Stuart Diamond já tomava sua Coca-Cola com gelo quando eu cheguei, dois minutos antes da hora marcada. Apesar da minha resistência, fez questão de ir buscar e de pagar o meu café. Não houve espaço para negociação ou acordo. Inútil insistir. As chances de sucesso seriam quase nulas.
Aquele simpático americano de camiseta, sentado numa mesa do Starbucks de Haverford, subúrbio da Filadélfia, vendeu mais de 1,3 milhão de cópias do seu livro Getting More, traduzido para 26 idiomas, entre eles o português – Consiga o que você quer, editora Sextante.
Diamond ganhou um prêmio Pulitzer, o Oscar do jornalismo americano, quando trabalhava para o The New York Times. Aos 68 anos, é professor de Negociação, o curso mais popular da Wharton Business School, uma das melhores universidades de negócios do mundo. Foi consultor da ONU e ensinou alguns dos maiores executivos do planeta.
Conversamos durante 75 minutos, até sobre jornalismo. Não cheguei ao fim do meu café, que esfriou, relegado ao segundo plano pelo calor das ideias.
A seguir, os picos de temperatura:
O que é uma negociação?
É uma interação na qual se tenta alcançar objetivos. De forma consciente, inconsciente, verbal, não verbal, tanto faz.
É possível negociar consigo mesmo?
Eu não chamaria isso de negociação. Mas é possível negociar com um cachorro, por exemplo.Um aluno me contou que estava vendo futebol americano na tevê e comendo salgadinhos. O cachorro dele ficava em volta. Então o aluno jogou uma bolinha. O cão nem se mexeu. Ele queria o salgadinho. Depois de um tempo, o mascote buscou o seu osso favorito e largou-o na frente do meu aluno, talvez propondo uma troca. Teve sucesso na negociação. Ganhou um salgadinho. Em negociações entre humanos, qual a primeira coisa a ser dita, o quebra-gelo? As primeiras perguntas são: "O que está acontecendo aqui?". "O que você quer no fim desse processo que não tem agora?"
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Qual é o erro mais comum em uma negociação?
Se deixar tomar pela emoção e, com isso, perder a perspectiva do objetivo a ser alcançado.
Os brasileiros são muito emocionais. Muita objetividade pode soar agressiva... Negociação é perceber o outro e coletar informações. Se você notar alguma reação, pergunte: "Estou sendo muito agressivo?". Ou, já na largada, pontue: "Eu sou agressivo. Se eu passar do limite, me bata na cara" (risos). Diga, jogue luz. Negociar é conversar, discutir o que está acontecendo.
O senhor condena o exagero emocional, mas aconselha a dar ''pagamentos emocionais''. Qual a diferença?
Sentir e legitimar o sentimento do outro é uma coisa. Deixar a emoção tomar conta da negociação é outra. Não confundir empatia, que é altamente positiva, com emocionalidade. Empatia tem a ver com os outros. Emoção, com nós mesmos.
Linguagem corporal entra no pacote?
Tem muita gente estudando isso. Apenas digo que é praticamente impossível saber se uma pessoa está mentindo ou não pela sua linguagem corporal. Existem aí questões culturais, circunstanciais e pessoais. Por exemplo, alguém pode transpirar porque está mentindo ou transpirar simplesmente porque transpira.
O senhor já negociou com brasileiros. Como foi?
Negociei com meus editores brasileiros. Foi ótimo. E com a Petrobras. Lá, eu ajudei pessoas interessadas em colaboração e com elevado senso ético. Não esses que estão sendo presos, mas os caras legais da empresa, a imensa maioria. Eles compraram exemplares do livro e eu dei uma palestra. Correu tudo bem.
No seu livro, o senhor destrói o mito de que uma boa negociação é necessariamente um ganha-ganha.
E não é mesmo. Cada negociação é uma. É bem razoável perder hoje para ganhar mais no futuro, por exemplo. Se eu negociar com você sobre o mesmo tema na segunda ou na quarta-feira, o resultado pode ser completamente diferente. Em um dia você pode estar com fome ou com dor de cabeça, no outro, não. Cada negociação deve ser entendida como um evento original.
Ainda na área das contradições, o senhor afirma que clareza e transparência são fundamentais. Mas que, muitas vezes, as negociações dão errado porque alguém pede demais de uma só vez.
Você não vai dizer a uma criança de dez anos que ela está com câncer e vai morrer, certo? Muitas vezes, a negociação é incremental. Não se trata de mentir, mas de adotar a velocidade certa para chegar ao ponto desejado.
Onde o senhor aprendeu a negociar?
Quando deixei o The New York Times e fui para Harvard, descobri que tinha passado mais de 20 anos negociando informações, mas nunca tinha me dado conta. Me formei em Direito e me ofereceram o cargo de diretor associado do projeto de negociação de Harvard e a chefia de uma consultoria externa. O modelo de Harvard é extremamente lógico, mas com o tempo descobri que negociação é um processo que também envolve muito o irracional. Em Wharton, tive recursos e tempo para aprofundar esse enfoque.
É possível negociar com alguém que só pensa em ter razão?
Quando as pessoas só querem estar certas, a criatividade acaba e a agregação de valor cai. Tudo leva mais tempo. Ninguém aprende muito falando sem parar. É ruim para todos os lados. Eu tenho uma teoria não provada: não descobrimos ainda a cura do câncer porque gastamos mais em armas e em munições. Não quero ser ingênuo. Quero estar protegido. Mas a questão é: ok, você pode estar certo, mas aonde isso nos levará? Não se trata de ganhar ou de perder, mas sim de onde se quer chegar.
Quem se beneficia mais das ferramentas que o senhor oferece?
Fizemos uma pesquisa em vários países. O resultado é revelador. Os públicos mais interessados em aprender a negociar são os ligados à tecnologia, ao capital de risco, ao empreendedorismo, mulheres, militares e profissionais de saúde e de segurança.
E os menos?
Governos, mídia e advogados.
Alguma suspeita do porquê?
Esses setores trabalham no modelo do conflito.Para a mídia, por exemplo, é mais fácil e barato cobrir conflitos. Análise e construção são muito mais caras.
O senhor tem uma longa experiência no jornalismo. Qual a sua visão sobre o processo de transformação pelo qual a mídia está passando?
As empresas erraram ao desviar os jornalistas da sua competência mais importante, a elaboração de conteúdo, para transformá-los em parte do processo de distribuição. A produção de conteúdo de alta qualidade é o único caminho. Conteúdo relevante, útil, analítico e facilmente encontrável na internet.
Mecanismos de busca? Competir com o Google?
Sim. Quem usa o Google procura o mundo. Quem acessa o NY Times procura o melhor conteúdo. É a diferença que existe entre uma praça de alimentação e o melhor restaurante da cidade.