Aos 33 anos, Lucas Di Grassi se divide entre a Formula E - é o atual campeão mundial - e a Stock Car, categoria em que estreou este ano e soma uma vitória e um segundo lugar. Neste domingo (22/04) Di Grassi estará na pista do Velopark, em Nova Santa Rita (RS), pela equipe Hero Motorsport no Campeonato Brasileiro de Stock Car.
A visita ao Brasil é uma interrupção em suas atividades pelo mundo. O piloto também dá palestras sobre tecnologia da mobilidade e comanda pelo menos dois projetos de engenharia automotiva: a bicicleta elétrica EDG Niobium e-Bike, que entrará no mercado ainda neste ano, e os veículos da inovadora Roborace, empresa baseada em Banbury, Inglaterra, que faz exibições públicas de carros de corrida dotados de inteligência artificial em condições reais.
Di Grassi foi importante na implantação da Fórmula E, única categoria da história do automobilismo que em poucos anos rivalizou com a Fórmula 1 em termos de potencial de futuro. Lucas participou do desenvolvimento dos aspectos técnicos e desportivos deste campeonato, que agora atrai mais fábricas que a categoria principal do esporte. Em sua passagem por Porto Alegre, Di Grassi falou com Sobre Rodas de seus projetos, em especial a Roborace, que pretende estrear seu campeonato de carros autônomos em quatro anos e promover a próxima revolução no esporte a motor mundial.
SR – Por que você acredita que os carros autônomos, como os da Roborace, serão um sucesso no automobilismo mundial?
Di Grassi – A indústria sempre olha para a frente. Ela não pode se dar ao luxo de pensar somente no agora. E essa foi a filosofia que implantamos na Fórmula E. Identificamos a tecnologia que mais tem condições de substituir os combustíveis fósseis e montamos uma categoria de carros elétricos de alto nível. As fábricas rapidamente viram que aquele era o novo laboratório para o futuro. Em 2019, teremos pelo menos doze fábricas envolvidas diretamente, entre elas Mercedes, Audi, Renault, BMW, Porsche, Land Rover e Nissan.
Consolidada a Fórmula E, começamos a imaginar qual seria o próximo passo. Depois da matriz energética, a próxima revolução seria a dos veículos autônomos – cujo desenvolvimento já estava em andamento há anos. E a decisão de criar uma empresa especializada na competição deste tipo de carro foi tomada pelo russo Denis Sverdlov, que hoje é o presidente da Roborace. Eu fui escolhido para ser o CEO da empresa. O panorama que vemos é o seguinte: da mesma forma que as fábricas se empenharam em entrar na F E por causa do desenvolvimento de sistemas elétricos, vão também querer competir na Roborace por causa dos benefícios do desenvolvimento de carros de corrida autônomos.
SR – E como as fábricas e, no final das contas, o consumidor serão beneficiados?
Di Grassi – O automobilismo, de forma geral, sempre foi uma fonte de desenvolvimento de veículos por que tudo é levado a extremos que não são normalmente atingidos no uso diário do consumidor. Pneus, freios e motor, entre outros, são levados a níveis de exigência elevados na pista – e as equipes sempre buscam ir além, seu objetivo é atingir novos limites. Daí surgem soluções mais eficientes não apenas para o desempenho, como também para a segurança.
Com os carros de corrida autônomos nós vamos superar o que é possível fazer nas corridas tradicionais justamente por não haver vidas em jogo. Poderemos, por exemplo, colocar dez carros correndo em sentidos opostos – cinco para cada lado – e a velocidades superiores a 400 km/h. Os carros vão se encontrar na pista e desviar milimetricamente uns dos outros. Isso a F-1 ou a F-E jamais farão. E nesse contexto você terá que produzir não apenas carros extremamente precisos e eficientes, mas também sistemas de controle e de segurança infinitamente mais rápidos e inteligentes. Dessas competições sem risco humano na pista surgirão os carros do futuro.
SR – No campeonato, vocês vão fornecer os carros. E o que as fábricas farão?
Di Grassi – Basicamente nós vamos fornecer o hardware, ou seja, o carro – que no fim das contas é uma plataforma pronta para receber os softwares das fábricas. E as fábricas entrarão com seus programas de última geração. Esta é a ideia inicial, mas em um segundo momento poderá ser possível inscrever um carro 100% Audi ou Mercedes, ou de qualquer marca. Basicamente, a meta inicial é fornecer uma plataforma na qual os fabricantes possam investir apenas nos sistemas de inteligência artificial. É um sistema similar ao que foi utilizado na F E.
SR – Como está o estágio de desenvolvimento atual dos carros da Roborace?
Di Grassi – Temos dois tipos de carro. O DevBot, cujo nome vem de development robot, ou robô de desenvolvimento, permite que uma pessoa também possa pilotá-lo. Dessa forma, podemos comparar o desempenho de um piloto de competição com o do carro autônomo. O Robocar não tem cabine ou cockpit, ele é o veículo puramente autônomo e dele deve derivar nosso produto final. Desde o ano passado estamos fazendo algumas exibições – de pilotos humanos contra o sistema autônomo, usando o DevBot.
Aqui nós temos que lembrar do Deep Blue, o supercomputador que derrotou o gênio do xadrez russo Gary Kasparov em 1997. A mesma coisa está acontecendo com o DevBot. Ele já é mais rápido que pilotos amadores, mas chegará o dia em que os pilotos profissionais não conseguirão acompanhá-lo, simplesmente por que ele poderá andar no limite extremo o tempo todo. É uma questão de tempo.
Já fizemos também vários tipos de testes, como corridas de carro autônomo versus outro autônomo. Os resultados são cada vez melhores. Estamos avançando rápido. Mas, como em todo trabalho de desenvolvimento inovador, acontecem imprevistos. Tivemos acidentes leves – e até com eles estamos aprendendo.