João Satt vê o futuro com empolgação. Aos 61 anos, o publicitário e estrategista de marcas diz que novas tecnologias como robôs, análise de dados para a compreensão de gostos e inteligência artificial vão mudar radicalmente a sociedade. Fascinado, argumenta sobre as acentuadas diferenças geracionais verificadas hoje em dia e sobre a necessidade de inovação das empresas, sob o risco de desmoronarem. Ele recebeu GaúchaZH no G5, uma das principais agências de publicidade de Porto Alegre. Na empresa, mantém um núcleo de inteligência para pesquisar tendências, com o objetivo de posicionar instituições em novos cenários. Em seu discurso, cita os sociólogos Zygmunt Bauman e Frederic Laloux – este, best-seller de gestão que divide as organizações conforme "níveis de consciência", associadas a cada geração. Em dado momento, levanta e vai ao quadro para desenhar gráficos de comportamento. No dia seguinte, liga para o repórter: "Não fui muito caótico?". Confira a entrevista a seguir.
O senhor fala que passamos por uma crise de consciência e que estamos "gerundiando". O que quer dizer com isso?
O "gerundiando" tem muito a ver com o "ing" do inglês. "I'm doing", "I'm trying" (estou fazendo, estou tentando). Revela que estamos indo, você não está onde você estava, mas ainda não chegou aonde quer, ou seja, está se deslocando. Isso tem a ver com a transitoriedade que vivemos atualmente, que fala de forma muito direta com o que (o sociólogo Zygmunt) Bauman preconizou no livro A Modernidade Líquida. As formas começam a perder forma, começam a se transformar em algo que só o tempo mostrará aonde vai chegar. O "gerundiando" é uma brincadeira minha: empresas e pessoas estão se transformando. É quando você não consegue ter posição permanente em relação a algo.
Qual é o modelo de organização da geração Y (formada pelas pessoas nascidas entre 1985 e meados da década de 1990, também chamados de millenials)?
O Y não se sente confortável no modelo de empresas utilitaristas que são apenas orientadas pelo lucro, sem nenhum propósito além de ganhar dinheiro. Ele questiona, não tem certeza de que isso é errado, mas tem o sentimento de que isso não é o melhor para si. Ele pega também um "unemployement" (desemprego) mundial. Mas esse questionamento ainda está muito diferente da sobrevivência. Uma coisa é o que penso e digo em uma conversa de bar, outra é o que levo para a realidade do dia a dia, porque preciso pagar condomínio, aluguel. O conchavo pelo poder agride o millenial da mesma forma como abrir o vidro da janela e jogar um maço de cigarro fora, algo que era muito comum um pouco antes, na geração X (formada por pessoas nascidas entre as décadas de 1960 e 1970).
De onde vem esse comportamento, esse apreço por ecologia e a busca pela autenticidade nos millenials?
Não sei dizer a origem disso, não consigo chegar nessa essência. O que percebemos é que se trata de um movimento, que começa a tomar cada vez mais força. Quando você analisa qualquer curva em um gráfico, pode ser a evolução da modernidade, por exemplo, você encontra as sigmoides, que são as curvas que representam pequenos grupos de rebeldes em uma multidão. São eles que constroem uma revolução. A turma que resolveu não trabalhar nas organizações já estabelecidas resolveu empreender. E aí se deu conta da realidade dura e cruel que é montar um negócio. Isso caracteriza muito esse movimento de insatisfação.
As empresas estão se adaptando de acordo com as novas gerações?
Sem dúvida. O nível de ambição se modificou. Você sai do baby boomer, ou geração X, que teve um pico, mas foi questionada com a ascensão dos millenials e, novo movimento, um modelo de calma trazido pela geração Z (pessoas nascidas entre meados de 1990 e 2010). A Z é uma geração que nasce na virada de milênio e que tem, no limite, 23 anos. E ela tem isso de deixar o mundo andar com a sua opinião – eu tenho a minha, pronto. Há ainda um componente que eu acho inebriante, eu que sou baby boomer, com 61 anos: nós esperamos completar 60 anos para aproveitar e buscar a vida relax. Já o sujeito da geração Z diz: "Hello, para que esperar tanto, eu quero me sentir bem agora, já!". A diferença do Z para o X é que o X quer acumular, chegar ao fim da vida com uma porrada de IPTU para pagar. O Z quer alugar uma casa nas Malvinas por uns dias e depois voltar, não precisa de um jato para ele, vai de econômica mesmo. O mais curioso é o convívio quase ecumênico dessas gerações todas.
Veio a era do marketing e deu-se início à era do cliente, mas o cliente visto como alguém para eu seduzir e comprar meu produto. Hoje, olhamos para as pessoas não só como consumidoras. Para chegar nelas, é preciso emocioná-las com algo que tenha significado. Deve-se trazer a ênfase ao ser humano – tudo o que se referir a relacionamento, experiência calorosa e propósito social tende a ser atraente.
JOÃO SATT
Publicitário
Essa é a crise de consciência a que o senhor se referiu antes?
A crise de consciência passa por tomar consciência de que a grande crise não é a crise político-social-econômica brasileira. O Brasil sempre teve essa crise. A grande crise é a da comoditização. Tudo ficou igual. Toda oferta é muito parecida. E a internet trouxe um efeito catastrófico para as indústrias em geral: é uma grande vitrine. Até então, você ia em lojas. Agora, você vai na internet, coloca "celular iPhone" e encontra 10 lugares vendendo a mesma coisa. Isso é uma commodity, um bem assemelhado que é comprado por preço. Se você for analisar sob a ótica do valor para as pessoas, são pouquíssimas as empresas que se desenvolveram olhando o que era realmente importante para as pessoas. As empresas se desenvolveram olhando o que era bom para o negócio. Eu vendo mais, então ganho mais.
De que forma essa comoditização afeta as relações sociais? Há analistas que afirmam que as pessoas se "produtificam" agora, vendendo a própria imagem. Como ocorre no Tinder, por exemplo.
A real é a seguinte: há toda uma mudança comportamental. Há um processo que começa em uma tomada de consciência, você muda a sua cultura e, consequentemente, passa a agir de forma diferente. A grande mudança que ocorre nesse processo, com as redes sociais, é a superficialidade. Somada a uma questão da instantaneidade, tudo fica muito rápido. E aí você não tem o direito de se expor. Tudo que você fala se multiplica de um modo que você não consegue gerenciar.
Mas as pessoas se expõem muito atualmente, não?
Sim. E são mais criticadas por isso. Então, há pessoas que surgem do nada, com uma bandeira que faz sentido para milhões. E aí vem o sentimento de pertencimento a alguma causa. Há movimentos libertários feitos por quem se libertou e que, antes, não tinha voz para fazer isso. E é o que as empresas buscam, no fundo. As empresas estão atrás de propósitos porque são grandes imantadores que atraem as pessoas em meio à multidão. Simplesmente vender um produto por vender é uma commodity. Você tem que transformar uma commodity em algo relevante. Você vê cada vez mais uma distinção entre quem vive para trabalhar e quem trabalha para viver. O time dos que trabalham para viver vai ganhar esse campeonato.
Por quê?
Existe um fortalecimento do ser humano como essência. Porque a máquina está ocupando todas as funções repetitivas. Estamos saindo da era da escassez para entrar na era da abundância. O grande desafio das marcas é construir um elemento comum de relação entre baby boomers, geração X, os millenials e geração Z em uma mesma loja.
Caminhamos para uma vida conveniente. A conveniência estará no serviço, em você colocar óculos de realidade virtual e fazer compras no supermercado, que saberá do que você gosta, do que seu filho gosta. Tempo e conveniência vão moldar o futuro. Ter mais tempo para viver a partir de uma vida mais conveniente.
JOÃO SATT
Publicitário
Como fazer isso? Cada recorte geracional tem uma demanda.
Primeiro, é preciso aceitar que não se vai ganhar todos. Segundo, deve-se trazer a ênfase ao ser humano – tudo o que se referir a relacionamento, experiência calorosa e propósito social tende a ser mais atraente.
Mas isso não costuma estar relacionado a um custo maior? As gerações mais antigas talvez não façam questão de pagar por isso.
As mais velhas e menos informadas, não. Mas estamos falando de traços e tendências que tendem a aumentar. Há um exército que acha que isso é bobagem, que chamamos de detratores. Agora, dentro daquilo que está chegando, onde cada vez mais vão-se substituir carruagens por automóveis, é isso o que está acontecendo. Pegue a indústria do petróleo versus energia limpa: haverá uma substituição brutal. E isso não vai levar 10 anos para acontecer. Como uma marca constrói relevância? Pela primeira vez, falava-se que, durante muito tempo, as empresas eram voltadas à produção. Depois, veio a era do marketing e deu-se início à era do cliente, mas o cliente visto como alguém para eu seduzir e comprar meu produto. Hoje, olhamos para as pessoas, que estão no centro, não só como consumidoras. Para chegar nelas, é preciso emocioná-las com algo que tenha significado. Quando falo de feira orgânica, falo de significado, de uma consciência que está por trás disso.
Dentro de uma empresa, o que as gerações mais antigas podem aprender com as mais novas e vice-versa?
Entendo que as gerações mais novas têm muito medo. Elas têm medo do que está acontecendo, elas olham para trás e veem que as gerações mais antigas eram mais estáveis. A troca do namorar pelo ficar foi um crime para os jovens. Gerou insegurança de ambos os lados. Em alguns movimentos como esse, há um aprendizado mútuo. Ficar muito tempo com alguém pode ser chato, mas ficar pouco tempo gera insegurança. Ao mesmo tempo, também trouxe contribuição para o equilíbrio entre os gêneros, porque o homem ou a mulher podem dizer que não querem mais. O grande aprendizado que a nova geração tem com os mais antigos é a consistência. E o que os mais antigos aprendem com os novos é a consciência em relação ao tempo e à vida. A vida não pode mais ser adiada para ser vivida.
A instabilidade dos mais jovens não está relacionada à liquidez do mundo e à falta de emprego, por exemplo?
Sim. Há um esgotamento de modelo. Mas você já viu alguém abrir mão de poder? A abundância permeia tudo isso. O jovem não tem acesso a essa abundância porque ela está represada por algumas pessoas. Mas olha a dessalinização: não vamos mais ter problema de água, só que, ao mesmo tempo, há gente que morre de sede. Sem ir para a questão política, porque não quero falar disso: o que a gente percebe é que esse jovem tem grandes oportunidades, mas uma necessidade do real. Posso morar em Dublin ou Londres, mas em algum momento tenho de olhar para a minha raiz, ver o que construí. A questão da construção se dá principalmente quando você formaliza uma relação, quando casa e tem um filho e tem um compromisso.
Os mais novos têm uma ânsia por reencontrar as próprias raízes?
Eles têm uma necessidade, isso é típico do ser humano. Na pirâmide de necessidades de Maslow, que fala sobre a realização de necessidades básicas, há um segmento médio que é de acumulação e de realização pessoal. Isso está mudando. O american dream, do sucesso, está mudando.
Há questões que, cada vez mais, ganham espaço: big data (grande banco de dados armazenado na internet), inteligência artificial, robôs... Vocês têm um braço na agência g5 que ajuda a construir as lojas do futuro (o G-Data). Como serão essas lojas?
Vamos falar do G-Data primeiro. Há duas tendências nas organizações. O jovem quer se sensibilizar para comprar em uma empresa com propósito e acha bacana trabalhar em uma organização com ideal. Mas quero falar sobre dados. O marketing do futuro é sustentado por você antecipar, ter condição preditiva em relação a seu cliente. E isso você só consegue com dados. Você assiste, na Netflix, a filmes de uma categoria, e a Netflix diz para você assistir outros filmes, predizendo tendências.
O jovem que hoje tem 12 anos será um acelerador de mudanças mais tarde.
JOÃO SATT
Públicitário
Há críticas a essa lógica dos algoritmos, sobretudo porque ela forma bolhas nas quais você só vê o que lhe interessa ou lhe é familiar. Há perigo nisso?
Não sei. Esses insights são mais amplos, não adianta só olhar para a internet. Você conhece uma pessoa interessante no Instagram e vai atrás no Spotify ver o que ela escuta. Agora, imagina um algoritmo que faz isso 200 milhões de vezes mais rápido.
O senhor fala que tudo vai mudar em 10 anos por causa da tecnologia. O que vai mudar?
Caminhamos para uma vida conveniente. A conveniência estará no serviço, na previsibilidade, em você estar num ambiente, colocar óculos de realidade virtual e fazer compras no supermercado, que saberá do que você gosta, do que seu filho gosta e vai dizer se há promoções para você e sua família. Isso não é loucura, já está acontecendo. Tempo e conveniência vão moldar o futuro. Ter mais tempo para viver a partir de uma vida mais conveniente.
O senhor acha que teremos mais tempo para viver? Porque a tecnologia sempre vem com a promessa de facilitar, mas seguimos trabalhando bastante.
O grande disruptor cultural não é o millenial. É a geração Z. Ela será a grande impulsionadora da revolução tecnológica. Ela diz que viver para trabalhar é um vício. E os mais jovens terão as tecnologias naturalizadas. Esse jovem que hoje tem 12 anos será um acelerador de mudanças mais tarde.