Recomenda-se o exercício do comedimento aos amantes do açúcar que pretendem visitar a Feira Nacional do Doce, em Pelotas, um dos eventos mais celebrados do calendário de festas típicas do Rio Grande do Sul, que está agora na 25ª edição. Contenham-se à mesa nos dias que antecederem o passeio, em especial se esta for sua primeira incursão pelo que se pode chamar de Disneylândia das doçuras. Pulem a sobremesa. Concentrem-se para o árduo desafio que se apresentará quando cruzarem o portão de entrada do centro de eventos à margem da BR-116. Tentadora, a Fenadoce oferta ao público uma variedade estonteante de delícias e força um questionamento permanente: quais escolher? Não convém chegar arrastando a mala já pesada de culpa.
São mais de 200 tipos de guloseimas a rechear os balcões dos 42 expositores na Cidade do Doce. Predominam os tons de amarelo das gostosuras à base de gemas de ovos: o campeão de vendas quindim, ninho, olho de sogra, queijadinha, broinha de coco, bem-casado, fatia de Braga, papo de anjo. Além dos doces tradicionais – 15 deles são certificados, vendidos apenas em algumas docerias, com selo de garantia de procedência e respeito à receita original –, com décadas de história, sobra criatividade pelas prateleiras. Há docinhos cobertos com confeitos coloridos, os que simulam o sabor dos churros, os bombons de caipirinha (com cachaça e corante verde).
– Tem até quindim vermelho – surpreende-se Lucas Marmitt, de Dois Irmãos.
Quem vai à feira nos dias de semana encontra corredores vazios e até lugar para sentar – pode-se buscar um banco, de frente para as vitrines lotadas das maravilhas que repousam em forminhas de papel, e admirar a paisagem. Uma boa pedida é aproveitar a calmaria para bater um papo com as doceiras. Eulália Duarte, 59 anos, da Delícias Portuguesas, que herdou da mãe a boa mão para moldar os encantos açucarados da terra natal – a família é de Porto de Mós, em Portugal –, conta como a feira movimenta o negócio. Durante a Fenadoce, a fábrica triplica sua produção. São mais de cem quilos de açúcar e 5 mil ovos utilizados por dia – de dois a três dos 20 funcionários se dedicam com exclusividade à tarefa de quebrar as cascas e separar as gemas das claras manualmente. À reportagem, Eulália oferece uma de suas criações mais cobiçadas: pastéis de nata, recém-saídos do forno e arrematados com canela, acompanhados de um minicálice de vinho do Porto.
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– Fecha os olhos e pensa que está em Lisboa! – orienta a doceira.
A poucos metros dali, Onélia Mendes Leite, 66 anos, da Doces da Onélia, discorre sobre sua especialidade: os cristalizados. Banana, abóbora, pêssego, laranja e goiaba cobertos por uma névoa de açúcar, a R$ 40 o quilo, preenchem o mostruário. Versátil, o figo se desdobra ainda nas versões em calda, figada e coberto com chocolate. "Ai, que tentação!", costumam exclamar os vizinhos da doceira, que têm de suportar o aroma das frutas na fervura. Com 55 anos de experiência, Onélia também produz ambrosia, papo de anjo, doce de ovos, fios de ovos.
– Mas não sou muito de doce. Sou do salgado – confidencia ela, que só pega uma provinha do tacho quando desconfia do ponto ou da quantidade de açúcar.
Questionada sobre o que a faz salivar, revela:
– Um sanduíche bem recheado, com bastante maionese. E massa podre! Uma empada com bastante galinha... Ai, coisa boa!
O movimento se intensifica na noite de sexta-feira e avança pelo final de semana. Dos ônibus desembarcam turistas de diversas regiões do Estado. Luiz Fernando Barcellos, 77 anos, câmera fotográfica pendurada no pescoço, integrava um grupo de aposentados que partiu de São Leopoldo ao amanhecer do último sábado. Obrigado a se submeter a uma dieta para perder peso, não queria pensar em restrições durante a excursão – já estava de posse de uma caixa com 20 quindins, pastéis de Santa Clara, olhos de sogra –, mas deixou escapar um lamento:
– Tô num sofrimento que você não pode imaginar.
Formam-se filas nas docerias famosas, e lá pelas tantas os itens mais pedidos podem começar a escassear. Atendendo a pedidos de amigos e parentes, visitantes chegam a comprar doces em centos para distribuir no retorno para casa. Fora a Cidade do Doce, há ainda os setores da multifeira, com 250 expositores vendendo roupas, calçados e acessórios, e da agricultura familiar, com 50 estandes dedicados a pães, bolos, biscoitos e geleias, entre outros quitutes. A fartura açucarada é tão convidativa que muitos substituem a comida das refeições principais – a família de Lisângela Peter Perleberg, 38 anos, de Arroio do Padre, partilhou uma cuca no almoço. Mirian Weber, 37 anos, que saiu de Guaíba para curtir a Fenadoce com o marido, Joasel Abreu, 39 anos, e o filho, Henrique, oito anos, cada um dos três de posse de um bombom de morango no momento da entrevista, queixou-se:
– Pena que não cabe tanta coisa na barriga da gente.
A Fenadoce é destino até de lua de mel. Passados seis dias da cerimônia de casamento, Janderson, 30 anos, e Isadora Rodrigues, 21 anos, de Santa Cruz do Sul, aproveitaram para provar o doce óbvio: um bem-casado.
– Essa semana tudo pode – justificou a estudante de nutrição quanto a um possível exagero na ingestão de calorias.
Adriana Marques de Oliveira, 40 anos, também veio de longe. Despertou às 4h para pegar um ônibus às 6h.
– Adoro doce – contou a vendedora, fotografando uma mesa decorada com quase 400 docinhos.
Ao relatar que realizava um sonho cultivado havia anos, deu-se conta de que a viagem estava rendendo bem mais do que isso.
– Saí de Dom Pedrito para ser entrevistada na Fenadoce. Me sinto realizada.
SERVIÇO
25ª Feira Nacional do Doce – Fenadoce
- Local: Centro de Eventos Fenadoce (Av. Presidente João Goulart com a BR-116), em Pelotas
- Visitação: de segunda a quinta-feira, das 14h às 22h. Sextas-feiras, das 14h às 23h. Sábados, domingos e feriado, das 10h às 23h. Até 18 de junho
- Ingressos: R$ 8, de segunda a sexta, e R$ 10, aos sábados, domingos e feriado. A maior parte dos doces é vendida a R$ 3,75 a unidade
- Estacionamento: R$ 15
- Atrações: 250 expositores na área de multifeira, 50 estandes na Feira da Agricultura Familiar, 42 estandes de doces, 14 lancherias e dois restaurantes na Praça de alimentação, apresentações artísticas e parque de diversões
- Informações: (53) 3271-0002 e (53) 3271-7104
NÚMEROS
Em 2016, a Fenadoce recebeu mais de 270 mil visitantes, e mais de 2,3 milhões de doces foram vendidos. Neste ano, até a última quarta-feira, 98,5 mil pessoas passaram pela feira, consumindo mais de 700 mil doces.