Por Tiago Halewicz
Músico e pesquisador, diretor da Casamundi Cultura
Genuínos, ecléticos, descolados e democráticos, os mercados são uma alternativa para os viajantes que desejam experimentar os hábitos alimentares de grandes centros e observar a vida cotidiana. Esses templos da gastronomia disputam com museus, parques e monumentos a preferência dos turistas e se reinventam de tempos em tempos para atender um público cada vez mais exigente, curioso e ávido por colocar na bagagem as melhores memórias gustativas. Nos quatro cantos do mundo, as instituições refletem os cinco sentidos e os trejeitos urbanos de uma forma original. Entre os milhares espalhados mundo afora, oito mercados na Europa e na Ásia são um retrato contemporâneo de uma atividade que está presente na vida do ser humano desde a Antiguidade: Östermalms Saluhall, de Estocolmo, Mercado de San Miguel, em Madri, La Boqueria, em Barcelona, Shuk Ha’Carmel e Sarona Market, em Tel Aviv, Gwangjang, em Seul, Mercado da Ribeira, em Lisboa, e Hala Koszyki, em Varsóvia.
No contexto da II Revolução Industrial (1850-1870), grandes cidades europeias passaram por uma total transformação. As ideias higienistas e os planos de contenção de epidemias, aliados aos novos traçados urbanos e liberação das vias para a circulação, derrubaram muralhas medievais e colocaram em prática planos de saneamento que resultariam em uma vida mais organizada. Nessa nova ordem, os centros de compra e venda, que até então, em maioria, levavam a via a céu aberto e desordenados pelas ruas, passaram a ocupar um espaço delimitado e, em um segundo momento, coberto. Assim nasceram os grandes pavilhões de abastecimento que, com o passar do tempo, foram adquirindo características próprias de acordo com a lei de oferta e procura de cada região.
Östermalms Saluhall e Mercado de San Miguel: panteões das iguarias
A genuinidade dos produtos locais é a diretriz de dois mercados no continente europeu desde a sua fundação: o Östermalms Saluhall, de Estocolmo, e o Mercado de San Miguel, na capital espanhola. Certamente outras cidades da Europa oferecem modelos muito semelhantes, entretanto, nesse quesito, esses se colocam no topo da lista.
Na região central de Estocolmo, o Östermalms Saluhall documenta os interesses gastronômicos dos habitantes da capital sueca. Erguido em tempo recorde no ano de 1888 (em pouco mais de seis meses) pela Östermalms Saluhallar Limited, o edifício de tijolos vermelhos em estilo Arte Nova remete à Renascença nórdica e oferece iguarias escandinavas. Os melhores peixes das águas geladas do Báltico, carnes de alce, rena, veado e, eventualmente, urso, compõem a oferta das bancas locais. Além dos produtos levados para casa pelos moradores do elegante bairro, é possível degustar alguns pratos locais em pequenos estabelecimentos, como svenska köttbullar (almôndega sueca de carne) com molho à base de manteiga, creme de leite e caldo de carne, e smörrebröd (uma espécie de sanduíche aberto com salmão defumado ou vários outros tipos de carnes), que é o prato nacional da Dinamarca, mas muito bem assimilado pelos suecos.
Saindo da Escandinávia, é em Madri que se encontra o panteão da gastronomia espanhola. O Mercado de San Miguel, localizado no coração da cidade, foi inaugurado em 1915 em um deslumbrante monumento da arquitetura em ferro – uma verdadeira febre da construção civil desde o final do século 19 – de autoria do arquiteto Alfonso Dubé y Díaz.
O espaço revitalizado em 2009 assumiu o posto de primeiro mercado gastronômico na Europa e mantém o compromisso de oferecer o melhor jamón ibérico e uma infinidade de embutidos entre uma vasta oferta de pratos da cozinha espanhola para comprar e degustar de pé ou nas grandes mesas compartilháveis. Uma visita ao San Miguel também é uma grande experiência para os apreciadores de vinho: do tempranillo ao cava catalão, a qualidade é sempre regra.
Empurra-empurra saboroso em La Boqueria, Shuk Ha’Carmel e Gwangjang
Corredores abarrotados, gente por todo lado, vendedores anunciando suas mercadorias e, em alguns recantos modestos ou no meio de uma ala principal, pessoas comendo, de pé, sentadas, equilibrando-se como podem. Assim são os mercados que ainda mantêm em seu DNA o gene da central de abastecimento; aqueles lugares sem muita infraestrutura, mas que oferecem simplesmente de tudo, enchem os olhos de cores vibrantes, formas variadas, põem no tato texturas que provocam e no olfato aromas exóticos.
O Mercat de Sant Josep, ou La Boqueria, é a cara de Barcelona. O lugar onde a beleza está na originalidade é ponto obrigatório para quem visita ou vive na cidade de Gaudí. É impossível não percebê-lo no vaivém entre Las Ramblas e o Raval. Surgido em 1840, é fruto da reorganização dos vendedores que se aglomeravam no lado de fora da cidade medieval. O plano de reforma urbana e a respectiva derrubada dos muros conferiram aos comerciantes um espaço exclusivo – hoje, são 300 estabelecimentos debaixo da cobertura posta em 1914. Há frutas, verduras e peixes do Mediterrâneo para os locais, macedônias coloridas e cones de papel com frituras para os turistas.
Ainda na atmosfera mediterrânea, o Shuk Ha’Carmel é um dos mais centrais e populares mercados de Tel-Aviv. Aqui, o caos se organiza de acordo com o traçado urbano, não há um prédio específico, não há entrada e nem saída, ele apenas existe e oferece as cores e aromas do Oriente Médio. Estabelecido em 1920 por imigrantes judeus vindos da Rússia, 11 anos depois da fundação da cidade, o Carmel é o típico modelo de shuk, mercado árabe. Com a ajuda do movimento sionista e apoio do primeiro prefeito de Tel-Aviv, Meir Dizengoff, foi se moldando às ruas e aquecendo a economia do Gush Dan, hoje a maior área metropolitana do Estado de Israel. Impossível não se seduzir com o autêntico falafel e hommus ou mesmo com a doçura quase insuportável da pastelaria árabe-israelense.
No extremo oriente, o fascínio se resume a uma tigela inox, onde tudo que se pode imaginar é misturado ao arroz e coberto com molho de pasta de pimenta para resultar no prato nacional sul-coreano, o bibimpap. Mas podem acreditar, é fantástico. Ele é onipresente no Gwangjang, o mercado mais popular da Coreia do Sul, e se funde às 5 mil bancas comerciais e aos 20 mil trabalhadores que vendem dos trajes típicos do país aos produtos de beleza, passando por todas as iguarias orientais.
Atrás do balcão dos restaurantes improvisados, senhoras de idade avançada assediam os turistas, na língua coreana mesmo, preparam a comida e penduram as cédulas de won em prendedores de roupa.
E assim funciona desde 1905, ano de fundação, e assim sempre vai ser no grande pavilhão às margens do Rio Cheonggyecheon.
Mercado da Ribeira, Sarona Market e Hala Koszyki oferecem curadoria e convívio
Ao final da primeira década do século 21, uma nova tendência surgiu para atender a um público cada vez mais exigente. São os chamados mercados com curadoria, onde tudo o que se vende é avaliado e não basta ser bom, tem que ser excelente. Esse novo conceito dá exclusividade para restaurantes, pequenos, médios ou grandes, e a lojas de produtos gastronômicos. E vai além: enquanto os outros mercados cerram as portas ao cair da noite, os moderninhos não param, vão madrugada adentro, convidam à diversão e ao convívio.
Um exemplo é o Mercado da Ribeira, aberto em 2014 em Lisboa pelo grupo editorial Time Out, que vencera um concurso da Câmara Municipal. Versões míni de restaurantes badalados servem pratos a preços democráticos, sempre prezando pela alta qualidade. Pastel de nata, bacalhau, cozinha fusion, vinhos do Douro ou do Alentejo e lojas de sardinhas enlatadas conquistaram uma fatia preciosa da economia e do turismo na capital portuguesa, convertendo a Ribeira em um dos negócios mais inovadores da Europa.
Seguindo a onda, na antiga colônia de alemães templários em Tel-Aviv emergiu uma grande zona comercial com lojas, edifícios de escritórios e um mercado. Aberto em 2015, o Sarona Market tem lojas e restaurantes incríveis, belezas por todos os lados, uma bolha de paz e tranquilidade no clima, geralmente, tenso das questões internas do Estado de Israel.
No limite leste da União Europeia, visitamos a Hala Koszyki. O empreendimento de 2016 demonstra a vontade dos poloneses de assimilarem códigos cosmopolitas. A vibrante Varsóvia, capital do país que esteve por mais de 40 anos atrás da Cortina de Ferro, dispõe cada vez mais de contemporaneidade. A Hala Koszyki oferece da comida tradicional polonesa (vendida no balcão ou em restaurantes de chefs estrelados) à cozinha tailandesa, indiana, cubana e até colombiana. O projeto impecável de renovação de um antigo mercado do início do século 20 reserva espaço para shows, intervenções artísticas, ateliês, escritórios de arquitetos, tudo coroado por uma grande ala central, onde um bar garante a diversão de uma juventude que olha para fora, absorve novidades e deseja viver sem fronteiras.