Idoso não é criança. A afirmação bastante óbvia deveria ser suficiente para desencorajar formas de tratamento inadequadas em relação a pessoas de mais de 60 anos, que não raro se sentem desrespeitadas ao serem alvo de diminutivos. A intenção pode ser motivada por afeto, simpatia e respeito, mas é criticada por especialistas e pelos próprios idosos devido ao caráter de infantilização. O assunto motivou um texto recente da colunista de GZH Martha Medeiros.
A orientação está presente na formação de profissionais que lidam especificamente com idosos. Flávia Barfknecht, psicogerontóloga e neuropsicóloga do Instituto Moriguchi, lembra das primeiras aulas em gerontologia, área de estudo do envelhecimento: não infantilizar o paciente com "vovozinho", senhorinha", "queridinho", "mimosinha".
— Cuidar do idoso achando que ele voltou a ser criança fica rememorando, o tempo inteiro, o lado negativo do envelhecimento. Isso retira a potência da pessoa e a coloca num lugar regressivo — observa Flávia.
Raquel Saling Guglielmi, psicóloga especialista em psicologia clínica, reforça a ideia de que o processo de envelhecimento, comum a todos os indivíduos, não deve ser associado à infantilização.
— Todos somos vulneráveis. Em todas as idades, somos seres faltantes. Sempre falta alguma coisa. O mesmo vale para quando estamos idosos. A infantilização vem como uma forma de carinho, mas com o risco de tirar a dignidade da pessoa, como se ela não pudesse entender as coisas, como se estivesse muito mais vulnerável. A vulnerabilidade está para todos nós — destaca Raquel.
Formas de tratamento ou outras palavras do universo do idoso transpostas para o diminutivo — comidinha, remedinho, banhinho etc. — são comuns em geriatrias, e tudo bem serem usadas assim se não provocarem contrariedade. Flávia chama a atenção para o componente cultural: a maneira como somos ensinados a cuidar do outro, expressar carinho e retribuir afeto. A primeira coisa a ser considerada é se o paciente está de acordo e não se incomoda.
— Foi como a pessoa aprendeu a expressar o sentimento e como ela acha que deve ser. Tem tudo a ver com o histórico de aprendizado afetivo, de como recebeu isso, de como imagina que tenha que retribuir e de como está percebendo o idoso. O problema é como o idoso escuta isso. Dependendo da forma como é colocado, retira a autonomia, a potência. A caricatura da velhice é que entendo como grave: o idoso volta a ser um bebê, perde sua identidade, não é mais um adulto, fica diminuído. Isso ainda é muito frequente — afirma Flávia.
A psicogerontóloga ainda estabelece relação com o universo infantil:
— Falar que o idoso voltou a ser criança é bem comum. A criança tem autonomia e liberdade restritas. O que estou vendo no idoso? Na maioria das vezes, ele não está tão limitado. Tem uns que ficam brabos, e com razão. "Cadê a minha força, cadê a minha autonomia?" O envelhecimento é percebido não como outra fase da vida, mas como uma repetição da infância.
O principal, aponta Raquel, é o idoso ser ouvido.
— Não existe isso de considerar que ele não tem condições de entender. Tem uma pessoa ali com uma história de vida, uma conexão com o mundo. Ela não quer ser invisível.
Nos casos em que o idoso apresenta limitações, como uso de bengala ou de fraldas, é comum haver confusão de interpretação, segundo Raquel:
— Essas são ferramentas para ele continuar independente. Não significam que ele está incapaz. Essa limitação que começa a aparecer não é sinônimo de incapacidade.
Momentos de maior agravamento da saúde, considera Flávia, podem fazer com que esse tipo de tratamento desperte nos cuidadores.
— O idoso vai encolhendo, se reduzindo, então é uma forma de demonstrar proteção. Tem que ter um olhar amplo. Depende muito de como a relação se estruturou, de como o cuidador entende, de que momento da vida está esse idoso — pondera a psicóloga do Instituto Moriguchi.
Uma das formas de colocar limites e deixar clara como deve ser a relação é o próprio idoso falar como se sente. E cabe ressaltar que uma relação entre cuidador e paciente, se não envolve laços familiares, é de trabalho.
— Se o carinho é genuíno, se a forma como estou demonstrando é genuína, não preciso diminuir o idoso. Chamar pelo nome é importante. Quem é essa pessoa (que está sendo cuidada)? É a Maria, é o João — diz Flávia.
A infantilização no tratamento tem o risco de dar lugar à ideia de que há dificuldade de compreensão.
— A pessoa tem um entendimento de linguagem, um refinamento que a vida deu para ela. Deve-se falar olhando para a pessoa, com calma, explicar quando for uma coisa mais complexa, mas não com "inho", "inha" — orienta Raquel.
O risco da hiperproteção
Não é apenas a linguagem que pode infantilizar a pessoa mais velha. Diminuir ou ignorar a presença do idoso no momento de considerar as respostas ou opiniões de um grupo, por exemplo, também são ações inadequadas. Pense em situações em que uma família discute quem quer participar de determinado passeio ou viagem em família. Ninguém precisa responder no lugar do idoso — ele tem gostos, preferências e desejos, precisando ser ouvido. Há ainda situações mais corriqueiras: escolher o que quer comer entre os pratos colocados à mesa para o almoço ou que roupa deseja vestir para sair. O idoso não deve ser desconsiderado ou ter sua opinião diminuída em relevância.
Raquel ressalta ainda situações de hiperproteção, como dar comida na boca ou caminhar do lado achando que o outro pode cair. A idade, por si só, não significa incapacidade — ou seja, se o indivíduo consegue realizar as tarefas do dia a dia e se organizar, pode morar sozinho. A psicóloga cita um dos músicos mais conhecidos do mundo, que acaba de anunciar nova turnê pelo Brasil.
— O Paul McCartney está com 81 anos, (e essa boa forma) não é para todo mundo. Claro que muita gente vai ficando idosa e adoecendo, isso vai gerando limitações. Tem que estar consciente disso. Quer eu queira ou não, virão as limitações. Mas podemos fazer um preparo melhor, há acesso a informações. O preparo não começa na véspera, e se preparar não é garantia. Se eu comer direito e fizer exercícios, vai dar tudo certo... Não é assim. A probabilidade é maior de as coisas darem certo — reflete Raquel.