Um estudo publicado no início deste mês na revista científica The Lancet Planetary Health apontou que o consumo de alimentos processados ou ultraprocessados está associado ao maior risco de desenvolvimento de 25 tipos de câncer, em diferentes partes do organismo. Entretanto, a substituição de 10% da ingestão diária dessas comidas pela mesma quantidade de produtos chamados de in natura e não processados — como frutas, verduras e legumes — está relacionada à redução do risco para as doenças. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
De acordo com o estudo, os alimentos são agrupados conforme seu nível de processamento pela classificação Nova, da seguinte forma: in natura, minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados. Esses últimos são os mais associados a riscos para a saúde. Entre os exemplos de alimentos ultraprocessados estão: bolachas, sorvetes e guloseimas, doces e chocolates, refrigerantes, cereais matinais, salgadinhos, iogurtes e bebidas lácteas adoçadas, achocolatados, bebidas energéticas, sopas e macarrões instantâneos, caldos com sabor de frango, legumes e carne, maionese e outros molhos prontos, produtos congelados e prontos para consumo (nuggets, pizza congelada, salsichas, entre outros), pães de forma e pães doces industrializados.
O estudo foi realizado pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) e pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), com base em dados da pesquisa prospectiva europeia sobre câncer e nutrição chamada Epic.
Para obter os resultados, o estudo acompanhou 521.324 pessoas em 23 centros de 10 países europeus (Alemanha, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Holanda, Noruega, Reino Unido, Espanha e Suécia), por mais de uma década — de março de 1991 a julho de 2001.
Os participantes foram divididos em quatro grupos, de acordo com a média diária de consumo de cada categoria de alimentos. No primeiro, a dieta era quase 77% composta por produtos in natura e menos de 5% por alimentos ultraprocessados. No segundo e no terceiro, as proporções de alimentos in natura caíam e as de comidas ultraprocessadas aumentavam gradativamente. Já no quarto, 63% da alimentação correspondia a produtos in natura, enquanto 25,3% do consumo diário era de ultraprocessados.
A pesquisa comparou os quatro tipos de dietas para avaliar o risco de desenvolvimento desses 25 tipos de câncer: cabeça e pescoço, esôfago (adenocarcinoma e esquamoso), estômago (dois tipos), cólon, reto, fígado, vesícula, pâncreas, pulmão, rins, bexiga, glioma (medula e cérebro), tireóide, mieloma múltiplo, leucemia, linfoma não-Hodgkin, melanoma, cervical, endometrial, ovário, próstata e mama. Dentre os participantes, 450.111 foram incluídos na análise final, sendo que 47.573 foram diagnosticados com alguma dessas doenças e acompanhados até 2013.
Segundo Fernanda Rauber, pesquisadora do Nupens e uma das autoras do estudo, o trabalho tem uma vantagem sobre ensaios clínicos randomizados por ter esse longo tempo de duração.
— Estudos prospectivos populacionais possibilitam avaliar algum tipo de associação do consumo com o maior risco de doenças. Em contrapartida, é mais difícil, para não dizer impossível, medir a associação quando avaliamos indivíduos expostos àquela variável em um ensaio randomizado com o desfecho provável de câncer — explica.
Para Nathalie Kliemann, primeira autora do estudo e pesquisadora da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS), além de reforçar a relação de maior risco para o desenvolvimento da doença, os resultados destacam como a mudança de hábitos pode ajudar a reverter o problema. Entretanto, a especialista comenta que é preciso mudar o olhar individualizado das alternativas nutricionais, como se fosse apenas uma questão de escolha, para um olhar coletivo de saúde pública:
— A substituição de 10% do consumo diário de ultraprocessados ou processados, segundo a classificação da Nova (de 2009), pela mesma quantidade de alimentos in natura ou minimamente processados provocou uma redução do risco. E isso tem ação direta no desenvolvimento de políticas públicas de promoção de saúde. Não podemos culpar só o indivíduo, existe todo um sistema por trás.
As pesquisadoras também afirmar que o Brasil apresentou avanços significativos em relação às políticas de alimentação. No entanto, alertam que o consumo de ultraprocessados vem aumentando gradativamente no país nos últimos anos.