É correto e importante registrar os bastidores de uma cobertura jornalística, principalmente quando as condições de trabalho são desfavoráveis. Mas, na posse do presidente Bolsonaro, fiquei com a sensação de que houve exagero. As filas, o calor e ausência de café pareciam, em certo momento, mais importantes do que a verdadeira notícia.
Não eram só os jornalistas que passaram perrengue. Policiais, soldados, bombeiros, agentes de trânsito. Todos ficaram horas em pé e sem conforto para trabalhar. É verdade que Bolsonaro não morre de amores pela imprensa e que impôs dificuldades ao direito à informação, que não é dos jornalistas, mas do público.
Independemente do fato em si, Bolsonaro conseguiu o que queria. Induzir boa parte da imprensa ao mimimi e fazer parecer, aos olhos de grande parte do público, que tudo não passa de choradeira por falta de ar condicionado e cafezinho.
Conversei com um colega que fez a cobertura da posse do incensado Barack Obama, em Washington, em 2009. Ele ficou 10 horas em pé e passou inúmeros controles de segurança para ver Obama passar na sua frente. Um contato visual de 10 minutos.
Acredito também que devamos todos nos acostumar com esses novos tempos. Além do ranço, havia em Brasília cuidados extras pela presença de autoridades, como o secretário de Estado Mike Pompeo e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Pode parecer fácil para mim escrever desde o ar condicionado. Apenas como defesa preventiva, evoco minhas coberturas de guerra e mesmo de outras posses, como a do presidente Nestor Kirchner, em Buenos Aires, uma das maiores bagunças que já presenciei. Já passei muito perrengue trabalhando.
Reitero que minha observação não traz qualquer má vontade quanto ao registro do que ocorreu, mas sim à dimensão que foi dada aos fatos - exagerada, na minha opinião. Ao cair na armadilha de Bolsonaro, a imprensa reforça a ideia de quem tem má vontade com ele. Isso sim é perigoso, porque transformará qualquer crítica futura - principalmente as pertinentes - em pegação de pé. É tudo o que presidente sonha.