Chegar até a cidade mais ao sul do planeta é o fetiche de muito motociclista. Eles enfrentam ventos fortes, estradas de rípio e um cenário desértico para chegar em um posto de correio minúsculo sobre um píer no Ushuaia, pela sensação de estar “no fim do mundo”. É justamente na adversidade que está a graça, explica o aposentado Valcir Alberto Couto da Silveira, 68 anos.
Mas, em 2015, da cidade mais austral, ele foi com o amigo Neviton Custódio, 45 anos, ao ponto mais ao norte das Américas. Depois de 108 dias, 36.038 quilômetros percorridos e R$ 62.810,91 investidos, chegou ao Alasca com sua Heritage Classic ano 2011.
Partindo de Porto Alegre, Valcir passou por 15 países diferentes. Viu a aurora boreal, pegou praia, ficou preso em Bariloche, na Argentina, em razão da erupção do vulcão Calbuco, no Chile. Também percorreu a Rota 66 (nos EUA) do início ao fim, tão sonhada pelos motociclistas, e conheceu o castelo Graceland, de Elvis Presley. Tudo isso correndo contra o tempo, porque encontraria uma estrada crucial no Alasca coberta de neve caso ele se atrasasse – chegaram no penúltimo dia antes da via fechar. Ele tenta explicar o prazer de uma viagem onde o caminho é muito mais importante do que o destino:
— Tu consegue ver coisas que dificilmente alguém andando de carro ou ônibus iria ver.
Fazer um planejamento com um ano de antecedência e precisar improvisar incontáveis vezes no caminho são outros ingredientes de uma viagem como essa. E chegar bem ao destino final, anotando a quilometragem percorrida, é o troféu. Além de um título pouco convencional que ele levou, de “Grande Cacique Fazedor de Chuva”. Toda a ideia da viagem partiu de um desafio lançado pelo clube de motociclismo Fazedores de Chuva, de Itajaí, em Santa Catarina, que emite um certificado para quem consegue cumprir os desafios “quase impossíveis”.
As motos voltaram para casa de navio, e os motociclistas, de avião. O veículo de Nevinton foi vendido para o museu da Harley em Gramado – Valcir não quis se desfazer da sua. Agora, o aposentado pretende conquistar de moto outro continente.
— Tenho a ideia de percorrer a Europa. Aqui agora não tem mais nada para fazer.
Pai e filha cruzando a América
O empresário Diego Scotton, 41 anos, leva na garupa alguém que herdou, além de seu DNA, a paixão pela aventura. Após irem a Brasília e a Bonito (MS) de moto, e de “congelarem” por vontade própria nos Campos de Cima da Serra em pleno inverno, ele e a filha Vitória Neves da Silva, 17 anos, foram até o Chile entre dezembro e janeiro deste ano. Fizeram 9,2 mil quilômetros em 16 dias sobre uma BMW F800, sendo que, em apenas 24 horas, chegaram a enfrentar temperaturas entre 6°C e 42°C.
Os viajantes partiram de Porto Alegre rumo à Argentina, onde conheceram Corrientes, passaram por Salta e por Fiambalá. Ali descobriram também as termas (muito indicadas pela dupla). Tiraram fotos faceiros como crianças com as geleiras do Paso San Francisco, entre Argentina e Chile, e visitaram as praias de Caldera e La Serena, onde foram brindados com um pôr do sol no Pacífico. A viagem ainda reservaria a virada do ano em em Viña del Mar.
— A gente passou por lugares indescritíveis, tinha gelo no meio do deserto — conta Vitoria, animada.
Mas o ponto alto da viagem – literalmente, inclusive – foi ir ao topo do Villarrica, um dos vulcões mais ativos da América do Sul. Foram seis horas de subida a pé. Foi quando o coração do pai ficou mais apertado também, porque Vitoria tem asma – mas nem por isso abriu mão da experiência.
A filha lembra de cada palavra de incentivo do pai (“Pensa que só mais um pouquinho vamos chegar”; “A gente vai ver dentro do vulcão”; “Vamos lá, Vi!”). E eles alcançaram o topo, a mais de 2,8 mil metros de altitude.
— Foi um dos desafios mais difíceis da vida dos dois. E eu tive a oportunidade de mostrar para a minha filha que é importante não desistir — orgulha-se Diego.
Ela conta que sempre foi parceira do pai. Como Vitória não mora mais com Diego, em razão da separação dos pais, a viagem serviu para unir mais os dois.
—É muito legal porque a gente fica mais tempo junto. Não nos encontramos mais todos os dias.
Talvez na próxima viagem Vitória já esteja com sua própria moto: a menina conta as horas para fazer 18 anos e tirar a habilitação. O pai já acha que, quando a questão é coragem, criatura já superou o criador.
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