Em silêncio, a professora Gelsa Arisi, 61 anos, ingressa pela porta principal do prédio de 50 metros quadrados, localizado na praça central de Ametista do Sul, no Extremo Norte do Estado. De olhos fechados, em um canto do estabelecimento, Gelsa põe as mãos sobre a parede e mantém-se imóvel por quase um minuto. O ritual se repete nas outras três extremidades. A cada parada, ela permanece concentrada. Uma música celta instrumental é o único som no ambiente. Durante as orações, o marido de Gelsa, Leonardo Arisi, 66, a filha, Liliane, 38, o genro, Fabiano de Oliveira, 43, e a neta, Letícia, 11, circulam silenciosamente no sentido contrário ao da matriarca. No fim do ritual, a professora convida a família para sentar-se ao redor dela na borda da abertura em formato quadrado, feita exatamente no meio da construção. A espécie de caixa contendo minerais recolhidos no próprio município é usada por quem deseja repousar os pés, descalços ou não, antes de finalizar a visita. Ali, sentados sob a luz da lua cheia, que ajuda a iluminar ainda mais o grande salão através do teto de vidro, os Arisi ficam por alguns minutos contemplando as estrelas.
É a segunda vez neste ano que a família, que é de Nova Prata, viaja quase 400 quilômetros para renovar as energias dentro do principal cartão-postal de Ametista do Sul: a pirâmide esotérica, cujas paredes internas são cobertas pelo mineral que dá nome ao município de 7,5 mil habitantes.
— Venho me renovar. Acredito na energia positiva deste lugar. Quando saio, me sinto melhor. Pronta para seguir a viagem — garante Gelsa.
— É um ambiente místico, que nos ajuda com boas energias — complementa Leonardo.
Há muitos que, como os Arisi, vão à Ametista do Sul por se identificarem com o que definem como o “poder das pedras”. Diariamente, chegam turistas buscando “renovação para a alma”. Muitos vêm de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Primeira obra construída no município com a intenção de reforçar o turismo místico na região, a pirâmide foi erguida pela prefeitura há 20 anos. Na época, um grupo de esotéricos de Santa Maria foi convidado a orientar a edificação na melhor posição com relação ao sol. Cada extremidade da pirâmide tem um significado: a terra representa profundidade, o fogo significa a verdade, a água é o silêncio, e o ar, a inteligência. Por isso, o visitante é convidado a tocar os quatro cantos. Ao final, pode-se selecionar e levar um dos minerais que estão dentro de uma caixa. A ideia é que a pequena pedra energizada pelo visitante sirva de amuleto para quem a escolheu.
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Estima-se que 20 mil turistas visitem o município anualmente. Assessor de turismo na prefeitura, Paulo Germano é responsável por recebê-los. É ele quem explica a história dos garimpos de Ametista do Sul, a crença dos moradores nas boas energias do lugar e a relação do local com o esoterismo. Paulo, um paulista cético que mudou-se para o Rio Grande do Sul para ficar perto de uma namorada, passou a acreditar nas vibrações positivas do lugar ao ouvir pessoas que voltam ao município para repetir o ritual.
— Há gente que entra aqui e chora. Outros visitantes chegam tristes e saem sorrindo. Era para ser um ponto turístico, mas virou um local de peregrinação de quem vem a Ametista e acredita numa força maior — relata Paulo.
A menos de 300 metros da pirâmide, a igreja matriz da Paróquia São Gabriel, outra obra projetada também para atrair os visitantes, acabou se tornando singular. De uma mera capela para 50 católicos, o templo ganhou imponência e exclusividade depois de uma reforma que durou cinco anos. Foi preciso a ajuda dos fiéis para a obra ser finalizada, em 2008. Idealizado pelo padre Gilberto Giacomoni, o espaço tem o interior completamente revestido de ametistas.
— Queríamos uma igreja diferenciada e ornamentada com o que é nosso, com o símbolo do sacrifício dos nossos trabalhadores. As pessoas estavam acostumadas com os pedaços de pedras nos galpões e não conseguiam imaginar paredes com elas — conta o pároco.
Com a campanha liderada pelo padre Giacomoni, foram arrecadadas 50 toneladas de pedras. Muitos moradores participaram das rifas e almoços organizados pela paróquia. Alguns doaram dinheiro. A maioria colaborou com pedaços de ametistas, que chegavam até em sacolas de supermercado. Hoje, a igreja com capacidade para 400 pessoas sentadas tem também altar, pedestais e pia batismal ornamentados com as pedras. Tirando as doações de minerais, o custo chegou a R$ 800 mil.
A pedagoga Tatiana de Farias Müller, 40 anos, e o vendedor Marcio Müller, 41, moradores de Estância Velha, estiveram por dois dias na cidade em julho e impressionaram-se com a magnitude do prédio. O casal é luterano. Marcio conta que sempre gostou de cristais e teve curiosidade de conhecer a mística do município quando soube da história por meio de um site. Tatiana elogiou a atitude de Ametista do Sul:
— Achei incrível a cidade abraçar, bem na área central, a questão do sincronismo entre o místico e o religioso, simbolizados por esses belos monumentos (pirâmide e a igreja).
As pessoas sentem algo diferente quando estão dentro do templo, relata o padre Giacomoni:
— Elas chegam a ficar com as costas grudadas nas paredes de pedras para se energizar. Os turistas vêm à missa, depois vão à sacristia conversar comigo e começam a falar da energia: “Como é bom ficar aqui, padre. Como é bom rezar aqui!”. Para a gente, às vezes é até difícil de entender, mas cada um tem uma crença, uma forma de interpretar.
A paróquia de Ametista do Sul também recebe pagadores de promessas. Casais que não conseguiam ter filhos, diz o padre Giacomoni, voltam à igreja para batizar as crianças. Segundo o pároco, já foram batizadas crianças de Porto Alegre e até de São Paulo. O religioso afirma não saber se é o poder da mente, da fé, das pedras ou de tudo isso que ajuda a tornar os pedidos realidade. Ele próprio já foi até a pirâmide para se energizar.
— Acho bonito, tanto na igreja como na pirâmide. A gente se sente bem. Sai um pouquinho da linha da religião católica, mas acredito que Deus está também nas pedras — diz.
Com o sucesso da igreja coberta de minerais, Giacomoni sonha com o crescimento do município a partir do turismo. Por isso, novamente com a ajuda dos fiéis, está construindo ao lado da matriz um mirante de 54 metros de altura com vista para as montanhas que cercam Ametista do Sul. No alto da torre, uma pirâmide e uma cruz que juntas terão nove metros de altura darão o toque final à obra, cujo custo deverá chegar a R$ 1 milhão. A inauguração está prevista para 2020.
— Precisamos construir coisas que segurem os turistas na cidade. Eles estão acostumados a irem embora no mesmo dia. Queremos que durmam aqui. Não penso só na igreja, mas no desenvolvimento da cidade — justifica.