Correção: Ieda Rhoden é psicóloga e professora da Unisinos, e não da PUCRS como publicado entre 5h e 11h45min de 6 de março de 2024. O texto já foi corrigido.
A época é de volta às aulas para todas as faixas etárias. Expectativas e planos também são compartilhados pelo público com mais de 60 anos. Fazer a primeira ou a segunda graduação nessa etapa da vida tem suas peculiaridades, tanto na rotina do estudante quanto nos desafios que surgem.
Ana Lúcia Rafaelli, 62 anos, está realizando o sonho de ingressar no Ensino Superior graças à possibilidade de cursar as disciplinas integralmente na modalidade de educação a distância (EAD). Moradora de Viamão, na Região Metropolitana, ela está iniciando o primeiro semestre de História na Unisinos. Terá aulas às terças, quartas e sextas-feiras.
— Tenho vida de aposentada e agora de estudante. Tudo para mim é novidade — empolgava-se Ana Lúcia dias antes do início do ano letivo.
Na juventude, ela teve a intenção de cursar Artes, mas não foi aprovada no vestibular. Seguiram-se o casamento, os filhos e a carreira na área de decoração de eventos, trabalhando com flores e elementos naturais, e o projeto universitário acabou sendo abandonado. Ligou-se ao espiritismo, tema de palestras que profere e onde seu interesse acadêmico pela história encontra correspondência.
— Uso muito esse recurso nas minhas palestras: pego o tema que está no evangelho e busco na história. Quero cursar História para me enriquecer. Dizem que sei explicar de maneira fácil, didática, que o público entende — conta Ana Lúcia. — Não sei se uma hora dessas não vou fazer Filosofia também — projeta.
Durante a pandemia, a decoradora teve de desbravar o ambiente online para seguir com a agenda de apresentações sobre o espiritismo. Para as demandas tecnológicas da universidade, portanto, acredita estar razoavelmente preparada.
— Me sinto muito bem. Mexo com meus filhos que eles têm que comprar merendeira pra mim, lápis de cor — diverte-se a nova universitária.
Rosana Xavier, aposentada de 66 anos, de Porto Alegre, está no segundo semestre de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Também se trata de sua primeira graduação, frequentando aulas presenciais à tarde. Com curso Técnico, ela passou a vida trabalhando na área de contabilidade, "mesmo sem gostar".
— Depois que criei filhos, netos, já estava começando a criar bisnetos, pensei: vamos parar. Vou me cuidar um pouco. Vou estudar agora — relata Rosana, que tem quatro filhos, 10 netos e três bisnetos.
A turma da estudante da terceira idade é misturada: tem a porção bem jovem, que chegou à faculdade logo depois de concluir a Educação Básica, e há alunos na casa dos 40 e poucos anos. Rosana é a mais velha.
— Já estou enturmada. Teve bastante trabalho em grupo. Desde o cursinho pré-vestibular, sempre tentei me integrar com os jovens, participar da turma deles. Isso fez eu não me sentir muito separada, muito distante da juventude atual. Conversamos sobre o dia a dia, o que está acontecendo, o que os jovens estão vivendo. Os mais novos vêm me perguntar sobre coisas da vida deles, contar os problemas. Às vezes, acho que eles pensam que sou uma mãezona — conta Rosana, que recebe auxílio dos colegas nas questões referentes a computadores e internet.
Em casa, o marido de Rosana se responsabiliza pelo preparo das refeições e por outras tarefas domésticas para que ela possa se dedicar às aulas, que se estendem até o início da noite. As demandas dos professores são numerosas.
— É difícil, é puxado, mas é muito bom, muito gratificante. Era uma coisa que eu queria há muitos anos na minha vida — afirma a estudante.
A existência de um projeto de vida
Psicóloga e professora do curso de Psicologia da Unisinos, Ieda Rhoden está habituada a ter alunos acima dos 60 anos em sala de aula. No momento, é a orientadora do trabalho de conclusão de curso (TCC) de um estudante de 76 anos. No ano passado, tinha em sala de aula uma senhora de 81 anos. O que fica mais evidente para a docente, em casos assim, é a existência de um projeto de vida, de sentido, "como se você não estivesse perto do fim".
— Muitas vezes, ultrapassar o portal dos 60, 65 anos traz uma ideia de "falta pouco para mim, estou me encaminhando para o fim". Quando uma pessoa ingressa em um curso Técnico ou em uma faculdade com essa idade, está dizendo para si mesma: "Ainda tenho vida pela frente e quero fazer com que essa vida seja interessante". A volta ao estudo tem um sentido de futuro, de qualidade para a vida. Alguns voltam a estudar sem a preocupação com o fim do curso. A preocupação não é exercer a profissão, é aproveitar. Estudar é um deleite para eles — comenta Ieda.
Há aspectos negativos também. Segundo a professora, a grande maioria dos alunos respeitam e acolhem os colegas de idade bem mais elevada, mas há exceções.
— Tem uma minoria que tem preconceito. Na hora de fazer trabalho em grupo, eles tentam não fazer com aquela pessoa mais velha — constata Ieda, que minimiza esse tipo de episódio. — É uma experiência positiva. Os obstáculos são mínimos. Mesmo com a possibilidade de uma rejeição, o preconceito é mínimo se comparado ao acolhimento, à abertura e ao aproveitamento dessa relação — complementa.
A intergeracionalidade, para a psicóloga, é um dos pontos a serem celebrados. Todos podem tirar proveito da convivência com outras faixas etárias.
— Dentro do curso, tem muitas reflexões, muitos momentos de debates sobre questões contemporâneas. A pessoa mais velha vai ouvir da boca do jovem o que ele pensa sobre o mundo e vai colocar a perspectiva dela. Acho que é renovador voltar a estudar — acredita Ieda.