Para festejar os 10 anos de sua estreia, volta a cartaz nos cinemas nesta quinta-feira (28) Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014), filme argentino que concorreu ao Oscar internacional e recebeu no Festival de Havana os prêmios de melhor direção, para Damián Szifron, e melhor edição, dividido entre o cineasta e Paolo Barbieri Carrera. Szifron (que depois assinaria o muito bom policial Sede Assassina) também é um dos coautores do roteiro, ao lado de Julian Loyola e Germán Servidio. Em Porto Alegre, as sessões serão apenas no GNC Moinhos, às 21h55min.
Relatos Selvagens foi um fenômeno de público na época de seu lançamento. Na capital gaúcha, tornou-se o recordista de permanência no saudoso Cine Guion, com 37 semanas de exibição.
O filme é constituído por seis episódios independentes, um deles estrelado por Ricardo Darín, maior astro da Argentina, protagonista do oscarizado O Segredo dos seus Olhos (2009) e de outros dois candidatos ao troféu da Academia de Hollywood: O Filho da Noiva (2001) e Argentina, 1985 (2022). Ele faz um engenheiro especializado em implosões, mas que explode diante da burocracia e do pouco caso que os serviços públicos dispensam ao contribuinte.
Entre as outras histórias, uma se passa em um avião, onde revela-se que todos os passageiros são desafetos do piloto, e outra em uma festa de casamento, onde a noiva descobre que o noivo é amante de uma das convidadas.
O elenco inclui nomes conhecidos, como Oscar Martínez, ganhador da Copa Volpi de melhor ator no Festival de Veneza por O Cidadão Ilustre (2016), Darío Grandinetti, que trabalhou com Pedro Almodóvar em Fale com Ela (2002), e Leonardo Sbaraglia, que também atuou em um filme do cineasta espanhol, Dor e Glória (2019). César Bordon seria visto depois em Carvão (2022), da brasileira Carolina Markowicz, e Federico Liss é um dos coadjuvantes do terror O Mal que nos Habita (2023), do argentino Demián Rugna.
Os personagens de Relatos Selvagens vão até as últimas consequências, sem se preocuparem com a moral nem a lei, proporcionando um riso catártico do espectador. O filme causa gargalhadas em cenas que deveria chocar, mas não exclui o comentário social: mostra como nossa ilusão de civilização está sempre por um fio, ainda mais nesses tempos em que as redes sociais contribuíram para a agressividade e as polarizações.
Em Zero Hora, a jornalista Cláudia Laitano escreveu: "O cinema sempre soube explorar o fascínio das pessoas comuns pelos psicopatas. Relatos Selvagens vai na direção oposta: retrata o lado psicopata das pessoas comuns. A violência não é urdida em cérebros desarranjados ou colocada em prática em porões sombrios. Os impulsos de aniquilação, retratados quase como fábulas, explodem em situações com as quais o mais cordato espectador saberá se identificar. A conclusão é que o fino verniz que nos dá alguma ilusão de civilização não resiste bem às intempéries da vida. Basta uma pequena frustração, uma traição, uma mudança de rumo e tudo pode acabar em bate- boca, ou coisa bem pior".
Também colunista de Zero Hora, a escritora Martha Medeiros foi outra fã de primeira hora do filme argentino: "O mundo é um hospício. Portanto, deve-se congratular a maioria de nós que não aceita provocações e toca sua vida sem entrar em confusão, deve-se aplaudir os que levam rasteiras e não partem para o olho por olho, deve-se comemorar o fato de sermos resistentes a todos os desaforos que nos fazem, pois se fôssemos excessivamente esquentados, raivosos e incontroláveis, não sobraria um vivente para contar a história. Não que tenhamos que ser pangarés: indignar-se é da nossa natureza. Mas fazer tudo o que dá na telha, atendendo apenas aos nossos impulsos primitivos, nos levaria a um quadro semelhante ao mostrado no genial Relatos Selvagens, filme que está provocando gargalhadas e reflexões: como é que aguentamos tanto estresse? Afora os malucos, a maioria de nós é civilizada até demais".
Ela também comenta sobre nossa identificação com os personagens: "Apesar de absurdos, acreditamos em cada personagem e torcemos por eles, não por serem bons, mas por apresentarem uma demência que nos comove. A piração é tanta, que faz parecer que na tela estão crianças enfurecidas por causa de um brinquedo quebrado. Não conseguimos vê-los como criminosos. Tudo não passa de birra, apenas. O filme nos ganha porque ultrapassa nosso espanto racional e adulto até alcançar nosso riso descompromissado e juvenil, o riso típico de quem ainda não formou senso crítico, não tem juízo. No final das contas, toda selvageria é isso, uma volta às origens".
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