Durante três minutos e meio, a primeira-dama fez história. O discurso de Michelle Bolsonaro na Língua Brasileira de Sinais (Libras) durante cerimônia de posse da Presidência, na terça-feira (1º), causou surpresa e trouxe algum otimismo aos defensores dos direitos e da inclusão social dos surdos.
A tradução em Libras é uma obrigação prevista em lei para eventos públicos, mas ainda não havia se visto até então autoridade de tal relevância tomar para si a responsabilidade de usar o "idioma dos sinais" — uma tradutora verbalizava a mensagem de Michelle.
A mensagem fluía clara e simples, conforme entendidos. Com naturalidade na gesticulação e emoção aflorada nas feições, a primeira-dama esbanjava a técnica aprimorada como intérprete de Libras nos cultos que acontecem aos domingos na Igreja Batista Atitude na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro.
— O discurso transmitiu uma forma de respeito à comunidade surda brasileira e, com certeza, foi um marco histórico — elogia Janaína Pereira Claudio, professora de Libras no curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Estado (PUCRS), para quem a primeira-dama apresenta uma fluência avançada na língua.
Se o discurso sinaliza que o governo dará mais atenção à integração dos surdos, ainda é cedo para dizer. O programa de governo de Jair Bolsonaro não traz projetos para inclusão da comunidade ou quaisquer outras pessoas com deficiência.
Gostaria de me dirigir à comunidade surda, às pessoas com deficiência e a todos aquele que se sentem esquecidos: vocês serão valorizados e terão seus direitos respeitados. Tenho este chamado no meu coração e desejo contribuir na promoção do ser humano
MICHELLE BOLSONARO
EM DISCURSO POR LIBRAS NA POSSE DA PRESIDÊNCIA
Pontos conclamados pelos defensores dos direitos deste público, como programas para estimular a contratação de surdos para tarefas de nível superior, manutenção de escolas públicas bilíngues, onde a comunicação acontece em português e Libras e a instalação de aros magnéticos em auditórios para que os surdos possam acompanhar debates e audiências públicas, ainda são pontos de interrogação para o novo governo.
— Ainda aguardamos menção a políticas públicas voltadas para a inclusão — alerta o presidente da Associação Brasileira dos Surdos Oralizados (Abrasso), Joaquim Barbosa.
A própria língua de Libras não é algo totalmente inclusivo para os surdos. Na transmissão da posse, não havia mecanismos para traduzir a mensagem aos surdos que não utilizam a Libras, casos principalmente de quem perdeu a audição ao longo da vida. Estes carecem de legenda em tempo real, por exemplo.
— Apenas a Libras não vai contemplar todos os surdos. Há uma grande variedade no Brasil que não utilizam a Libra como língua. É preciso haver um reconhecimento da diversidade da surdez — diz Barbosa.