Escrever pode ser um exercício terapêutico em muitos contextos e sentidos. Na terceira idade, vale para relembrar o passado, ressignificar vivências, preencher o tempo e trabalhar a cognição.
Como jornalista e escritor, Walter Medeiros, 71 anos, passou a vida se dedicando ao texto. Acaba de lançar o livro de poemas Cancelas do Tempo, de teor nostálgico, em que revisita passagens da infância e da juventude.
“Aquele momento, parado / Nas belezas do tempo, / Desafia os cientistas, / Porque acionou energia / E fez bater corações. / Aquele momento distante / É uma saudade, disfarçada / Numa fotografia amarela, / Que salta do velho álbum / Para ilustrar a Internet”, dizem os versos do autor em Estática.
Medeiros conta experimentar boas emoções ao pensar no passado.
— As lembranças são sempre agradáveis, saudáveis, às vezes engraçadas. Lembranças de viagens, então, muitas vezes são fascinantes. Sempre gostei de músicas, e as músicas trazem muitas lembranças boas também. Claro que tem momentos que dá vontade de não lembrar, mas fazem parte da nossa vida. Alguns desses são, afinal, mostra de que sobrevivemos e os superamos — reflete o autor.
Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr., psicanalista, doutor em Psicologia e escritor, afirma que a escrita é uma das formas de dar lugar para alguns afetos. A prática pode ser muito produtiva em todas as fases da vida, especialmente na velhice. Além de viabilizar a recordação de outros tempos e de ativar o aspecto cognitivo — o risco de perda da memória pode ser bastante aflitivo —, possibilita também criar novas narrativas.
— Registrar memórias pode representar o cuidado com a transmissão da história familiar para gerações futuras. É possível dizer que o ato de escrever pode produzir efeitos terapêuticos em qualquer idade — observa Norton, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa).
Para o psicólogo e psicanalista Ademiel de Sant'Anna Júnior, doutorando em Psicologia Social e Institucional, é essencial compreender que a terceira idade é uma fase importante do desenvolvimento humano dentro do ciclo vital. Chegar a essa etapa, pontua, pode significar a convivência em um círculo familiar em que todos são “mais jovens, com modos de dizer e ser o mundo completamente distintos dos mais velhos”.
— Ou então a pessoa idosa pode estar inserida em uma realidade onde grande parte das pessoas com quem conviveu intimamente já partiu. Esse pode ser o período mais desafiador, especialmente se, somado a isso, ainda ocorre a ausência de uma rede de apoio familiar e comunitário. Precisamos tomar como perspectiva a escuta das histórias também como uma estratégia de fortalecimento de vínculos e da noção de pertencimento — comenta Ademiel, também poeta.
Há episódios de todo tipo em nossa trajetória: felizes, tristes, traumáticos. De acordo com Norton, relembrar bons sentimentos pode ser interessante pelo prazer de reconhecer e preservar boas memórias, mas é preciso estar ciente de que há risco no cultivo nostálgico de um passado idealizado: deixar o hoje e o amanhã de lado.
— Em relação aos sentimentos de tristeza, muitas vezes, eles precisam ser recordados, inclusive para serem elaborados. Isso pode ajudar a transpor o mal-estar, emancipando o sujeito da fixação das lembranças dolorosas. Revisitar pode ser bom se isso for transformado em potência de vida para relançar o futuro — analisa o psicanalista da Appoa.
Ademiel destaca que relembrar fatos do passado, por mais infelizes que sejam, pode servir, depois dos 60 anos, como forma de afirmar o pertencimento ao período atual, sem deixar de manifestar certo estranhamento ao presente.
— Quando ouvimos dos mais velhos frases como "na minha época, isso era melhor", "tudo tinha mais qualidade!" ou "se fosse eu fazendo isso na sua idade, o desfecho não seria esse", percebemos que essas expressões, que à primeira vista parecem meramente comparativas, na verdade, promovem relações entre quem conta e quem escuta. Elas nos dizem que "o mundo mudou", que "o tempo passa" e que "nem tudo o que eu vivenciei você precisará vivenciar". Talvez, uma pista importante seja escutar essas histórias. Quem sabe essas narrativas não se tornem uma tarefa investigativa que aproxima as pessoas envolvidas fortalecendo seus vínculos — diz o psicólogo.