Mais lentos ou ineficientes, há processos que mudam no organismo a partir dos 60 anos, como a digestão e a absorção de nutrientes. Hábitos alimentares também podem se tornar preguiçosos e monótonos, o que impacta negativamente na qualidade das refeições. É preciso ficar atento ao que vai para o carrinho de supermercado e para o prato: muitos produtos industrializados e poucos itens in natura já indicam que a dieta não está adequada.
Nutricionista e conselheira da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), Márcia Fidelix explica que as principais necessidades percebidas nesse grupo etário são vitaminas e minerais — especialmente, cálcio e vitamina D. A vitamina D, sintetizada com a exposição solar, tem poucas fontes alimentares, como o ovo. O cálcio é encontrado em leite, iogurte e queijos com menor quantidade de gordura, mas ingerir quatro porções diárias é uma meta difícil de ser cumprida por questões de custo, organização e hábito. Com necessidade aumentada e absorção reduzida, pode haver a necessidade de suplementação, o que deve ser definido por um profissional, após avaliação.
Fibras e proteínas (leite, carne, feijões, ovo) são consumidas em menor quantidade devido à difícil digestibilidade, "pesam" mais no estômago. Exemplo: comer carne à noite pode gerar grande desconforto, e o item acaba ficando de fora do cardápio. Outros fatores também impactam, segundo Márcia:
— O preço é mais alto, e a mastigação é mais difícil. O idoso pode ter uma dentição um pouco mais prejudicada, seja na força do maxilar, seja na qualidade dos dentes.
Fibras estão em verduras, legumes e frutas, mas talo, casca e sementes são mais difíceis de mastigar e exigem organização para compra e preparo. O custo não deve ser desincentivo. Com organização, pode-se dar um jeito. A nutricionista sugere fazer compras na xepa da feira, geralmente realizada ao final, quando os preços ficam mais atrativos para o consumidor para que os feirantes consigam liquidar os estoques. Escolher produtos da estação ajuda a baratear a compra — com R$ 15, pode-se encher a sacola da feira ou comprar um salgado e um refrigerante, compara Márcia. Ainda assim, existem outros obstáculos.
— Imagina o idoso que não sabe usar um aplicativo ou não gosta que outra pessoa escolha as suas compras. E imagina atravessar a rua carregando uma melancia — exemplifica Márcia.
Também contribuem com a má alimentação escolhas muito pobres em termos nutricionais, ainda que repletas de carinho: em festas de aniversário, encontros de amigos ou celebrações de igreja, bolos, docinhos e salgados são as grandes atrações para o paladar. Nem é preciso motivo para se reunir e comemorar: vizinhos costumam exercitar a boa convivência se presenteando com provinhas de sobremesas, pães e biscoitos. Do lanche da tarde, esses quitutes passam para o cardápio do jantar, acompanhados de uma xícara de chá ou café com leite. Pode faltar ânimo para preparar algo mais elaborado, e uma refeição com cara de lanche é mais fácil para ser digerida.
O problema desse tipo de arranjo é a pouca criatividade que passa a caracterizar a alimentação com o decorrer dos dias, conforme alerta da nutricionista Flávia Porto Wieck, mestre em Gerontologia Biomédica e professora da Unisinos.
— É comum o idoso que toma café da manhã, faz lanche da tarde igual ao café e, de noite, faz um lanche ou toma café. A monotonia alimentar ou uma alimentação muito restritiva podem levar a uma deficiência de nutrientes. Até pode comer pão de noite, mas que seja um sanduíche com salada, colocando um ovo cozido dentro. Inserir coisas diferentes das que já comeu no dia. Pode ser melhor esquentar a comida do almoço do que comer pão — observa Flávia.
Massa muscular
A professora chama atenção para uma alteração da composição corporal que faz parte do processo de envelhecimento, iniciado muito antes dos 60 anos — em períodos diferentes, órgãos e tecidos começam a envelhecer ainda na casa dos 20 anos. Há redução gradativa da massa muscular e, consequentemente, aumento do tecido adiposo (gorduroso), principalmente nas mulheres, em decorrência das mudanças hormonais.
— Homens e mulheres também têm diminuição da água intracelular em função dessa perda muscular. O idoso tem que tentar monitorar o consumo de líquidos porque diminui a sensibilidade à sede, também tem menos água no organismo e o corpo avisa menos — destaca Flávia (leia mais sobre hidratação abaixo).
Doenças crônicas muito comuns na terceira idade, como diabetes e hipertensão, são muito influenciadas pela rotina alimentar. A osteoporose, mais comum na parcela feminina, também se relaciona com o que se come. Receber orientação de uma nutricionista pode ajudar a implementar ou retomar uma dieta adequada, sem restrições ou concessões extremadas.
— Muitos querem a praticidade porque estão sozinhos, não têm mais esposa ou esposo. "Não preciso ter um corpo bonito", "já tenho diabetes mesmo, vou morrer, então vou aproveitar", dizem, desprendendo-se das obrigações. O prazer da alimentação acaba sendo um dos poucos que restam — comenta Márcia, da Asbran.
Regra para ter saúde
Dinea Leite Guarienti Zappoli, 62 anos, de São Leopoldo, frequenta feiras orgânicas e prepara, todos os dias, o almoço dela e do marido. Segue a regrinha sempre repetida por profissionais de saúde, em especial nutricionistas: desembalar pouco e descascar mais.
— Se você souber procurar bem, alimentos orgânicos da época, consegue por quase o mesmo valor do que está no supermercado e cheio de veneno. Tem que garimpar. Curto fazer isso, então é bem tranquilo. A maioria gosta de ir a shopping escolher roupa, eu não — comenta Dinea.
Professora de Educação Física aposentada, ela é esposa e mãe de atletas e, atualmente, pratica beach tennis e hidroginástica. A preocupação com bons hábitos se intensificou entre os 45 e os 47 anos, com a chegada do climatério. Refletiu sobre o fato de estar entrando em uma nova fase e o desejo de manter uma vida de qualidade por mais tempo, sustentada por uma rotina mais natural.
Dinea não abre mão do prazer à mesa: ama pão e nata, além de um bolinho no final de semana. As refeições a deixam satisfeita, sem necessidade de beliscar fora de hora: café da manhã, almoço, fruta à tarde e janta, que pode repetir o almoço ou então ser uma salada grande acompanhada de fatias de pão no forno.
— Eu poderia emagrecer um pouco, sem dúvida, mas não gosto mais de passar fome. Já não consigo mais (fazer dieta). Nos meus exames, está tudo bem — pondera.
Como saber se a alimentação está adequada
Márcia sugere a aplicação da regra 3-3-3: as refeições de um dia devem somar, no total, três porções de frutas, três porções de verduras e legumes e três porções de leite e derivados magros. Trata-se da forma mais simples e objetiva de verificar se a pessoa está contemplando as quantidades mínimas necessárias de vitaminas e minerais.
Observar a quantidade de ultraprocessados (industrializados) que é comprada e consumida também é um aspecto revelador da qualidade da dieta. Desembalar menos e descascar mais, trata-se de um lema da boa alimentação. Isso quer dizer que o quanto você compra de itens em embalagens fala muito sobre a qualidade do que come — inclua aí os itens vendidos em padaria e lanchonetes de fast-food. Comida de verdade, in natura, é imprescindível para a boa saúde.
— Existe um binômio na nutrição clínica: quantidade e frequência. Pode comer chocolate? Pode. Mas aquela pessoa que ama chocolate e passa a semana segurando a vontade come uma barra inteira no final de semana, e a pessoa que come um pedacinho todo dia acaba comendo menos do que a que comeu a barra inteira. A frequência é esporádica, não pode ser muita quantidade. O que é bom tem que ser frequente, o que não é bom não pode ser frequente — resume Márcia.
Hábitos essenciais
- Faça exercícios de força, especialmente musculação. Isso terá impacto na massa muscular e também na saúde óssea.
- Não passe longos períodos sem comer. Organize-se de modo a fazer duas refeições principais e duas ou três pequenas refeições por dia.
- A qualidade da dieta está ligada à diversificação, mas isso não significa que você tenha que tirar alguns alimentos e incluir outros.
- É preciso evitar a monotonia alimentar ou uma alimentação muito restritiva, que podem levar à deficiência de determinados nutrientes no organismo. Evite repetir o café da manhã no lanche da tarde. O jantar fica muito pobre se tiver somente caneca de café com leite, pão com manteiga e bolachas. A refeição da noite até pode ser um sanduíche, mais prático, mas procure acrescentar um ovo cozido e salada.
- O jantar pode ter o mesmo cardápio do almoço, aproveitando o que sobrou, mas tente inserir itens diferentes do que já comeu ao longo do dia, promovendo mais variedade.
- Prefira refeições mais leves à noite para evitar a sensação de peso no estômago.
Quanto tomar de água por dia?
A quantidade de água no organismo vai diminuindo ao longo das diferentes fases da vida. É maior na infância e vai se reduzindo com o passar do tempo. Por esse motivo, o idoso sente menos sede.
— A sensação de sede é diminuída. Não há tantos receptores que sinalizam a sede, e o organismo acaba desidratando mais rapidamente. Tem que cuidar o ano inteiro, mas em regiões com muito calor tem que cuidar mais — alerta a nutricionista Márcia Fidelix.
Fatores adicionais colaboram para a baixa ingestão. Pessoas acamadas ou com pouca mobilidade, que dependem do uso de fraldas, podem ficar constrangidas com a necessidade de outros terem ajudar no ritual de higiene. Para diminuir a necessidade de trocas, acabam por beber menos líquido. Outro motivo é o risco de quedas durante a noite, durante o deslocamento até o banheiro e de volta para a cama. Na tentativa de reduzir ou eliminar esses despertares, o idoso acaba restringindo demais o consumo de água.
— É importante tomar água desde o momento de acordar até duas ou três horas antes de dormir. Ter sono reparador e não correr risco de quedas de madrugada — complementa Márcia.
A necessidade diária de líquido pode ser calculada a partir de uma conta simples: 25 mililitros para cada quilo de peso (para o adulto de até 60 anos, são 30 mililitros por quilo). Assim, uma pessoa que pesa 60 quilos deve tomar um total de 1,5 litros por dia (60 x 25 = 1.500). Para simplificar, pense em oito a 10 copos de líquido diariamente. É o suficiente para eliminar as toxinas e hidratar as fezes, evitando que fiquem endurecidas.
Se o idoso não tem contraindicação para o consumo de líquidos, pode estabelecer a meta de 25ml por quilo de peso no inverno (quando sua menos) e de 40ml por quilo de peso no verão, recomenda a nutricionista Flávia Porto Wieck.
Não esqueça
- Programe lembretes ou o alarme no celular para lembrar de tomar água.
- Há aplicativos que controlam o consumo diário de água.
- Adote uma garrafinha de 500ml, preferencialmente metálica ou de vidro, e procure se habituar a tomar, no mínimo, duas delas por dia (serão somadas no cálculo as quantidades ingeridas de café, chá, suco, leite).
- Faça associações: beber água após cada ida ao banheiro, por exemplo.
- Deixe um copo cheio de água ao lado da cama no momento em que for deitar. Ao acordar durante a noite, não será preciso ir até a cozinha, arriscando-se a perder o sono.