Médico com especialização em psiquiatria, Augusto Cury é também um palestrante requisitado. Recebe mensalmente cem pedidos de palestras - e costuma atender apenas cinco, para poder se dedicar também a consultas e à escrita. Aos 58 anos, tem mais de 40 livros publicados, traduções em mais de 60 países e alegados 20 milhões de exemplares vendidos somente em território brasileiro. Cury estará em Porto Alegre, no próximo dia 15, para realizar, às 21h, no Teatro do Bourbon Country, uma dessas disputadas conferências: Gestão da Emoção como Fator de Sucesso (os ingressos se esgotaram uma semana antes do evento, levando a organização a instalar um telão no foyer do teatro).
O autor de O Vendedor de Sonhos, que deve se tornar filme do diretor Jayme Monjardim, e de O Médico da Humanidade e a Cura da Corrupção, com lançamento previsto para o final do mês, conversou com ZH por telefone em um dia de fortes emoções na política nacional, 4 de março, quando o ex-presidente Lula foi levado para depor na Operação Lava-Jato. Cury, um ex-ateu que é visto como um guru de autoajuda por muitos críticos, falou de suas teorias sobre transtornos emocionais, sobre a pressão aplicada nas crianças modernas e do que define como inteligência de Jesus Cristo.
Numa rotina atribulada, como podemos organizar as emoções?
Tive o privilégio, e falo com humildade, de desenvolver o primeiro programa mundial de gestão da emoção, que publiquei no livro Gestão da Emoção. Gestão da emoção é um conjunto de ferramentas que o eu, que representa a consciência crítica e a capacidade de escolha, deve ter para que possamos gerenciar, aprofundar, estabilizar e enriquecer a emoção. Sem gestão da emoção, ricos se tornam miseráveis, casais começam o relacionamento no céu do afeto e o terminam no inferno dos atritos, jovens asfixiam a criatividade, e crianças perdem a mais importante fase da vida, que é a infância.
O senhor constatou isso em seu consultório?
Fiz mais de 20 mil atendimentos psiquiátricos e psicoterapêuticos e desenvolvi uma das poucas teorias mundiais sobre o funcionamento da mente, a construção dos pensamentos, a formação do eu como líder da nossa própria mente e a gestão da emoção. Então, baseado nessa teoria, nesses 20 mil atendimentos e fundamentado em ideias e conhecimentos de outros pensadores, desenvolvi esse programa. Quais os comportamentos que geram a falência da emoção? Sofrer por antecipação, ruminar perdas e frustrações, detalhismo, o que é diferente de observar detalhes, mas uma característica doentia, perfeccionista, que supervaloriza coisas irrelevantes e desvaloriza o essencial. Além disso, a necessidade neurótica de mudar os outros. Ninguém muda ninguém, temos o poder de piorá-los, não de mudá-los. O agiotismo da emoção é outro comportamento extremamente atroz, que esgota os recursos naturais do planeta emoção.
Com o seguidor de longa data Dunga
Foto: Reprodução, Instituto Menthes
Mas todos esses comportamentos que o senhor citou não são atitudes naturais? Sofrer por antecipação, por exemplo, não é uma forma de se preparar para frustrações?
Aí é que está. Esses comportamentos, quando são intensos, consistentes e diários, não são naturais. Todos os povos, todas as culturas, principalmente nessa sociedade moderna e digital, esgotam dramaticamente o cérebro e provocam uma série de sintomas. Por exemplo, toda vez que a pessoa acorda cansada, ela está com esgotamento cerebral, está com uma mente hipertensa, que furta a tranquilidade, a serenidade e a capacidade de se refazer. Dores de cabeça e musculares, bem como taquicardia e queda de cabelo, são sintomas que representam o grito de alerta de bilhões de células expressando que o cérebro está esgotado. Outro sintoma importante que evidencia os limites entre comportamentos previsíveis e comportamentos doentios: irritabilidade e baixo limiar para a frustração. Toda pessoa que tem dificuldade de lidar com contrariedades nos focos de tensão indica que o eu dela não está sendo gestor de sua própria emoção. Isso gera a labilidade emocional: em um momento, a pessoa está alegre, noutro, profundamente angustiada, noutro, tranquila, depois, tem reações explosivas.
Essa dificuldade de lidar com frustrações é frequentemente endereçada às novas gerações. Os jovens estão mais ansiosos?
A situação é gravíssima. Tenho alertado sobre o assassinato coletivo da infância. Todos somos contra o trabalho escravo, de crianças que trabalham em minas, por exemplo, sujas, sem direito de estudar, de brincar, de ter a formação da personalidade saudável. Mas o que nós não denunciamos no mundo todo é que há um trabalho intelectual escravo legalizado nas famílias classe média, classe média-alta e ricas. Milhões e milhões de famílias atolam seus filhos em tantas atividades que eles não têm tempo de ser crianças, de ter aventuras na adolescência. Estão gerando, coletivamente, a síndrome do pensamento acelerado. Uma criança de sete anos de idade tem, provavelmente, mais informação na atualidade do que o imperador tinha no auge de Roma. Isso não é suportável, esgota o cérebro. Se você for nas escolas particulares e perguntar quem acorda cansado, ficará impressionado. Se perguntar quem tem dores de cabeça e dores musculares, vai às lágrimas. Os psicólogos, os educadores acham que está tudo correto com seus alunos, mas eles estão todos adoecendo.
O senhor se incomoda quando classificam pejorativamente o seu trabalho como autoajuda?
Tenho convicção de que o preconceito é um câncer da mente humana. Como produzi uma das raras teorias sobre a construção de pensamentos e gestão da emoção, senti necessidade de democratizar o acesso. É muito caro um programa de gestão de emoção, é muito caro um tratamento terapêutico. Portanto, disponibilizar essas ferramentas é importante. A psiquiatria e a psicologia social têm o papel de conduzir as pessoas a não serem vítimas das mazelas sociais, a não serem escravas do que pensam e do que falam delas, de não serem encarceradas pelas suas falsas crenças, como "não consigo", "sou tímido, não consigo superar as minhas limitações". A democratização do acesso a essas ferramentas que eu fiz em mais de 40 livros levou dezenas de pessoas a aplicá-las. Dei uma palestra em Pelotas, e várias pessoas que estavam à beira de um suicídio vieram conversar comigo. Elas começaram a usar as ferramentas e a proteger mais as suas emoções, procuraram psiquiatras, deram um salto na vida.
O senhor aplica para si mesmo o que repassa aos outros? Em que circunstâncias percebeu que essas ferramentas ou atitudes trariam essas transformações?
Sim, aplico, claro. Há pessoas que são agiotas da emoção, característica que esgota o planeta cérebro. O que é um agiota financeiro? É aquele que empresta dinheiro e cobra juros distorcidos. E o agiota da emoção? É, por exemplo, aquele pai que se doa e cobra demais na fatura, que quer reconhecimento imediato de sua mulher, que não suporta ser minimamente contrariado. Esse tipo de agiota causa um desastre nas relações interpessoais, por mais que tenha boas intenções. E o autoagiota da emoção? Toda pessoa que se cobra muito é ótima para uma empresa, mas é um carrasco de si mesma. Eu mesmo já fui uma pessoa implacável com meus erros, preocupado demais em agradar a todos. Essa hipersensibilidade é o exagero de uma característica nobre, a sensibilidade, mas uma pessoa hipersensível, quando alguém a ofende, estraga o seu dia, quando alguém a contraria, estraga a semana, quando vê alguém sofrendo, ela não só quer contribuir, como vive a dor dos outros. Uma pessoa hipersensível não tem gestão da emoção. Tive de trabalhar essas características da minha personalidade.
No programa Encontro com Fátima Bernardes, em 2014
Foto: Reprodução, RBS TV
Mas alguma coisa ocorreu para que o senhor "virasse a chave"?
No segundo para o terceiro ano da faculdade de Medicina, passei por uma crise emocional importantíssima e descobri que as lágrimas que não choramos são mais penetrantes do que aquelas que escorrem pelo rosto. Passei pelo vale sórdido de uma dor emocional e, a partir daí, descobri que ou a dor me constrói ou ela me destrói. As dores, as perdas, as frustrações só se tornam ricas quando se aprende a gerir minimamente a emoção. Por exemplo, quando você dá um choque de lucidez a um pensamento perturbador, quando dá risada da sua estupidez, pelo menos daquilo que é passível de se dar risada. Tudo isso é importante. Em que universidade, seja na graduação ou na pós-graduação, os alunos são ensinados a ter controle da própria história? Na verdade, a sociedade virou um manicômio global.
O senhor já disse que é um ex-ateu. As suas teorias têm alguma base religiosa?
Em hipótese alguma. Estou falando só de ciência até agora, mas estudei a inteligência de Cristo. Se eu estivesse na época da inquisição, eu estaria em uma fogueira certamente. Estudei a inteligência de Cristo sob o ângulo da ciência.
Mas o senhor acredita em Deus? Alguns comportamentos, como a autopunição, não têm a ver com nossa tradição religiosa, católica?
Eu fui um dos maiores ateus da face da Terra. Depois que estudei a inteligência de Cristo, tornei-me um ser humano sem fronteiras, passei a crer em Deus, mas não defendo uma religião. Para mim, as pessoas devem respeitar, de maneira inteligente e sábia, os que pensam diferente. E a negação do eu não é tradição católica, mesmo a tradição budista fala sobre a negação do eu. Em muitos povos, a culpa está muito arraigada. Na atualidade, isso piorou. O ser humano é muito autopunitivo. Toda pessoa que se culpa demais, que não relaxa, não dá valor suficiente para si e para os outros, é um carrasco de si e dos outros. Olha, eu acredito que o ser humano tem a capacidade de ser autor da própria história, mas o ser humano tem uma religiosidade desinteligente, porque frequentemente atribui a Deus o que é sua responsabilidade, de se doar, de se reinventar, de aprender a ser justo, de superar problemas. Claro que hoje, na psiquiatria, somos mais generosos, sabemos que a espiritualidade, quando é inteligente, altruísta, solidária, tolerante, ela pode melhorar a saúde emocional.
As pessoas mais religiosas, que têm uma crença, conseguem gerir melhor suas emoções?
Quando a fé, independentemente da religião, é inteligente, regada a altruísmo, a tolerância, com capacidade de se colocar no lugar do outro e de se atribuir as responsabilidades que estão a seu alcance, ela contribui para a saúde emocional. Mas quando essa espiritualidade é radical, crítica, compulsiva, exclusivista, é altamente doente. Aí, a religião se torna uma fábrica de pessoas doentes.
E o que o fez se tornar um ex-ateu?
Como a minha teoria estuda a construção de pensamentos e a formação de pensadores, eu estudei, por exemplo, Freud, Sartre... Estudei as ferramentas que usaram e que os fizeram diferentes, e fui até o homem Jesus. Esperava encontrar uma pessoa fruto de um grupo de guerrilheiros que queria fazer uma revolução contra o imperador da época. Mas ao estudar a sua personalidade, fiquei pasmo, porque percebi que ele não cabe no imaginário humano. Ele tinha todos os motivos para ser depressivo, ansioso. Com dois anos de idade, era perseguido de morte. Com 12 anos, trabalhou com as mesmas ferramentas que iriam matá-lo, madeira e ferros, pregos...
Mas aí estamos falando de Jesus, um personagem descrito como histórico. Mas e crer em Deus, aquela entidade onipresente, invisível, que tudo poderia controlar e que comandaria todo o universo e mudaria nossos destinos?
Olha quando a ciência entra, a fé se cala. Quando a fé entra, a ciência se cala. Eu creio em Deus, mas não exerço uma religião específica. Mas reitero: é muito importante que as pessoas respeitem as diferenças, caso contrário, a religiosidade pode ser uma fonte de doenças mentais. Agora, não creio nesse Deus que as pessoas imaginam frequentemente, que controla tudo, que muda tudo, que estabelece as matrizes dos destinos. Creio em um Deus autor da existência, mas que dá plena liberdade para que o ser humano seja autor da própria história.
As redes sociais são meios de interação, mas, segundo estudos, aumentariam a ansiedade e até a sensação de infelicidade quando as pessoas se colocam em comparação aos outros. Elas realmente agravam esse quadro?
As redes sociais, ao mesmo tempo em que democratizaram os relacionamentos, os superficializaram. Conhece-se muito, mas não profundamente. O pior disso: você raramente tem um conhecimento profundo sobre si mesmo. Se a sociedade me abandona, essa solidão é suportável, mas se eu mesmo me abandono, essa solidão é intolerável. E vivemos numa sociedade de pessoas que não entram em camadas mais profundas de si mesmas, que não se interiorizam, não elaboram suas experiências e nem desenvolvem consciência crítica. Portanto, elas se autoabandonaram, e uma pessoa que se autoabandona tem mais possibilidade de desenvolver depressão, síndrome do pânico e outros transtornos. De acordo com pesquisas internacionais, uma em cada duas pessoas desenvolverá transtornos psiquiátricos. Isso é muito grave, talvez nem 1% vai se tratar, nem 1% vai encontrar um bom profissional de saúde mental, que prescreva um medicamento, se for psiquiatra, mas que também dê técnicas para gerir a emoção. Sem usarmos ferramentas preventivas, a humanidade se tornará um manicômio global. Só em termos de depressão, provavelmente 20% das pessoas, ao longo da vida, desenvolverão um transtorno de humor.
As pessoas ainda têm dificuldade de reconhecer a necessidade de uma ajuda psiquiátrica?
As pessoas começaram a perceber que não depõe contra ninguém mapear conflitos, reconhecer as próprias mazelas, procurar ajuda. Não existem pessoas perfeitas. O ser humano pode e deve escrever os capítulos mais importantes da sua história.
O senhor está preparando mais um livro?
Sim, um livro muito importante, chamado O Médico da Humanidade e a Cura da Corrupção. Trata-se de um romance psiquiátrico e histórico, que fala sobre a corrupção em várias fases da história da humanidade.
A corrupção pode ser um transtorno psiquiátrico?
Sem dúvida. Toda pessoa corrupta é doente. Claro que não é uma doença incapacitante, porque a pessoa poderia reciclar sua própria história. Mas alguém que tem a necessidade neurótica de poder, de ser o centro das atenções, de levar vantagem em tudo, já perdeu autoestima, segurança, capacidade de contemplar o belo, perdeu o autocontrole. É um encarcerado vivendo em uma sociedade democrática.
O senhor considera a corrupção uma doença endêmica no Brasil?
Ela sempre foi endêmica na história da humanidade. Agora, virou epidêmica, está em um estágio dramático. Nesse livro, falo que só é digno de poder quem é desprendido do poder, quem se curva diante da sociedade para servi-la.
Augusto Cury em palestra na Expoagas, em 2011
Foto: Daniela Villar, especial