Por enquanto, o filme que mais me emocionou neste ano é um documentário lançado nos cinemas nesta quinta-feira (17): Super/Man: A História de Christopher Reeve (Super/Man: The Christopher Reeve Story, 2024), dirigido pelo suíço Ian Bonhôte e pelo britânico Peter Ettedgui. É a mesma dupla por trás de McQueen (2018), sobre o designer de moda Alexander McQueen (1969-2010), e Pódio para Todos (2020), sobre atletas paraolímpicos. Agora, eles reconstituem a trajetória do ator nova-iorquino que interpretou o icônico super-herói em quatro títulos — Superman (1978), Superman II (1980), Superman III (1983) e Superman IV: Em Busca da Paz (1987) — e que morreu há 20 anos, em 10 de outubro de 2004, poucos dias após comemorar seu 52º aniversário. Os diretores contam a jornada de ascensão, tragédia e superação de modo não linear, indo e voltando no tempo, e a montagem assinada por Otto Burnham é muito eficiente ao usar cenas das aventuras do Homem de Aço para ilustrar depoimentos.
Chorei feito criança e saí da sessão para a imprensa com o rosto molhado e vermelho. Claro que a nostalgia e a ligação afetiva pesaram: eu era de fato uma criança quando Reeve nos fez acreditar que era possível voar. A abertura do documentário já me condicionou para cair em lágrimas, ao reunir cenas dos filmes do Superman embaladas pela célebre música composta por John Williams.
Mas Super/Man não comove apenas por relembrar atos de heroísmo, ainda que fictícios, e celebrar o impossível. Como o título indica, convivem lado a lado — ou até se opõem — o personagem superpoderoso, símbolo de força, de nobreza e de esperança, e o homem que o encarnou, humano como todos nós, com suas inseguranças, seus traumas e suas falhas.
E também suas alegrias, seus sonhos e suas realizações, antes que algum fã pense que o documentário "acabe com a sua infância" ao fazer a desconstrução de um ídolo. Se o filme fala sobre o relacionamento difícil de Christopher com o pai, o poeta Franklin Reeve (1928-2013), e como o próprio ator chegou a ser um pai relativamente ausente e competitivo com os três filhos — Matthew e Alexandra, frutos da união com a inglesa Gae Exton, a quem conheceu durante as filmagens de Superman, e Will, nascido do casamento com Dana —, também retrata o amor e a união familiar.
A relação complicada com o pai ganha contornos de anedota em uma sequência que relembra a escolha de Christopher Reeve, então um desconhecido — mas belo e charmoso — ator de teatro com breves participações em seriados de TV, para ser Superman no filme dirigido por Richard Donner (1930-2021). Quando ele contou para Franklin, este parabenizou o filho pensando que Christopher havia sido escalado para uma peça do renomado Bernard Shaw (1856-1950) chamada Man and Superman.
A carreira cinematográfica reflete um desejo — ou uma angústia — para atender às expectativas paternas, fazer jus às aspirações artísticas de um acadêmico que escreveu duas dezenas de livros, entre obras de poesia, ficção e crítica literária, e era professor e tradutor de russo. Colega dos tempos de palco em Nova York, o ator Jeff Daniels diz que Christopher Reeve queria ser levado a sério em Hollywood. Para isso, entendeu que precisava se despir da imagem altaneira do Superman nos seus outros papéis, como em Armadilha Mortal (1982) e Monsenhor (1982).
O grande contraste entre personagem e ator é o que se pode chamar de uma ironia da vida. Quase indestrutível, Superman podia voar, desviar um míssil nuclear e até inverter a rotação da Terra, para voltar no tempo e salvar sua amada Lois Lane (fez algo parecido no drama romântico Em Algum Lugar do Passado, de 1980). Christopher Reeve, no dia 27 de maio de 1995, sofreu um gravíssimo acidente que o deixou tetraplégico — só podia se mexer do pescoço para cima — e dependente de um aparelho para respirar.
Foi durante uma competição de hipismo, esporte que entrou tardiamente na vida de Christopher Reeve — e se tornou "parte central", como ele diz no documentário, que tem um acervo riquíssimo de entrevistas e depoimentos do ator antes e depois do acidente. Reeve tinha inclusive medo de montar, até que, em 1985, precisou aprender para interpretar o Conde Vronsky em uma adaptação televisiva de Anna Karenina protagonizada por Jacqueline Bisset (aliás, ele atuou em vários telefilmes para poder pagar suas contas).
Dez anos depois, seu cavalo, Buck, parou bruscamente no momento de um salto. O grandalhão Reeve (1m93cm de altura e 97 quilos) foi arremessado ao chão, onde caiu de cabeça. O capacete não evitou os danos: fraturou as duas primeiras vértebras cervicais, lesionando a medula espinhal, e teve duas paradas cardíacas.
— Num instante, tudo mudou — relembra o ator em Super/Man.
— Se ele tivesse caído um centímetro para a direita, teria morrido. Um centímetro para a esquerda, seria apenas um tombo constrangedor — diz seu filho mais moço, Will.
Por pelo menos um momento, Reeve desejou ter caído um centímetro para a direita. Mas o amor de Dana o salvou, e a partir dali o ator começou a lutar para recuperar os movimentos do seu corpo. Aos poucos, compreendeu que essa luta deveria beneficiar não somente ele: virou ativista dos direitos de pessoas com deficiência e criou uma fundação que trabalha em diferentes esferas: ampara pacientes, conversa com governos e políticos para garantir e ampliar legislações protetivas e insta o mundo científico a desenvolver tratamentos e a buscar a cura para paralisia e lesões na medula espinhal.
O documentário recupera as vitórias pessoais e coletivas, mas também as decisões equivocadas e as derrotas emocionais. Nesses momentos, uma figura fundamental além de Dana e dos filhos era o ator Robin Williams (1951-2014), grande amigo de Christopher Reeve e um coadjuvante de luxo que torna Super/Man ainda mais pungente.
— Sempre senti que se Christopher ainda estivesse conosco, Robin ainda estaria vivo — afirma a atriz Glenn Close, aludindo ao suicídio do ator cômico que enfrentava uma depressão severa decorrente de um diagnóstico errôneo de Parkinson: a autópsia revelou que ele sofria era de Demência com Corpos de Lewy (DCL), que tem sintomas semelhantes.
O choro pode ser constante para o espectador de Super/Man, mas também há hora para rir. Por exemplo, quando Pierre Spengler, produtor de Superman, lista os nomes que eram cotados para viver o personagem. Fez-se uma proposta a Robert Redford, mas ele não quis. O então atleta olímpico do decatlo Bruce Jenner — hoje Caitlyn Jenner — "era muito bom fisicamente, mas na atuação, nem tanto". O cantor Neil Diamond se ofereceu, e Arnold Schwarzenegger estava "correndo atrás de nós". Spengler admite que o campeão de fisiculturismo vindo da Áustria tinha o porte corporal do personagem dos quadrinhos.
— Mas não podíamos ter o Superman dizendo "truth, justice and the american way of life" — brinca o produtor, imitando o carregado sotaque germânico de Schwarzenegger.
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