Por Luiz Gonzaga Silva Adolfo
Doutor em Direito pela Unisinos, professor da Unisc e da Ulbra
Em cartaz nos cinemas, o filme The Post: A Guerra Secreta, de Steven Spielberg, narra uma história real que se passa nos EUA do início da década de 1970, quando o então presidente Richard Nixon enfrentava críticas em decorrência da Guerra do Vietnã. Na época, jornalistas do The New York Times receberam documentos confidenciais do Pentágono e publicaram aquilo que já se desconfiava: que a atuação no Vietnã era uma perda de tempo, de dinheiro e, acima de tudo, significava o sacrifício de vidas dos norte-americanos.
Mas, acionado pelo governo Nixon, o Times teve contra si uma decisão judicial mandando suspender as publicações, sob alegação de espionagem e quebra da segurança. Os documentos, no entanto, chegaram à redação do Post, que a essa altura lutava para sobreviver na concorrência com seu coirmão melhor estruturado (o Times), preparando-se para abrir o capital com o lançamento de suas ações no mercado.
A decisão de publicar ou não o material, que levaria ao público informações de ações desastrosas que perpassaram quatro governos diferentes, coube a Katharine "Kay" Graham (Meryl Strep), proprietária e publisher do jornal, instigada pelo editor-chefe Bem Bradlee (Tom Hanks). A partir daí, mostra-se a tensão na redação, meticulosamente reproduzida, e a decisão final da Suprema Corte do país, que, por seis votos a três, invocou a Emenda nº 1 e liberou a publicação dos Pentagon Papers.
A liberdade de expressão originou-se, como o direito de informação, do preceito liberal da liberdade de palavra. Basta recordar o gosto desenvolvido na cultura helênica pelo uso da palavra nas assembleias públicas, que era reconhecido a todos os cidadãos. A liberdade de palavra engloba a liberdade de pensamento, pois não teria sentido a liberdade de pensamento sem a liberdade de sua emissão.
Consequência lógica foi a constitucionalização da liberdade de expressão na sua forma mais específica – a liberdade de imprensa. Embora ambas tenham surgido como se englobassem a mesma realidade, historicamente a liberdade de informação passou a ter valor jurídico diferente da manifestação de pensamento.
As fronteiras são tênues, elas inclusive coexistem em um mesmo veículo, mas é preciso não confundir as duas essências. A liberdade de informar presume imparcialidade e tem como função social contribuir para a elaboração do pensamento, enquanto a liberdade de expressão é parcial e tem como função social difundir um sentimento já elaborado.
Assim, a maioria avassaladora dos doutrinadores, filiados às mais variadas correntes, mesmo partindo de uma disciplina comum entre expressão e informação, logo chegam a uma distinção significativa entre os dois institutos, admitindo a fundamentação de um direito de informação distinto, em sua natureza, da liberdade de expressão.
Expressar uma ideia, ou uma opinião, não encontra, necessariamente, apego aos fatos, à veracidade, à imparcialidade. São atributos que não lhe cumpre preencher. Informar, contrariamente, como bem jurídico que é, não pode ser confundido com a simples manifestação do pensamento. Aquele que veicula uma informação é responsável pela demonstração de sua existência objetiva, despida de qualquer apreciação pessoal.
Vale dizer que, em um Estado democrático de direito, espera-se do emissor de uma notícia, como postura denotadora de apreço pela verdade, o diligente contato com todas as fontes, para exame e confrontação delas, bem como o uso de todos os meios disponíveis indispensáveis à confirmação da idoneidade do fato ocorrido antes de sua veiculação.
O constitucionalista português Jorge Miranda, mesmo partindo de um reconhecimento de certa imbricação, atesta a diferença. Diz que, primeiramente, a liberdade de expressão de um pensamento decorre da própria liberdade de pensamento, sendo a sua manifestação uma garantia de todos. Diversa é a liberdade de comunicação social, que, sendo em si mesma a liberdade de expressão e de informação pelos meios específicos das mídias, tem ligação igualmente com outros direitos, como as liberdades de associação e iniciativa econômica.
A liberdade de expressão é essencialmente individual, mesmo quando exercida sob formas institucionalizadas; a liberdade de comunicação social é institucional, pois depende da organização de uma empresa, mesmo que seu exercício se dê, em maior ou menor medida, a partir de atos de indivíduos (jornalistas, articulistas, leitores, telespectadores).
Ambas estão situadas plenamente no campo dos direitos fundamentais. A liberdade de expressão, particularmente, já era salientada pelos autores muito antes do atual período de democracia em que vivemos, sendo vinculada diretamente com a dignidade da pessoa humana. Em tempos bicudos, seja nos EUA, devido à postura de conflito de Donald Trump para com a imprensa, e também no Brasil, onde o assunto volta com frequência aos debates, vale a reflexão.