Historiador que se distanciou da academia para aproximar o conhecimento da sociedade, Leandro Karnal tem um posicionamento curioso a respeito da política: em sua visão, pouco do que ocorre nas esferas do poder, como Brasília, reflete diretamente no cotidiano das pessoas. Em entrevista nesta segunda-feira (24) ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, uma dos pensadores mais populares das redes sociais considerou que, apesar da acirrada batalha ideológica que marca o país, o cidadão brasileiro segue sua rotina.
— Se eu não lesse jornais, diria que esse ano não mudou nada em relação aos outros. Mas, no plano político, as coisas mudaram bastante. Existe uma micropolítica do poder, um cotidiano que não se altera com isso. É um novo Brasil político, mas, ao mesmo tempo, o cotidiano é o de sempre.
Preocupado que o governo sofra interferências da religião — a Constituição Federal, em seu artigo 19, não autoriza que governos e políticos mantenham relação de dependência ou aliança com igrejas —, Karnal incentivou a separação entre Igreja e Estado. Disse que os países mais avançados garantem esse distanciamento:
— A separação Igreja-Estado, consagrada pela República, é um avanço. A fé é fundamental, mas é de foro íntimo, pertence a cada um. Temos de recuperar isso de todos os lados. O Brasil não tem religião oficial, não pode ter religião oficial, nem pode ser agressivo. É preciso resgatar esse caráter da República que está a favor dos cidadãos. Todos os preconceitos são pouco produtivos economicamente e conduzem ao atraso. Os países avançados propõe a separação entre Estado e Igreja.
O historiador aproveitou a reflexão para se desculpar com a futura ministra Damares Alves, que assumirá o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos no futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL), a respeito da piada que fez com a pastora evangélica sobre o episódio da visão de Jesus Cristo no pé de goiaba. Embarcando nos memes das redes sociais, Karnal compartilhou uma imagem de goiabas dizendo que a declaração da ministra era um desafio para os humoristas. Acabou se retratando depois quando a história por trás do episódio se tornou pública: quando menina, Damares estava prestes a tirar a própria vida porque sofria vítima de abusos sexuais. Ela deu a informação no dia 13, em entrevista ao Timeline.
— Nunca tinha ouvido falar que a ministra sofrera abusos. Mas o preconceito contra a religiosidade me fez refletir que havia sido preconceituoso. Foi um erro. Mantive as duas postagens porque quero lembrar daquilo. Aprendi que sempre vou pedir desculpas pelos erros, mas não vou dizer o que as pessoas querem ouvir. Aprendi por não saber a história (de Damares Alves) e por manifestar um preconceito cultural.
Ainda assim, garante que se manterá crítico à postura de Damares como ministra. Ela é conhecida por declarações conservadoras, algumas referentes à situação da mulher na sociedade — chegou a dizer que as mulheres nascem para ser mães.
— Continuo sendo critico às expressões da ministra dizendo que mulher têm de ficar em casa. Agora, a minha crítica tem de ser às ideias da ministra, e nunca à postura pessoal dela — considerou Karnal.