Das coxilhas que moldam o município de Júlio de Castilhos, nos limites de Nova Palma, na Região Central, o escultor Rogério Bertoldo, 48 anos, fez sua galeria de arte. Em uma área de seis hectares no distrito castilhense de São João dos Mellos, ele expõe algo em torno de 600 esculturas em pedra de arenito feitas por ele ao longo dos últimos 13 anos.
É uma grande exposição ao ar livre e em constante transformação. A visita de um dia pode não ser a mesma de um passeio na semana seguinte, porque Bertoldo esculpe sem parar, com a obstinação de quem não tem tempo a perder, apesar de ele não cultivar preocupações de ordem cronológica.
Isso ficou para trás, na época em que o descendente de italianos e filho de agricultores confrontava a ordem natural do destino que a família havia traçado: seria um homem do campo, do cultivo de fumo, milho, feijão...
Foi chamado de louco quando deixou escapar que pretendia fazer um jardim de esculturas no quinhão de terra que herdou. O sonho ficou resguardado, enquanto Rogério se aventurava nas artes marciais. Manteve-se em atividade nos tatames como educador por 17 anos, até 2004. Foi nessa época que conheceu a esposa, Giselda Moro Bertoldo, com quem passou a cultivar os planos do jardim. Em 2005, Rogério pediu licença aos mestres orientais e foi buscar as pedras para a primeira escultura. Em 12 dias, a figura de um leão robusto e de juba farta, talhada a machado e faca de cozinha, reinava soberana na coxilha.
Era o começo do Jardim das Esculturas.
Animais aparecem muito entre as obras que ornam o lugar, mas a referência pela cultura e pelos ensinamentos orientais fica evidente. O escultor começou a ter contato com a literatura oriental de Confúcio e outros autores ainda na adolescência. Dedicou cinco anos à meditação e dali retirou os insumos para o estilo de vida que leva. O pai dele, morto em um trágico acidente em 2005, recebeu as influências do filho e também se aventurou a meditar, rever a dieta carnívora e avaliar diariamente o sentido da existência. Viu somente cinco esculturas do sonho de Rogério.
– Eu projetava esse jardim, queria ver o mundo aqui. Quero que minha obra convide as pessoas a refletir sobre a própria existência e para que despertem sobre seus potenciais. A vida é agora. Não é passado, nem futuro – ele diz.
Do portão de acesso à frente do prédio da recepção, os visitantes percorrem um corredor de enormes esculturas de asanas, as posturas da ioga. São 60 imagens construídas por Rogério ao longo dos primeiros cinco anos da organização do espaço. Ao final desse corredor, um grande buda, esculpido em blocos de pedra de 18 toneladas, convida o visitante a contemplar e a refletir sobre os limites que as mãos podem impor à imaginação. Para Rogério, nenhum.
– (As mãos) são nossa manifestação terrena. Com elas, fazemos o bem ou o mal – filosofa.
A habilidade em moldar gigantescas pedras não é resultado de formação específica. Rogério estudou até a sexta série do Ensino Fundamental e foi à primeira exposição de arte somente em 2014, na Bienal de Esculturas do Chaco, na Argentina.
Até então, saboreava o talento nato, aprimorando-o com o trabalho diário. Ele produz, em média, uma obra por semana e, nos primórdios do jardim, tinha como ferramentas apenas machados, facas de cozinha e lixas. Consumia cerca de 20 machados em um ano, cegos da lida brutal de dar delicadeza ao arenito. Além das obras no jardim, há pelos menos outras 300 espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, frutos de encomendas de visitantes que conheceram o trabalho de Rogério e não se contiveram em tê-lo somente em memórias de um passeio. Mas o que fica ali nas coxilhas tem sempre um sentido.
Giselda mostra as esculturas que retratam os pais de Rogério – em pontos de destaque do jardim e a única obra em pedra-sabão: ela própria.
– Costumo dizer que vivo em um paraíso feito por Deus, esculpido por meu amor e cuidado por mim – afirma, orgulhosa, repetindo a frase gravada em uma placa na identificação da peça que inspirou.
No Jardim das Esculturas, Giselda e Rogério organizaram um ambiente de convívio familiar. Entre as esculturas, há espaço para fazer piqueniques, com direito a levar animais de estimação, sempre bem-vindos desde que não criem nenhuma animosidade com os cães e gatos da casa. São 10 cachorros – a maioria resguardada em dias de visita – e sete gatos, que nem sempre dão as caras entre o público. A cadela Pretinha, vizinha do lugar, é uma das "guias".
O casal também organizou um roteiro, batizado de Trilha da Consciência, em que está retratada, como a Via-Crúcis de Cristo nas paredes dos templos católicos, a saga de Rogério até realizar o sonho do jardim. O percurso de aproximadamente um quilômetro é vigiado por esculturas às margens da trilha com frases motivadoras e reflexões acerca de conduta, otimismo e gratidão.
O caminho passa por um lago, por outro "canteiro" de esculturas e segue ao largo de um riacho encoberto por mata nativa. Entre as árvores, foi montada uma pequena pracinha em madeira para que as crianças também aproveitem a aventura, encerrada no alto da Montanha do Silêncio, um dos morros que fazem guarita ao jardim com acesso tranquilo por um caminho demarcado por dormentes. Lá esperam mais esculturas, a maior delas, um buda de seis metros de altura feito em blocos de arenito com 40 toneladas. Há bancos para descansar e conversar com o silêncio.
Via de regra, é Giselda quem acompanha os visitantes, porque Rogério dedica os dias a esculpir. Fica boa parte do tempo no galpão ao fundo do jardim, onde trabalha nas gigantescas peças. Sem o público de fora, a quietude dali é quebrada pelo barulho da talhadeira.
– Sempre digo que nunca trabalhei, porque esculpir é uma diversão – revela.
Encravado em uma região de belezas naturais com um apelo turístico tão competente quanto a serra gaúcha, mas sem a mesma visibilidade, o Jardim das Esculturas vem sendo descoberto aos poucos, mas constantemente. Aliás, Rogério passou dois meses em Nova Petrópolis a convite de um admirador de seu trabalho para deixar por lá quase 40 exemplares do talento que esbanja na Região Central. Não se adaptou longe da terra em que cresceu e voltou a São João dos Mello.
Nos finais de semana, o Jardim das Esculturas recebe até 500 pessoas curiosas para conhecer o local. Nos registros de visitantes, há gente procedente de mais de 50 países. Ao menos em um domingo do mês são promovidos encontros para a prática de ioga. Já se vislumbram melhorias com mais atrativos. Ao lado do jardim, Giselda está à frente de um restaurante vegetariano, aberto para receber os grupos em passeio pelo lugar. A dieta vegetariana é seguida por ela e Rogério há décadas, mas desde janeiro ele se tornou vegano, ao que credita boa parte da saúde invejável e a disposição para produzir as esculturas "de domingo a domingo". O casal também planeja organizar um espaço para hospedagem, atento à crescente demanda de praticantes da meditação que buscam a tranquilidade e a boa energia do lugar.
Com uma produção incessante, Rogério já prevê o desafio de acomodar nos seis hectares as futuras esculturas. Em alguns pontos, o espaço já está limitado para novas "mudas", germinadas na intuição do artista, que se vale de fotos para produzir as peças encomendadas, mas, quando as faz para o jardim, baseia-se no que mentaliza previamente antes do primeiro talho na rocha. A matéria-prima vem da própria região – comprada ou doada.
– Não coloquei uma meta quanto a um número de esculturas. Quero só viver o que eu faço. Viver um dia de cada vez, viver o presente. Expectativas tiram a gente do eixo – ensina.
Como chegar
O Jardim das Esculturas fica na área rural de Júlio de Castilhos, mas o melhor acesso não é pela região central do município, cujo acesso principal é via BR-158. O espaço está no limite com Nova Palma, cidade da chamada Quarta Colônia de imigração italiana. O melhor trajeto, para quem sai de Porto Alegre, por exemplo, é seguir pela BR-386, acessar a RS-287 e, em Faxinal do Soturno, pegar a RS-149. Parte do trajeto é de estrada de chão, mas as condições, mesmo que tenha chovido, são de boa trafegabilidade. A sinalização é especial: enormes mãos de arenito indicam o caminho no labirinto de estradinhas entre morros. As obras de Rogério Bertoldo estão em totens pelo trajeto e também ornamentam a entrada de algumas propriedades rurais até São João dos Mellos, o que ajuda a guiar os visitantes. A paisagem até o lugar é encantadora e, se não houver pressa, oferece mirantes naturais para contemplar o que a natureza dali oferece.