Existem formas mais e menos sutis de exclusão. Algumas, involuntárias. Depois dos 50 anos, passei a usar óculos para ler de perto. É normal. Tem muita gente de 20, 30 e 40 que também usa. Com a passagem do tempo, nossos sentidos vão se alterando. Acontece desde o momento em que nascemos. Até antes. Tem uma hora em que essas transformações se anunciam de uma forma mais concreta. Alguns chamam de perda, mas prefiro encarar como um processo natural, previsível e contínuo.
Faço todo esse preâmbulo para relatar uma experiência pessoal, mas que reflete a realidade de cada vez mais gente diante da boa notícia: estamos vivendo mais e melhor.
No final de semana, estive em Gramado. Nos hospedamos em um hotel muito bom, com brinquedoteca, item que se tornou decisivo nas escolhas de hospedagem desde que a Maya nasceu. Pois então: fomos jantar. Serviço e comida impecáveis. Na hora da conta, o que me assustou não foi o valor. Foi o tamanho das letras e números da nota, somado à pouca luminosidade do ambiente. A moça que nos atendia, gentilmente, solicitou: “O senhor pode conferir se os valores estão corretos?”.
Juro, tudo era minúsculo. Acho que nem quando eu ainda não precisava de óculos conseguiria ler. Pensei em reclamar, ser irônico ou explicar toda essa tese que você, gentilmente, tem a paciência de ler – as letras usadas por Zero Hora e por GZH são bem maiores do que as da conta. No fim, agi como se estivesse tudo bem. “Confio em vocês”, disse, e assinei. Talvez devesse ter me posicionado em nome da causa.
Na hora do checkout, vi que estava mesmo tudo certo. Mas fiquei com uma sensação de que, no fundo, eu não era bem-vindo naquele lugar, do qual boa parte dos frequentadores tinha perto ou mais do que a minha idade. Compreender as características e as necessidades das pessoas com mais de 50 e 60 anos não é benemerência e nem boa ação. É respeito e inteligência de mercado. É inadmissível que um número cada vez maior de consumidores não tenha acesso a informações às quais tem direito. Algumas bulas de remédio já aumentaram o tamanho dos seus textos. A mesma lógica deveria ser aplicada para cardápios, contas, embalagens, rótulos, placas de sinalização e tudo mais que se propõe a estabelecer alguma relação com esse mercado crescente e, tomara, cada vez mais exigente. Tratar a passagem do tempo com respeito e naturalidade é, aliás, uma boa forma de precisarmos ler cada vez menos bulas de remédio.