Apesar de ter sido aprovada no Congresso Nacional com o discurso de endurecimento das penas para motoristas embriagados que causarem mortes, a lei nº 13.546/17, que entrou em vigor nesta quinta-feira (19), é vista como um "tiro no pé" pelo promotor criminal gaúcho IoannisFedrizzi Petalas. Na avaliação jurídica do promotor, ao inserir a tipificação de homicídio culposo (sem intenção de matar) para os casos em que o condutor bêbado provoca morte, a lei impede que os promotores acusem esses motoristas por homicídio com dolo eventual (em que se assume o risco de matar).
Com isso, a nova lei deixa a punição fica mais dura, mas restringe a acusação a um crime mais leve. Na prática, antes dessa lei, segundo o promotor, um motorista bêbado que matou alguém poderia ser acusado por homicídio doloso, gerando penas de seis a 12 anos de prisão. Com qualificantes, a pena variava de 12 a 30 anos de reclusão. Com a nova lei, restringido esses casos a homicídios culposos, a pena passou a ser de cinco a oito anos de prisão.
— Essa lei é um tiro no pé. Em uma primeira leitura, a gente pode depreender que melhorou, que tornou mais rigoroso. Só que, quando consideramos o mesmo crime como dolo eventual, passa a ser homicídio doloso, regulado pelo Código Penal, com qualificadoras que vão de 12 a 30 anos de prisão.
A nova lei inseriu novidades no Código de Trânsito Brasileiro. Até então, a legislação específica de trânsito não falava sobre os tipos de homicídio, permitindo que o delegado, ao indiciar, e o promotor, ao acusar, interpretassem os fatos e, recorrendo ao Código Penal, optassem por uma tipificação mais leve (culpa) ou mais dura (dolo). Diante da nova lei, segundo o promotor, só é possível utilizar a legislação específica, restrita a homicídio culposo.
— No direito, uma lei especial predomina sobre a geral. Como o Código de Trânsito é específica, temos que aplicá-lo sempre. Antes, dependia do entendimento do promotor. Até ontem. A partir de agora eu não tenho mais essa possibilidade de entender que foi um homicídio doloso. É um imenso problema. Foi um tiro no pé. As pessoas acham que melhorou, mas não melhorou. Até pode ser que algum colega queira fazer a denúncia por dolo eventual, mas não tem como. Existia uma possibilidade de interpretação, e não existe mais — avalia.
Com a nova lei, a pena para lesão grave ou gravíssima subiu para mínimo de dois e máximo de cinco anos de prisão e, no caso de mortes, para mínimo de cinco e máximo de oito anos de reclusão. Como a legislação penal impede a fixação de fiança por parte do delegado para crimes com pena máxima superior a quatro anos, outra consequência da lei é que os condutores enquadrados nesses casos serão levados, ao menos temporariamente, à cadeia.
— A principal diferença é que, a partir de hoje, tanto no homicídio, quanto na lesão, sob efeito de embriaguez, não cabe mais fiança (imposta pelo delegado). Claro, isso será analisado por um juiz, já que o flagrante é imediatamente enviado ao Judiciário, e ele poderá conceder fiança ou não — explicou Carlo Butarelli, titular da Delegacia de Homicídios de Trânsito de Porto Alegre.
Para o delegado, não está claro, pela nova lei, se os motoristas embriagados que causarem mortes poderão ou não ser indiciados por homicídio doloso (com intenção) ou com dolo eventual (sem intenção, mas assumindo o risco).
— Ainda vai haver uma discussão muito grande sobre o homicídio culposo com o dolo eventual, que é a situação em que o motorista não quer o resultado (da morte), mas assume todo o risco de produzi-lo. Como não tinha essa previsão (no Código de Trânsito Brasileiro), as autoridades se utilizavam subsidiariamente do Código Penal, no chamado dolo eventual. Vamos ter muita discussão jurisprudencial, porque vai haver casos concretos — comenta.
Outro delegado especializado em trânsito ouvido pela reportagem, que preferiu não se identificar, resume o seu entendimento da lei da seguinte forma: "A emenda saiu pior que o soneto". Na opinião desse policial, a nova lei pode, sim, abrir brechas para que casos dolosos sejam entendidos apenas como culposos.