É possível comer sem levar o planeta à ruína? Como repórter especializada em questões ambientais e chef particular de uma criança esfomeada em fase de crescimento, penso muito nessa questão. Existe uma cultura gastronômica em algum lugar do globo que seja saudável tanto para nós quanto para o mundo em que vivemos? E, em caso afirmativo, ela seria apetitosa?
Descobri que não existe uma culinária mágica que salve nossas espécies. Entretanto, há muitas maneiras de nos alimentarmos de forma sustentável. Elas estão disponíveis em muitas cozinhas ao redor do mundo e podemos aprender com elas.
Não temos muita escolha. Para prevenir os efeitos mais severos das mudanças climáticas, os cientistas alertam que precisamos mudar rapidamente a maneira como comemos.
A produção de alimentos é responsável por 21% a 26% das emissões globais de gases do efeito estufa, dependendo de como os dados são segmentados. O desperdício de comida responde por outros 8%, considerando que um terço da comida produzida mundialmente é jogada fora.
Além disso, com as mudanças climáticas potencializando secas e tempestades, há novos riscos à segurança alimentar de 800 milhões de pessoas ao redor do planeta que já não têm o suficiente para comer.
Comer bem não precisa ser sinônimo de comer coisas estranhas, de privação, nem de ir à falência. Veja, a seguir, cinco ideias simples que podem ajudar você, independentemente de comer fora ou cozinhar em casa.
Vietnã: o protagonismo discreto da carne
Em uma recente viagem a trabalho a Hanói, descobri que a robusta sopa de macarrão vietnamita, chamada pho, pode nos encher de alegria no café da manhã, no almoço e no jantar. À hora das refeições, buscava pelas ruas a mais popular barraca de pho, me sentava no primeiro banquinho de plástico disponível e esperava até que a chef, normalmente uma mulher empreendedora sentada em um banquinho idêntico, montasse meu prato.
A alma do pho é o caldo, e a genialidade por trás dele é uma mínima porção de carne – nem precisa ser de cortes nobres – que rende muito. Gosto da versão bovina feita com ossos, tendões e um pedaço de peito. Tudo cozinha por, no mínimo, três horas com cebolas douradas, gengibre, temperos dos trópicos e a essência de toda a cozinha vietnamita: molho de peixe.
Com frango também fica bom, e experimentei a versão vegetariana que, admito, estava surpreendentemente deliciosa. A lição do pho, para mim, é uma já incorporada em muitas cozinhas tradicionais: a carne pode ser a estrela da refeição, mas discretamente. Ela pode ser usada em pequenas quantidades para enriquecer grãos e vegetais.
Índia: volte o foco para os legumes
As leguminosas constituem um universo próprio: das favas no Oriente Médio à flor de maio no México, do feijão-de-corda em Gana ao feijão mungo em Bangladesh. Eu as saboreei nos cinco continentes. Mas em nenhum lugar as encontrei em formas tão diversas como na Índia.
O feijão guandu se transforma em panqueca no café da manhã, a chamada dosa. A farinha de grão-de-bico, quando fervida e misturada a sementes de mostarda fritas no óleo, vira um bolinho fofo e amarelo chamado dhokla. O feijão mungo é ressignificado no doce halwa, que ganha volume com o ghee e o cardamomo. E, claro, tem o dal, o saboroso ensopado de lentilha sem o qual nenhuma refeição indiana estaria completa.
A lentilha e o feijão são ricos em proteínas e fibras, além de serem bons para o planeta também. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura diz que eles têm “sabedoria climática”, pois conseguem se adaptar a eventos climáticos adversos, recompor solos degradados e até mesmo fazer com que a ração do gado fique mais digerível.
Venezuela: o poder do mexilhão
Alejandra Schrader, chef radicada em Los Angeles, cresceu à base de frutos do mar na Venezuela. Ela se lembra de um prato vendido perto da praia: lâminas de mexilhões e moluscos no vapor, às vezes ostras, imersos em limão e ervas. As pessoas o chamavam de levanta muertos, porque seu ferro era capaz de curar a mais severa das ressacas.
Havia também uma paella mais modesta que sua mãe fazia. A espanhola – que leva mexilhões e moluscos, mas também requer carne de coelho, um arroz de grão curto, chamado bomba, e uma panela especial – é geralmente luxuosa demais. Mas a versão da mãe dela exigia apenas uma caminhada na praia com um balde de plástico, onde eram colocados os moluscos tirados da areia.
Organismos bivalves como mexilhões, moluscos e vieiras são uma saudável fonte de proteína, desde que sejam retirados de águas limpas. Isso é muito importante, pois eles filtram as águas em que crescem. E, por serem animais que se alimentam pela filtragem, eles precisam sorver fitoplâncton apenas o suficiente, um pequeno pedaço, para produzir a proteína.
— Do ponto de vista da proteína animal, é o mais próximo que se chega de uma refeição gratuita — disse Richard Waites, que está se especializando em agricultura no World Resources Institute, um grupo de pesquisa e apoio baseado em Washington.
Kansas: seja gentil com a Terra
Toda primavera, Devon Mihesuah, professora de história e cultura indígenas na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, prepara salada de dentes-de-leão cultivados em seu jardim e colhe as cebolas selvagens que crescem nos campos. Quando a geada começa, espalha abóboras e pimentões no solo. Ela não pulveriza veneno para se livrar daquilo que muitos chamam de ervas daninhas, porque as abelhas precisam delas para a polinização, explicou.
Tais hábitos estão enraizados na tradição culinária dos povos indígenas. Comer o que está disponível no local onde se vive faz parte dessa cultura, mas ela não se resume a isso. Às vezes, também quer dizer tratar o alimento como remédio. Mas, sempre, significa comer de uma maneira que não se polua o lugar onde o alimento é cultivado e não acabar com tudo.
— É ter verdadeiro respeito pelos recursos a seu dispor. Você não pega tudo, não tira as coisas pela raiz — declarou.
Líbano: passe o quibe, por favor
Em uma manhã de domingo, a cozinha do Beit El Qamar, nas colinas acima de Beirute, no Líbano, era um lugar iluminado e movimentado. Ervas tinham sido colhidas no jardim dos fundos. Panelas estavam em ebulição no fogão. Grãos-de-bico estavam sendo misturados com iogurte e tahine.
Ao meio-dia, quando eu e minha família nos sentamos no terraço, pequenas porções de muitas coisas eram servidas nas mesas ao nosso redor. Entre pratos quentes e frios, combinados e inteiros, uma paleta de cores representando todos os tons da paisagem se abriu.
Havia queijo de ovelha, grelhado ou fresco, tabule com bastante hortelã, purê de nozes com pimenta vermelha, dentes-de-leão salteados com cebolas e, para besuntar, azeite de oliva com tomilho e gergelim triturados.
Estava tudo ali. Grãos, frutas, vegetais, castanhas e sementes. A carne também, mas, como no pho, não era a protagonista. Ficava escondida no recheio do quibe frito: cordeiro moído e temperado envolto em trigo.
Era uma refeição preparada para ser compartilhada; os pratos eram passados entre os comensais, que conversavam sobre eles. Uma refeição feita para diminuir meu ritmo, mesmo que apenas por uma tarde.
Descrevo-a porque ela personifica o último e mais básico princípio de comer bem, tanto para nossa saúde como para a do planeta: o de comer juntos.
Compartilhar uma refeição pode ser uma excelente maneira de evitar o desperdício e o consumo exagerado. Quase sempre tem alguém no grupo disposto a comer o último pedaço de queijo (minha filha) ou a arrematar os últimos bocados de quibe da travessa (eu).
Por Somini Sengupta