Claro que antes de Lost (2004-2010) houve séries de mistério que galvanizaram o público, como Twin Peaks, nascida em 1990, e Arquivo X, surgida em 1993. Esta última, aliás, é considerada a primeira produção a ter informações escondidas: tem uma trama central que costura cada temporada e requer que o espectador vá montando um quebra- cabeças para chegar à resolução de um enigma.
Mas Lost, que comemora no dia 22 de setembro os 20 anos de sua estreia, tornou-se símbolo dos seriados capazes de formar uma comunidade: em fóruns da internet, blogs e no Orkut, fãs reuniam-se para discutir teorias, especular sobre o destino de personagens, tentar desvendar os mistérios propostos pelos roteiristas. Os 121 episódios de suas seis temporadas estão disponíveis a partir desta quinta-feira (15) na Netflix.
Criado por J.J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof, Lost acompanha os sobreviventes de um acidente de avião que se veem presos em uma ilha onde muita coisa esquisita acontece. Quando os olhos de Jack Shephard (interpretado por Matthew Fox) se abriram pela primeira vez, o público passou a experimentar um novo jeito de ver séries.
Houve investimento financeiro (só o primeiro episódio, com duas horas de duração, teve o custo recorde de US$ 10 milhões); ousadia narrativa (a trama se alternava entre o presente, o passado, o futuro e uma realidade paralela); desenvolvimento de personagens (graças a um elenco heterogêneo e ambíguo); a criação de um mundo próprio (rico em instituições fictícias, como Oceanic Airlines e a Dharma Initiative); e, claro, enigmas a mancheias (desde os números 4, 8, 15, 16, 23 e 42 até o monstro de fumaça). Foi o seriado certo na hora certa: coincidiu com a explosão da internet, que ajudou a disseminar a mitologia de Lost.
Como era de esperar, muitos produtores tentaram repetir o sucesso ou pelo menos a fórmula de Lost. Entre os exemplos mais notórios, está Sense8 (2015-2018, também no menu da Netflix). O título da atração bolada pelas irmãs cineastas Lilly e Lana Wachowski e pelo roteirista de quadrinhos J. Michael Straczynski faz um trocadilho com a palavra em inglês sensate (sensato). A série de ficção científica sobre oito desconhecidos que acabam ligados mentalmente por uma força pouco compreendida é, na verdade, muito mais sobre as dificuldades de nos conectarmos intimamente com outras pessoas do que qualquer outra coisa.
Enquanto tentam descobrir como e por que essa ligação aconteceu e o que isso significa, são ajudados por um misterioso homem chamado Jonas e caçados pelo estranho Whispers. Destaque para a diversidade do papéis, que inclui um queniano, uma sul-coreana, uma mulher trans e lésbica e dois casais homossexuais.
Outra produção da Netflix, Stranger Things também pode ser considerado um filho de Lost. É um dos fenômenos culturais dos últimos tempos, graças à combinação entre os enigmas do enredo, a nostalgia dos anos 1980 e o ótimo elenco de personagens. Criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer, a série começa com o desaparecimento de uma criança, Will Byers, o que leva a uma investigação policial (conduzida pelo detetive vivido por David Harbour), ao colapso mental da mãe do garoto (encarnada por Winona Ryder), a uma conspiração corporativa e a um monstro que transita entre duas dimensões. Os amigos de Will — Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLoughlin) — também estão à procura dele, auxiliados por uma menina com poderes mentais: Eleven, que lançou ao estrelato a atriz Millie Bobby Brown.
Uma das graças de Stranger Things é identificar as referências oitentistas, desde as citações a filmes como O Enigma de Outro Mundo (1982), E.T. (1982), Poltergeist (1982), Os Caça- Fantasmas (1984), Chamas da Vingança (1984) e Conta Comigo (1986) até o emprego, na trilha sonora, de canções como Africa (1982), do Toto, Should I Stay or Should I Go (1982), do Clash, Elegia (1985), do New Order, Running Up That Hill (1985), de Kate Bush, e Master of Puppets (1986).
Dark (2017-2020), o seriado alemão de Baran bo Odar e Jantje Friese para a Netflix, foi o herdeiro por excelência de Lost. Também tem personagens interconectados, um cenário que funciona como microcosmo, viagens no tempo, experimentos científicos e mistérios capazes de engajar a audiência a formular teorias explicativas.
Um menino de 11 anos desaparece na floresta de Winden, na Alemanha, em 2019, e vai parar em 1986 — mesmo ano do sumiço do irmão caçula de seu pai e o mesmo ano de uma explosão na usina nuclear da cidade. A partir daí, desenvolvem-se jornadas entre passado e futuro (o primeiro sendo, não raro, influenciado pelo segundo). Isso gera linhas temporais distintas, que se convergem e criam versões diferentes dos mesmos personagens — a maioria deles integrantes de quatro famílias: Kahnwald, Nielsen, Tiedemann e Doppler. Entre os objetivos das viagens no tempo, estão impedir o apocalipse e evitar tragédias familiares.
Manifest: O Mistério do Voo 828 (2018-2022, igualmente na Netflix) é explicitamente derivado de Lost, apesar de ser baseada em um caso real: o desaparecimento do voo 370 da Malaysia Airlines, em 2014, na rota entre Kuala Lumpur e Pequim. Havia 239 pessoas a bordo, e até hoje não há respostas sobre o que de fato aconteceu.
Em Manifest, o criador Jeff Rake conta a história de um avião da fictícia Montego Air que enfrenta uma turbulência. Ao pousarem, os 191 passageiros e tripulantes descobrem que cinco anos se passaram. Irmãos, a policial Michaela (Melissa Roxburgh) e o professor Ben (Josh Dallas) resolvem investigar os reflexos do retorno dos viajantes à vida real.
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