Em uma sociedade regida pelo imediatismo e pela pressa, se sentimos dor de cabeça, tomamos um remédio em vez de analisar o que está causando a dor. Se as crianças estão inquietas na escola, damos uma pílula para que voltem a se concentrar. Se os jovens estão angustiados, recorrem aos tablets e celulares para desviar os pensamentos ruins. O que está acontecendo com a nossa capacidade de parar, pensar e refletir sobre a nossa vida e a de nossos filhos? Essa é uma das questões que mais inquietam o psicólogo e psicanalista Joseph Knobel Freud.
Americano radicado em Barcelona, Espanha, o sobrinho-neto de Sigmund Freud se tornou um famoso pensador europeu, especializado no tratamento de crianças e adolescentes. Entre outros títulos, é fundador da Escola de Clínica Psicanalítica com Crianças e Adolescentes de Barcelona, membro do conselho da Federação Espanhola de Associações de Psicoterapeutas e autor de diversos livros sobre psicanálise infantil e sobre a paternidade.
Inspirado no legado familiar, Joseph sentiu desde cedo o fascínio pela complexidade do comportamento humano. Na contramão de uma sociedade que busca respostas rápidas, defende que só pela investigação inconsciente, pela análise e pela reflexão o homem pode evoluir. Em seus mais de 20 anos de trajetória profissional, acredita que um dos principais desafios na criação dos filhos é reaprender a se comunicar com as crianças e saber impor limites.
Em passagem por Porto Alegre para participar de um evento organizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia (Iepp) em parceria com a UFRGS, Joseph Knobel Freud conversou com GaúchaZH sobre a formação da psique infantil e sobre os desafios da paternidade no mundo contemporâneo.
Toda a sua trajetória profissional é focada em crianças e adolescentes. O que há de singular em trabalhar com esse púbico?
O que me fascina é a possibilidade de atuar mais e de forma mais profunda na psique, o que é possível com crianças e adolescentes porque há uma maior plasticidade. As possibilidades de mudanças são maiores do que quando se trata um adulto, porque você está mais perto do conflito. No adulto, quando há uma situação conflitiva, o acesso a ela é mais difícil. Já no adolescente e na criança, as situações estão se formando, você trabalha o psiquismo deles em formação.
Ao longo das últimas décadas vivenciamos mudanças rápidas, principalmente tecnológicas. Como o senhor enxerga essas mudanças na forma como criamos nossos filhos?
Acredito que o principal problema está relacionado com a velocidade. Nós vivemos na sociedade do imediatismo. Se acontece algo no Brasil, eu, que estou na Espanha, por exemplo, tenho que saber em um minuto, não posso mais esperar. Absorvemos isso no nosso modo de viver, e acabamos influenciando os mais jovens. Hoje, tudo é rápido, e isso impacta diretamente o psiquismo das crianças. Elas querem tudo "já". Nos restaurantes, por exemplo, a comida é fast food, tudo é fast, e a criança também acaba se colocando no "modo fast". Vivemos na época da fast society, e essa forma de viver gera conflitos. Só que temos de ter consciência de que estes conflitos não podem ser resolvidos também no modo fast. Tanto pais quanto psicoterapeutas não podem sucumbir ao querer tudo rápido, querer soluções imediatas. É importante dedicar tempo para pensar nas coisas. Esse é um dos impactos das redes sociais atualmente. Ninguém mais pensa em nada, temos muita informação, mas não nos damos tempo para refletir sobre elas, para parar e pensar. Na Espanha, e em diversos outros países, as crianças pequenas têm cada vez mais acesso a tablets, iPads, celulares, e isso é terrível. Um exemplo de como acabamos influenciando as crianças a entrar no modo fast é a cena a seguir, cada vez mais comum: em um restaurante, quando os pais vão com os filhos, eles dão o telefone para a criança "se acalmar" enquanto esperam a comida. Ou seja, não há comunicação entre pais e filhos, mas sim entre filhos e a tecnologia. Eu proponho que se brinque com a criança, e não que ela brinque com o telefone.
Atualmente, a percepção que temos é de que os pais não estão mais sabendo "escutar os filhos".
Lamentavelmente, acredito que os pais não estão mais cientes da importância de escutar as crianças. Não existe mais a ideia de que é saudável se comunicar com os filhos. Acredito que estamos perdendo a consciência sobre a importância da comunicação. Uma criança deveria ser ouvida com todos os sentidos, não só com as palavras, mas também com os gestos, que muitas vezes são lúdicos. As crianças se comunicam com a gente brincando, fantasiando, desenhando, criando. Tudo isso faz parte do discurso delas. As crianças deveriam ser escutadas por tudo isso, com as orelhas, os olhos e os sentidos todos abertos. Acredito que as novas tecnologias estão bloqueando, prejudicando essa capacidade de comunicação. A criança que está presa no mundo das telas não é uma criança que consiga se comunicar. E o pai preso a isso também não consegue.
Em um restaurante, quando os pais vão com os filhos, eles dão o telefone para a criança "se acalmar" enquanto esperam a comida. Ou seja, não há comunicação entre pais e filhos, mas sim entre filhos e a tecnologia. Eu proponho que se brinque com a criança, e não que ela brinque com o telefone.
E de que forma as novas gerações são impactadas por este fenômeno?
São crianças muito mais ansiosas, porque querem tudo rápido. São mais caprichosas, muito exigentes, egoístas. (Sigmund) Freud definiu, em um trabalho publicado em 1914, as crianças como "sua majestade, o bebê”. Acredito que nos tempos em que vivemos seria "o ditador, o bebê”.
Hoje uma das principais características da nossa sociedade é a facilidade de acesso à informação. Isso atrapalha ou contribui para o desenvolvimento?
Da forma como lidamos com a tecnologia, prejudica. Hoje as crianças interagem com esses meios eletrônicos sem a mediação de um adulto, sem um adulto para ensinar. Hoje se pensa que, com a tecnologia, a criança pode aprender sozinha, e isso não é verdade. A criança precisa da ajuda de um adulto para aprender, para dizer "isso é útil", "isso não é bom" etc.
E como os pais podem ajudar?
Não dando às crianças computadores, nem iPads, nem telefones. Evitando a televisão, conversando muito mais e ajudando para que haja comunicação. Hoje há pais que não conversam com seus filhos, que não brincam, não saem para caminhar. Muitas vezes no meu consultório chegam pais perguntando: "O que faço para que meu filho saia da frente do computador, saia para passear?". E eu questiono: "Quantos computadores você tem em casa? E televisões? E quem põe tudo aquilo lá?". Com certeza não foi a criança que saiu para comprar.
Outra questão atualmente muito debatida sobre paternidade é o excesso de atividades a que as crianças são submetidas – aulas de idiomas, natação, artes etc. Isto vem sendo criticado por muitos especialistas, que afirmam que estamos criando uma geração de ansiosos. Como o senhor avalia este fenômeno?
Estamos formando crianças não só ansiosas, mas também muito exigentes. A criança não tem que saber tudo. Não tem que saber nadar, falar outros idiomas, aprender caratê. Estamos criando uma sociedade da hiperexigência, em que queremos filhos perfeitos porque não sabemos lidar com a nossa imperfeição. A consequência é a ansiedade das crianças, a angústia por almejar um ideal que nunca vão alcançar.
Mas muitas vezes os pais colocam os filhos nas atividades porque precisam ficar longe de casa para trabalhar.
Acredito que este não seja o problema mais grave aí. Em muitos países europeus, os pais trabalham no mesmo horário escolar dos filhos, mas mesmo assim os levam, depois da aula, para outras atividades extracurriculares. O problema vai além destas questões práticas. Tornou-se quase uma exigência formá-los demais.
Em diversos textos, o senhor comenta que estamos sabendo menos o que é a infância.
Estamos nos afastando da infância porque estamos "adultizando" as crianças. Com a televisão, com a internet, com o excesso de exigências, estamos dando informações em excesso a elas. Estamos vendo as crianças desde uma perspectiva adulta e nos esquecendo inclusive das crianças que temos em nós.
Falando em transtornos e doenças, vamos discutir um pouco sobre o déficit de atenção. Atualmente, a quantidade de diagnósticos vem crescendo, principalmente no Brasil, tornando-se um transtorno "comum" entre os jovens. Entretanto, no seu livro El reto de ser padres, o senhor apresenta uma posição polêmica sobre o assunto. Pode explicar?
Para mim, esse transtorno é uma invenção dos laboratórios. Não pode ser que ultimamente haja tantas crianças com hiperatividade, com dificuldade de atenção. E antes como era? Elas não se moviam, não tinham alguma dificuldade para se concentrar? O transtorno surge no momento em que surge o medicamento. É uma invenção da indústria para vender ritalina. É preciso, ao invés de sair medicando, verificar o porquê de a criança estar se movimentando mais. Pode ser porque os pais não estão dando limites, porque o pai ou a mãe está deprimido e a criança está querendo chamar a atenção. São muitos os motivos, que devem ser pensados, avaliados junto com a criança. Entretanto, atualmente todos querem logo dar a pastilha do "sentir-se bem" para resolver o problema, como se não houvesse outra forma de fazer a criança se sentir bem.
O senhor afirma que existem três ferramentas fundamentais para o desenvolvimento das crianças: o tempo, a entrega e o brincar.
Na verdade, ao fazer isso, está-se dando espaço às crianças para aquilo a que corresponde essa etapa da vida. Tempo para brincar, para aproveitar com amigos, para desenvolver laços. Esses dias me perguntaram, por causa do Dia das Crianças, qual o melhor presente que se pode dar a uma criança? A minha resposta foi: o tempo. Dê seu tempo, não precisa comprar um objeto, os filhos querem é estar com seus pais. O brincar é o que caracteriza a infância. Uma criança que não sabe brincar não será uma pessoa feliz. Temos que estimular a brincadeira, e isso não significa ensinar a apertar botões, mas sim a criar, a inventar, a desenvolver a imaginação.
O senhor menciona a importância de dar limites aos filhos, mas também destaca a liberdade criativa como elemento fundamental para o desenvolvimento. Como deixar a criança livre e ao mesmo tempo dar limites?
Aí temos que entender essa diferença, de estimular a criança a brincar, criar, desenvolver a criatividade, mas não significando que a criança pode fazer o que quiser. Um exemplo prático disso: você deve estimular a criança a pintar, a colorir, e para tal você dá papel a ela. Mas, se ela quiser pintar as paredes da casa, você mostra que está errado, diz que não pode. Quando for pintar os papéis, você fica feliz, estimula. Isso é estabelecer limite.
Costumamos sempre apontar os problemas contemporâneos na criação dos filhos, destacando as falhas, os excessos. Temos diversos livros com dicas, regras etc. sobre a forma correta de criar. Isso não colabora para uma geração de pais aflitos, que se sentem incapazes?
Não acredito que esteja colaborando, o que acredito é que é a ansiedade dos pais que estimulou a produção destes livros e manuais, com conselhos etc. E acredito nisso porque há cada vez mais pais que não se sentem adultos responsáveis a ponto de dar limites aos filhos, e isso gera essa ansiedade em toda a família.
Em que pontos estamos melhores em relação a gerações anteriores?
A verdade é que não vejo grandes avanços nesse tema. Não acredito que estamos educando bem nossos filhos. Deposita-se muito a responsabilidade pela educação nas escolas, mas as crianças devem ir para lá já educadas. A escola é um lugar para aprender, não para educar. É a família que educa. Se os pais não educam corretamente e depois responsabilizam a escola, algo grave está acontecendo. A sociedade está perigosa, as crianças sentem medo, e os pais não acalmam, eles apelam aos calmantes como celulares, iPads, televisão.
Não posso terminar a entrevista sem lhe perguntar: como é carregar o peso do sobrenome do pai da psicanálise, de ter entre seus parentes diretos pessoas tão importantes para a área como Sigmund Freud, Anna Freud, e o seu pai, Mauricio Knobel?
Para mim, é um grande orgulho ter este sobrenome. Carrego-o com respeito e honra. Meus pais eram psicanalistas, e muitos outros membros de minha família também. O tema nunca me foi estranho, nem raro, nem complicado. Sempre me fascinou.
O senhor acredita que a contribuição de Freud está sendo bem aproveitada neste momento, em que a busca por soluções rápidas toma conta cada vez mais de nossa sociedade?
Acredito que sim. (Sigmund) Freud transformou a forma de entender os problemas do ser humano. Eu e todos seus seguidores acompanhamos esta linha de compreensão, desde diferentes perspectivas. Mas vivemos um momento complicado por causa desta sociedade imediatista e na busca por respostas rápidas. Antigamente, a relação com o tempo era outra, as soluções não precisavam ser tão imediatas.
Como a psicanálise poderia atuar para não ser engolida pela pressão moderna, pelo imediatismo que domina nossa sociedade?
Informando. Tendo uma presença maior nos meios de comunicação, dialogando com as escolas, com os pais. Muitas vezes são os próprios psicanalistas que não saem de suas instituições para falar com o público em uma linguagem clara e aberta sobre os problemas das pessoas. Se você for a uma livraria, vai encontrar muitos autores com um vocabulário fechado. Eu sigo a linha de (Donald W.) Winnicott e de (Françoise) Dolto, ambos foram grandes psicanalistas de crianças, mas não hesitaram em escrever e dialogar com suas famílias, nem em fazer programas de rádio.
Após tantos anos trabalhando diretamente com famílias de crianças e adolescentes, quais os principais conselhos que o senhor dá sobre a criação dos filhos?
A melhor forma de expressar amor é estabelecer limites. Muitos pais temem perder o amor dos filhos por dar limites a eles. Mas na verdade é o contrário. O principal problema da paternidade atualmente é que os pais não se atrevem a assumir seu papel de autoridade e se sentem culpados por ter que enfrentar os filhos. Por isso sucumbem às respostas imediatas dos medicamentos, evitam a comunicação dando iPads, celulares. É preciso conversar, mas também é necessário exercer autoridade e estabelecer limites.