Tenho evitado escrever sobre temas políticos desde que passei a ocupar este espaço, nas quintas-feiras. Me sinto mais leve, admito. Mas, desta vez, não me aguentei. Tudo porque Lula se encontrou com um ditador, o que não me surpreende. Ou alguém esperava algo diferente? O que me deixa espantado são as reações dos que acusam o presidente de namoro com um líder ilegítimo.
Inicio o núcleo duro da minha argumentação com um exemplo menos inflamável. Joe Biden, presidente da maior democracia do mundo, tem relações pra lá de estreitas com o governo da Arábia Saudita, que é tanto ou mais ditadura do que a Venezuela. Aliás, quem esteve por Riad e até ganhou presentes foi Jair Bolsonaro. Os que gritam agora, calaram. Os que calaram antes, agora gritam.
Até mesmo Israel, que se gaba, com razão, de ser a única democracia do Oriente Médio, estabeleceu relações diplomáticas e de profunda cooperação com países que têm donos, e não presidentes ou primeiros-ministros.
A defesa da democracia, muitas vezes, infelizmente, é apenas jogo de cena. Especialmente quando são os adversários que apertam mãos de líderes associados a regimes autoritários.
Se defender a liberdade e as instituições fosse mesmo tão importante, o Ocidente cortaria relações com a China, o grande parceiro comercial, por exemplo, do Brasil.
Há muito cheguei à conclusão de que a radicalização política simplifica as coisas de um jeito preguiçoso. A tal ponto que cada lado, em nome da lealdade a um rótulo, cultiva os seus ditadores de estimação. Mas não tolera os do outro. Tudo, no fundo, é um jogo de interesses que passa muito longe de valores como a liberdade. Não desconsidero os motivos que levam países a se relacionarem, mesmo que não sejam democracias. A economia tem suas próprias lógicas. Em 1985, quando morei em Israel, fui levado por um tio, que presidia uma importante indústria no sul do país, para visitar um depósito trancado e sem placas. Lá, havia pilhas de produtos com rótulos em árabe e sem a inscrição Made in Israel. Muito antes da paz com a Jordânia, o comércio já construía pontes. Isso é bom e não deve ser encarado com qualquer tipo de preconceito. Mas que, pelo menos, nos digam a verdade. Em vez disso, usam algo sagrado, a defesa da democracia, em busca de ganhos políticos imediatos. De fato, esse faz de conta rende aplausos e likes nos posts, ah, isso rende.