O Departamento de Justiça dos EUA anunciou nesta terça-feira (23) que fechou um acordo de US$ 138,7 milhões (o equivalente a R$ 714 milhões) com mais de 100 vítimas do médico Larry Nassar, que abusou sexualmente de ginastas, incluindo as medalhistas olímpicas Simone Biles, McKayla Maroney e Aly Raisman. O grupo acusou o FBI, a polícia federal, de lidar de forma pouco séria com as acusações. O caso foi retratado em Atleta A (Athlete A, 2020), documentário disponível na Netflix.
É um filme sobre como o machismo estrutural é nocivo. Conta histórias de adolescentes abusadas, mas que, em vez de acolhimento e proteção diante das denúncias e dos crimes, foram submetidas a escrutínios morais e a punições.
Foi o que aconteceu com a ginasta Maggie Nichols, hoje com 26 anos, uma das entrevistadas dos diretores Bonni Cohen e Jon Shenk em Atleta A. Mesmo depois de encarar uma grave lesão, ela tinha grande chance de conquistar uma vaga no quinteto dos EUA que disputaria a Olimpíada do Rio, em 2016. Na seletiva, ficou no sexto lugar geral. Em tese, poderia ter sido uma das três reservas, mas não foi chamada. Nas arquibancadas, seus pais sentiam que aquele era um jogo de cartas marcadas. Ao contrário do que ocorrera em todos os eventos oficiais anteriores, ao contrário do que estava ocorrendo com as famílias de todas as demais competidoras, não havia câmeras de TV acompanhando as reações dos Nichols.
A poderosa Federação de Ginástica dos EUA, a US Gymnastics, jamais admitiu, mas fica evidente que Maggie Nichols sofreu represália por ter se queixado do médico Larry Nassar em 2015. O presidente da entidade à época, Steve Penny, nunca levou o caso à polícia, desobedecendo a legislação sobre violência sexual.
Mas Maggie, para o bem ou para o mal, não estava sozinha: centenas de ginastas foram abusadas por Nassar, que foi médico da equipe nacional durante 18 anos e posava como o cara simpático em um esporte pautado por treinadores rigorosos e rotinas extenuantes. Seu modus operandi incluía doces escondidos debaixo dos travesseiros e penetração vaginal e anal com os dedos.
Atleta A recupera a trajetória de outras vítimas, como a corajosa Rachael Denhollander e a medalhista olímpica Jamie Dantzscher, intercalando a narrativa com o trabalho dos repórteres do jornal Indianapolis Star, que publicou as primeiras denúncias. Entre uma coisa e outra, o filme explica como a ginástica artística tornou-se um ambiente propício para predadores sexuais e critica a cultura estadunidense do sucesso a qualquer preço.
Falando em preço, a negligência custou caro. Além do acordo anunciado na terça, já houve outras duas indenizações milionárias. A Universidade Estadual de Michigan concordou em pagar US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões) a mais de 300 mulheres e meninas que foram agredidas. A equipe de ginástica olímpica estadunidense e o Comitê Olímpico e Paraolímpico dos EUA desembolsaram US$ 380 milhões (US$ 1,9 bilhão).
Nassar, hoje com 60 anos, cumpre na Penitenciária Estadual do Michigan penas que, na prática, significam prisão perpétua, pelos crimes de agressão sexual, posse de pornografia infantil e adulteração de provas.