo de trabalho, a carga de trabalho, o período de trabalho, para se dedicar mais à criança, é muito legal, muito importante, muito especial. Às vezes, a gente acha que não tem essa possibilidade porque fica pensando dentro de uma estrutura que já está posta. Mas se, por exemplo, observarmos as possibilidades dos ganhos online, encontramos esse lugar de mudar a rotina e o modo de trabalho. Esses três primeiros anos são fundamentais para a formação do caráter, dos princípios, dos valores da nossa criança. Depois desse período, é bom já ter um planejamento para retomar de maneira mais intensa a carreira. Porque, se a gente não faz esse retorno, acaba se ocupando demais da criança e atrapalhando, obstaculizando seu desenvolvimento. Nessa idade, ela já precisa de mais autonomia, de mais espaço. E quando a gente mantém a criança como único sentido da nossa vida, a gente acaba tornando a criança um peso para a gente e a gente acaba atrapalhando seu desenvolvimento, por ter muita disponibilidade, muito tempo para ficar em cima dela também o tempo todo.
Como pais e mães podem estudar para o "cargo"? E quando é bom usar o instinto?
Tenho trabalhado arduamente para oferecer algumas opções, nas minhas redes sociais, no meu canal no YouTube, que tem vídeo todo dia, nos meus livros, Crianças Sem Limites e Temperamento Sem Limites. Mas obviamente não tem só o meu conteúdo, né? Acho que esse estudo para ser pai e mãe deveria ser formal. Como a gente tem habilitação para guiar um carro, a gente devia tirar habilitação para guiar vidas. Devia ser uma coisa instituída na nossa sociedade. Mas já que não é, por enquanto, a gente tem a nossa busca pessoal. Há muita coisa linda para buscar, por exemplo, os ensinamentos de Maria Montessori (médica e educadora italiana, 1870-1952), a começar pelo livro A Criança. Acho que deveria ser leitura obrigatória pra todo mundo que pensa em ter filhos. Sobre a segunda parte da sua pergunta, buscar informações e estudar não invalida o instinto, pelo contrário: aprimora o instinto. Às vezes, estou estudando justamente para conseguir me conectar com meu instinto. Como vivo em uma sociedade que, muitas vezes, faz com que eu não esteja conectada comigo mesma, o estudo muitas vezes serve de reconexão, de empatia cognitiva. Empatia é colocar-se no lugar do outro: se estou conectada, talvez eu consiga me colocar no lugar do meu bebê, da minha criança, pelo instinto. Se estou desconectada, estudar sobre o desenvolvimento da criança pode ajudar a me colocar no lugar da criança. A gente deve misturar estudo e instinto, até porque aquilo que pensamos que é instinto muitas vezes é a própria cultura que já está intrincada, cristalizada dentro da gente.
Uma das coisas mais desconcertantes que você oferece aos pais é sobre ver o mundo pela perspectiva da criança. Por exemplo, nós levamos o filho para a casa de um amigo nosso e esperamos que ele interaja com a criança que estiver lá. Depois, quando enfim ele já está entrosado, cortamos seu barato e dizemos que é hora de ir embora. Fazemos as crianças de marionetes? Como cuidar para não desequilibrar a relação a ponto de nós nos tornarmos, digamos, manipulados?
Se a gente seguir a cultura do jeitinho que ela está posta, desejando obediência cega, "eu falo e você escuta", sim, há uma intenção sem querer de fazer as crianças de marionetes. E a gente consegue quando elas vêm com temperamento tranquilo. Quando elas vêm com temperamento forte, não se submetem a isso, e aí começam os grandes problemas. Na verdade, os problemas que a gente vê. Porque, quando a gente consegue fazer uma criança de marionete, a gente está criando outros problemas que ainda não vê, que podem se manifestar mais tarde, quando essa criança precisar ter atitude na vida e não ter, porque se acostumou a ser marionete, ela fica esperando alguém mandar o que ela deve fazer. Quanto à pergunta do desequilíbrio, a ponto de os pais serem manipulados, é aquela velha busca de deixar o autoritarismo de lado sem cair na permissividade. Ou seja, mantendo a autoridade. Autoridade humilde, autoridade saudável, que escuta também a criança. É um cuidado que a gente deve ter, pois, nessa busca por uma disciplina mais positiva, lamentavelmente existem pessoas caindo só no positiva e deixando de fora a disciplina.
No mesmo TED, você conta a história do Igor, que jogou o prato na professora porque era o seu jeito de reagir à atitude dela, que não esperou ele colocar a toalha na mesinha, e disse que a professora não teria feito a mesma coisa se estivesse diante de um adulto. Para você, estamos constantemente desrespeitando as crianças?
Não sou muito fã de generalizações, mas de uma maneira ampla, se a gente olhar pra nossa sociedade, a gente se acostumou a desrespeitar as crianças e não percebe, né? É comum as pessoas não cumprimentarem as crianças, mesmo tendo cumprimentado os adultos que estão com ela. Existe, sim, um desrespeito constituído. A minha intenção é chamar a atenção: será que estou de alguma maneira até sem querer fazendo isso? É um convite à consciência: como é que eu estou me relacionando com as crianças? Estou caindo no desrespeito inconsciente, coletivo, sem perceber?
A gente está acostumada a dizer 'não', então a gente limita as experiências da criança porque suja, molha, faz bagunça… Quando muitas coisas que sujam, molham e fazem bagunça são as melhores para o desenvolvimento da criança.
Outra coisa que deve causar rebuliço na mente dos pais é o que você fala sobre não ter limites, o que não significa não ter educação. Pode explicar melhor a diferença que você faz entre limite e orientação?
É sempre bom poder conversar sobre essa questão do limite. Quando se usou o termo "limite" pela primeira vez na educação, tenho a impressão de que a pessoa estava falando da orientação. "Olha: até aqui você pode ir, daqui para lá você incomoda outras pessoas." Ou: "As regras deste ambiente são estas". E, nesse aspecto, o limite é extremamente positivo, necessário e importante. O que ocorre é que ele não tem só essa conotação, só essa dimensão. Limite também remete a limitar, interromper, podar. Impedir que se expanda, que cresça, que tome o espaço. Nesse sentido, ele é bem prejudicial e acaba gerando pessoas, ora, limitadas. Quando você diz "até aqui você pode ir, dali pra cá incomoda", você está orientando. Quando você diz "vamos fazer combinados para que o convívio aqui funcione bem", você está orientando. Digo que você tem de ficar com a parte boa do limite, a orientação. Quero crianças sem limites, mas bem orientadas, bem conduzidas, bem educadas… Com noção! (risos). E, sim, isso causa rebuliço… Já levei bronca por ter levantado essa bandeira. A gente está acostumada a dizer "não", então a gente limita as experiências da criança porque suja, molha, faz bagunça… Quando muitas coisas que sujam, molham e fazem bagunça são as melhores para o desenvolvimento da criança.
Crianças são sensíveis demais. Nossas palavras chegam a elas com um tamanho aumentado. Os filhos chegam a duvidar do nosso amor por eles, chegam a se questionar se são pessoas boas ou más. Quando acharmos que é realmente necessário dar uma bronca, precisamos deixar claro que não é sobre o amor que sentimos por ele, apenas aconteceu uma situação que requer orientação.
Em um vídeo, você contou o episódio do bolo de seu aniversário, que teve a cobertura destroçada pelo dedo do Petrus. Aí, no seu entendimento, estava uma briga que valia a pena ser comprada. Como saber quais brigas comprar e quais não?
A resposta é a última frase dos meus posts (risos): é preciso estudar para ser pai e mãe. Quando você estuda, você afina o que é importante pra você, quais são os seus valores, e aí você tem uma boa bússola pra saber quais brigas valem a pena ser compradas. Aquilo que a criança está fazendo que fere os seus valores e princípios é uma briga que merece ser comprada. É preciso cuidar para não destruir a vontade, a curiosidade, o interesse da criança. Por isso, também é importante saber como fazer a intervenção. As crianças são sensíveis demais. Nossas palavras chegam a elas com um tamanho aumentado. Os filhos chegam a duvidar do nosso amor por eles, chegam a se questionar se são pessoas boas ou más. Quando acharmos que é realmente necessário dar uma bronca, porque, na verdade, existem tantas outras formas de interagir com seu filho, em vez de castigo, cantinho do arrependimento, palmada, precisamos deixar claro que não é sobre o amor que sentimos por ele, que ele é uma pessoa boa, apenas aconteceu uma situação que requer orientação.
A gente não está deixando as crianças serem crianças, e pular etapas pode fazer muita falta. Achamos que estamos desenvolvendo habilidades, mas estamos é impedindo que a criança faça as vivências de criança, as atividades de criança. E ela pode precisar recuperar esse tempo depois, ficando meio infantilizada na adolescência e até mesmo na vida adulta.
O que você acha do que chamam de "adultização" das crianças, essas agendas lotadas de aulas e de temas que consomem bastante tempo em casa?
É importante deixar na agenda da criança um tempo pra ela ser criança, viu? Parece brincadeira, mas a gente não está deixando as crianças serem crianças, e pular etapas pode fazer muita falta. Achamos que estamos desenvolvendo habilidades, mas estamos é impedindo que a criança faça as vivências de criança, as atividades de criança. E ela pode precisar recuperar esse tempo depois, ficando meio infantilizada na adolescência e até mesmo na vida adulta. É muito importante deixar na vida da criança um tempo para ser criança. Aliás, o ócio também é importante em alguns momentos. Claro, não é um tempo para ser criança fechada num apartamento na frente de uma tela, de TV ou de celular, é um tempo para ser criança de verdade, subir em árvore, escorregar num gramadão, correr atrás de bola, eventualmente ralar um joelho. A gente está tentando garantir um bom futuro e eliminar os riscos, mas corre-se um risco maior ao tentar eliminá-los. O risco dessa criança retornar à infância depois que a fase já passou. Ou então dela crescer, mas não ser plenamente realizada, pois ficou tão focada no fazer as coisas que estavam na sua rotina e na sua agenda que ela não se tornou um ser humano e sim um "fazer" humano. Ou pior ainda: a criança pode se tornar um "ter" humano, pois ela descobre que só tem valor quando tem certas coisas.
Como consultora de RH, você diz ter visto, no mercado de trabalho, os efeitos dessa cultura a que estamos presos: jovens sem criatividade, sem arrojo, sem persistência – que, na infância, chamamos de teimosia. "A gente planta na infância e colhe na vida adulta", você diz. De certa forma, é como se você também estivesse dizendo que temos de preparar nossas crianças para o mercado de trabalho, não?
Não para o mercado: a gente prepara para ela mesma, para ela fazer um trabalho lindo, do qual ela se orgulhe, que ela contribua com a sociedade, que ela seja feliz e faça quem estiver por perto feliz também, com a entrega dela. A gente não prepara uma criança para o mercado de trabalho, ou para ser mãe, ou para a escola, ou para a faculdade. A gente prepara para a vida, que envolve isso tudo. E o mais legal é que o mesmo preparo que vai fazê-la feliz na vida é o que será preciso no mercado de trabalho. Ou seja, se conhecer, saber das suas potencialidades, saber o que quer, saber tomar decisões, ter iniciativa, ter arrojo, ser persistente atrás de suas metas, daquilo que realmente acredita que pode ser bom pra ela… Isso tudo é bom pra ela em todas as áreas da vida. Na educação tradicional, muitas vezes se diz: a criança não tem que querer nada, a criança não tem que ter vontade, a criança tem que ser obediente. E depois, quando ela vai para o mercado de trabalho, eu quero uma pessoa arrojada, independente, que tome decisões. Minha ideia é fazer uma educação que transforme a criança em uma empreendedora, não necessariamente que vá abrir um negócio, mas que empreenda em sua vida para ser o mais feliz que ela puder ser.