A ciência já sabe que ser solidário faz bem à saúde e que fazemos o bem porque a natureza privilegiou aqueles que trabalhavam em equipe. No entanto, colocando a biologia evolutiva e os instintos de lado, o que motiva, conscientemente, algumas pessoas a doarem seu tempo para desconhecidos? O consultor de compras Ervandil Schiavon, 42 anos, desdobra-se em vários para participar das atividades como voluntário na empresa metalúrgica em que trabalha, no Banco de Alimentos e na Associação Comunitária Amigos do Bairro Sarandi. Já o servidor público federal Luís Antônio Ribeiro, 53 anos, se envolve com o grupo de escoteiros dos filhos, na expectativa de incentivar os jovens ao voluntariado. Ambos dizem que sentem uma grande satisfação após contribuírem para melhorar a realidade.
Tanto Schiavon quanto Ribeiro contribuem para o Banco de Alimentos. Quem também quiser ajudar o próximo pode participar da campanha Natal do Bem, do Grupo RBS. A iniciativa arrecada doações para a ONG (veja mais abaixo).
Ajudar quem precisa foi algo que Schiavon aprendeu na infância. Aos oito anos, ele saiu de São Martinho da Serra, na Região Central, e foi morar em Porto Alegre, após insistentes convites das irmãs Almerinda e Leonir, na época com 30 anos, que visualizavam um futuro mais esperançoso para o irmão na cidade grande. Com um pouco de receio, ele trocou o Interior pela Capital para ser criado pelas irmãs ao lado do irmão de um ano e dos dois sobrinhos, de três e cinco anos.
Em meio à infância modesta na casa do Partenon, o jovem Schiavon aprendeu com as irmãs uma importante lição: doar-se. Religiosas, as adultas da casa pregavam a empatia para com os necessitados. E a filosofia se traduzia em um singelo hábito: ao realizarem uma promessa e vê-la cumprida, a família retribuía a boa notícia com a doação de uma cesta básica de alimentos para uma família pobre.
— Eu dizia que, quando tivesse dinheiro, compraria uma Kombi e sairia arrecadando doações para as pessoas. Minhas irmãs diziam que tínhamos de ajudar as pessoas, e isso ficou em mim. Uma vez, fomos sorteados para uma moradia popular na Cohab da Rubem Berta, depois de ficarmos na fila de espera. Para nós, foi uma realização. Aí, compramos uma cesta básica e levamos para uma família que morava na Agronomia. A gente fazia isso de costume: nem se apresentava, só batia na porta, dizia que tínhamos uma cesta básica para doar e íamos embora, com a certeza de que, naquele dia, as crianças dormiriam sem fome — lembra.
Hoje, quando uma promessa é alcançada, lá vai Schiavon doar alimentos. Na empresa de metalurgia em que trabalha, na zona norte da Capital, ele coordenou por quatro anos a arrecadação de alimentos para o Banco. Hoje, ele expandiu o esforço e é voluntário no Sábado Solidário, que arrecada alimentos no primeiro sábado de cada mês em diversos supermercados da Capital, e nos trotes solidários praticados por aprovados nos vestibulares de Medicina em instituições como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Mas isso não basta para Schiavon. Ele ainda é extremamente ativo no próprio Sarandi. Insatisfeito com problemas no bairro e decidido a fazer a diferença, ele integra a Associação Comunitária Amigos do Bairro Sarandi. Após aceitar o conselho de vizinhos, ele toma parte nas discussões do Orçamento Participativo para solicitar melhorias na região – passando por buracos na rua, alagamentos em arroios ou postes com lâmpadas quebradas.
— A gente tem de fazer as coisas acontecerem. Eu poderia estar em casa vendo TV, mas prefiro administrar meu tempo. O pouco que a gente tem dá para compartilhar e fazer a diferença. De pouquinho em pouquinho, dá um somatório gigante que cria uma corrente do bem — reflete.
De escoteiro para escoteiro
O servidor público federal Luís Antônio Ribeiro, 53 anos, lembra com apreço a época em que foi lobinho e, posteriormente, escoteiro, nos anos 1970. As lições de ajuda ao próximo e de independência contribuíram para que ele formasse sua identidade. E, de tão positivas, as memórias o motivaram a colocar os filhos Leonardo, hoje com 11, e Lucas, 17, para atuarem no Grupo Escoteiro Arno Friederich, no bairro Jardim Lindoia.
Ao testemunhar o envolvimento dos rapazes, a saudade bateu. E após ser convidado pelo pai de um colega dos filhos, que atuava como voluntário no grupo, Ribeiro voltou a ser “escoteiro”, mais de 30 anos depois após ser lobinho. Desde 2008, ele ajuda a coordenar grupos de jovens em trabalhos voluntários para o Banco de Alimentos. Entre as atividades, relata, estão os Sábados Solidários, nos quais os jovens se posicionam em frente a grandes supermercados para mobilizar clientes a contribuir com arrecadações destinadas a instituições que auxiliam pessoas pobres.
— O grande objetivo dos escoteiros é construir um mundo melhor. E isso é feito com os jovens que atuam no trabalho voluntário. Isso os ensina a ficarem mais solidários e mais confiantes, porque eles doam a pessoas que nem conhecem — afirma.
Ribeiro ainda é envolvido em outras associações de impacto à comunidade. Como presidente do Lindoia Tênis Clube, ele aproveita eventos culturais ou feiras para arrecadar alimentos e doações. No Rotary Passo D’Areia e em sua loja maçônica, o servidor público faz questão de posicionar pontos de coleta de arrecadação em reuniões da comunidade.
— Se for analisar, no fundo eu faço isso para mim. Meu trabalho, meu tempo e minha energia disponibilizados ajudam várias pessoas. Ao mesmo tempo, ao sair da minha zona de conforto, também trago mais pessoas para esse tipo de ação. Com isso, eu me torno uma pessoa melhor. E, ao me tornar uma pessoa melhor, mudo o mundo. Dispor-se para o outro não é um esforço jogado fora — avalia.
COMO PARTICIPAR
Onde doar em Porto Alegre?
– Na Zona Sul: RBS TV (Rua Rádio e TV Gaúcha, 189, bairro Santa Tereza).
– Na Zona Central: sede do Grupo RBS (Avenida Erico Verissimo, 400, bairro Azenha).
– Na Zona Norte: Banco de Alimentos (Avenida Francisco Silveira Bitencourt, 1.928, bairro Sarandi).
O que doar?
– Qualquer tipo de alimento não perecível (por exemplo, arroz, feijão, farinha, açúcar etc.).
Qual o horário de atendimento?
– De segunda a sexta-feira, em horário comercial.
COMO FUNCIONA O BANCO DE ALIMENTOS
– A instituição é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que atua como um gerenciador de desperdícios, administrando três operações: coleta de doações, armazenamento e distribuição qualificada de alimentos para entidades beneficentes.
– Atualmente, beneficia 312 entidades de todos os bairros da capital gaúcha, doando 250 toneladas de alimentos todos os meses. O Banco de Alimentos atende exclusivamente entidades cadastradas.
– Qualquer instituição que tenha CNPJ pode solicitar ajuda pelo e-mail balcaodeprojetos@bancossociais.org.br.
– Neste primeiro contato, a entidade deve enviar seus dados – como público que atende, objetivos e quantidade de pessoas. A partir disso, será avaliada por um comitê a possibilidade de doação ou não. Paralelamente a isso, nutricionistas do Banco de Alimentos visitam a entidade para verificar e qualificar itens como higiene e segurança alimentar.
– Atualmente, há fila de espera de entidades para participar do Banco. O critério é atender às instituições mais carentes.
– A quantidade de alimento enviada para cada entidade varia conforme o número de pessoas que ela atende.