Jornalista, Marcel Verrumo acaba de lançar, pela editora Planeta, História Bizarra da Literatura Brasileira, em que conta, com linguagem leve, bastidores, curiosidades e histórias trágicas envolvendo personagens das nossas Letras. O Informe Especial conversou com o autor sobre os destaques da publicação.
Qual a importância de apresentar aos leitores outro lado da história da Literatura Brasileira?
Muitas vezes, o ensino de Literatura na escola é preso a termos técnicos e escolas literárias para preparar o aluno para o vestibular. História Bizarra da Literatura Brasileira surgiu porque é preciso ir além: é preciso, ao se falar de Literatura Brasileira, fazer com que o leitor se interesse por essa área, se apaixone pela riqueza que as nossas palavras guardam e queira se debruçar sobre nossas obras literárias.
Como foi o processo de escrita? Quais foram as fontes das informações?
Como o livro reconta curiosidade sobre mais de 500 anos da Literatura Brasileira, tratando desde a Carta de Pero Vaz de Caminha aos escritos contemporâneos, foi necessário um intenso mergulho em diversas fontes de pesquisa, como documentos oficiais, visitas a arquivos, dissertações de Mestrado, teses de Doutorado e entrevistas com especialistas, além da leitura dos romances, poemas, crônicas e contos escritos nesses cinco séculos que são apresentados no livro. Cada escritor e período literário exigiu uma pesquisa específica. E, vale lembrar, embora contado com uma linguagem leve, foi preciso, por respeito à memória dos nossos literatos e aos leitores do livro, fazer uma pesquisa embasada para que curiosidades apresentadas tivessem um rigor com o factual e não fossem meras especulações.
Qual episódio bizarro da história da Literatura Brasileira mais te impactou?
São muitas as bizarrices que me impactaram. Gosto muito das curiosidades envolvendo Pero Vaz de Caminha, o contador da tripulação de Cabral que escreveu sua famosa carta para livrar o genro de um crime praticado contra a Igreja Católica; a história do escritor Machado de Assis que, de vendedor de balas de coco, se tornou aquele que é considerado o maior literato brasileiro; gosto das aventuras amorosas de um poeta modernista adepto do poliamor, da retidão de um famoso romancista brasileiro que, quando foi prefeito, multou o próprio pai, das surpresas dos enredos dos primeiros romances eróticos nacionais. São muitas as bizarrices envolvendo nossos autores! Mas há também episódios mais emocionantes e que me tocaram como a luta de João Guimarães Rosa e sua esposa Aracy para salvar judeus das mãos de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, as entrevistas poéticas e viscerais de Clarice Lispector como jornalista, a garra de um escravo negro que ditou a própria biografia para lutar por liberdade. São muitas as histórias e temas tratados e que me impactaram.
Qual foi a descoberta mais legal de todas?
É impossível escolher apenas uma! Das curiosidades das cartas dos viajantes das embarcações da Cabral aos fatos pouco conhecidos sobre a Academia Brasileira de Letras, muitas são as descobertas fascinantes. Um dos capítulos mais surpreendentes, sem dúvida, é sobre a história da Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, a mais famosa rua de nossa Literatura. Ali, funcionou o primeiro sebo de nosso país (gerenciado por um senhor surdo e cego que, para encontrar os livros, sabia onde TODAS as obras ficavam nas prateleiras), onde viveu a Rapunzel brasileira do século XIX e onde nasceram grandes obras românticas de nosso país. Essa rua, aliás, antes de se chamar rua do Ouvidor, até já homenageou um paciente com hemorroidas, mas essa é uma longa história que conto no livro História Bizarra da Literatura Brasileira.
Qual você preferiria ter morrido sem saber?
Há histórias tristes envolvendo nossos escritores. Um famoso poeta romântico morreu afogado em um náufrago em que toda a tripulação se salvou, menos ele, pela infelicidade de ter sido esquecido dentro do barco. Há também o poeta romântico que previu a própria morte e o escritor pré-modernista assassinado pelo amante da própria esposa. São histórias trágicas que tiraram a vida de gênios de nossas Letras.
O que você acha que não aprendemos na sala de aula, mas que deveria fazer parte do conteúdo escolar?
Tudo o que seja capaz de despertar ainda mais o interesse dos nossos estudantes por nossa Literatura e que possa acender em cada um a paixão pela leitura e a sensibilidade para com a riqueza de nossas obras. O ensino de Literatura na escola não pode ter como meta apenas o Vestibular, mas a valorização da grandiosidade de nossos livros e escritores. Alguns temas que creio serem imprescindíveis no ensino de Literatura são, por exemplo, a primeira mulher que escreveu um livro no Brasil, uma figura importante de nossa História e que é praticamente esquecida; as narrativas de escravos africanos que viveram no Brasil, textos que denunciam aspectos da realidade nacional; os poetas de cordel, artistas tão importantes para a cultura nacional e tão pouco valorizados em sala de aula. São textos fundamentais para conhecermos melhor nossa própria História.
Que contribuição você acha que ressoa até hoje na nossa língua?
Uma contribuição da Literatura para nossa Língua é o surgimento dos homens brochas. Os primeiros livros eróticos nacionais são datados do século XIX e, por serem publicados em uma sociedade machista como a da época, eram chamados Romances para Homens e vinham com um selo na capa indicando que se tratava de uma leitura proibida a mulheres). Tais obras eram impressas em formato brochura, aquela encadernação mais mole. Um leitor, enquanto lia um romance erótico, olhou para a encadernação (e talvez para o próprio órgão) e associou o livro mole em brochura ao pênis flácido. Isso mesmo. Da associação, surgiram a expressão "pênis brochado", "homem brocha" e o verbo "brochar"!
Algum detalhe que os leitores gaúchos vão gostar de saber?
A Literatura gaúcha é uma preciosidade nacional. Diversos são os literatos consagrados legados pelo estado. E não dá para falar de Literatura Brasileira sem mencionar um dos nossos grandes gênios da palavra, Érico Veríssimo. Em História Bizarra da Literatura Brasileira, revelo detalhes de como esse autor, para driblar os censores da Ditadura Militar, criou um apocalipse zumbi e conseguiu publicar um dos livros mais críticos contra o regime, Incidente em Antares. Essa obra é fundamental não apenas para compreender a Literatura gaúcha, mas para nos certificarmos de que, com criatividade e talento, é possível construir uma crítica genial nas entrelinhas.